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Luiza Gonçalves
Publicado em 29 de junho de 2025 às 15:54
A quadra do Largo do Sieiro, na Liberdade, guarda um legado cultural de cerca de 50 anos de forró. Na placa fixada no alto do local encontra-se o nome de Mestre Chicão, morador de longa data do bairro, marcador de quadrilha e agitador cultural que marcou a cidade ao fomentar as artes juninas desde 1970. Homenageando o finado mestre e resgatando a memória dos festivais de quadrilha de bairro, como ocorria nas décadas de 1980 e 1990, o forró em passos de dança coreografados, roupas vibrantes e babados esvoaçantes tomou conta mais uma vez da praça com o Festival de Quadrilhas Juninas da Liberdade, na manhã e tarde de hoje (29).
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O evento é uma iniciativa do Fórum Permanente de Quadrilhas Juninas — coletivo fundado em 2019 que busca realizar ações de fomento cultural, valorização das tradições e articulação comunitária. Soiane Gomes, dançarina e produtora cultural responsável pela organização do festival, explica que a ideia do coletivo surgiu a partir de sua pesquisa de mestrado sobre quadrilhas juninas de Salvador. “Os festivais de bairro, os concursos de bairro, os arraiais de bairro na década de 80 e 90 eram muito fortes. Porém, os grandes eventos institucionais foram ofuscando um pouco essas iniciativas. Então, meu papel como pesquisadora, como mobilizadora e como alguém que preza pela memória cultural, da cultura junina, é realmente fazer um evento de bairro para retomar esse vigor que a comunidade tem”, defende.>
Promovendo o reencontro com as raízes culturais e prezando pela diversidade entre os participantes, a tarde deste domingo reuniu 10 grupos de quadrilha, dentre eles infantis, de profissionais de competição, com décadas de história ou iniciantes. “A diversidade de grupos que reflete a cidade. Temos inclusive a quadrilha Sapeca Yayá, que é de idosos do Centro Social Urbano e que foi fundada por Chicão, e a quadrilha Cristais do Amor, que são os jovens com síndrome de down e autismo”, destacou Gomes.>
Tem quadrilha na praça >
Abrindo a pista de dança e encantando de amantes do forró a curiosos que paravam no local, a quadrilha mirim Germe da Era foi a primeira a se apresentar, trazendo uma homenagem ao Rei do Baião, performada por mais de 30 dançarinos. O sol das 11h não barrou a animação das crianças, que dançavam, cantavam e batiam palmas seguindo a liderança de uma marcadora mirim potente. A tradição da Germe da Era se perpetua há 44 anos, desde sua formação em 1981, no bairro do Pero Vaz, e segue abrilhantando os olhos da organizadora do grupo, Aninha Estrela:>
“É uma emoção muito grande. Quando eu era pequena, nunca consegui dançar quadrilha, pois minha família tinha muita gente, não tinha como vestir todos. Mas aí a gente começou a fazer o arrastão na rua, e do arrastão a gente pegou alguns meninos, e assim começou a Germe. E hoje eu me realizo muito com as crianças. A gente começa o ensaio em março, alguns dão trabalho, não querem dançar de início, mas depois vai que vai. Seguimos transmitindo esse legado entre elas”.>
De longe, já dava para avistar os primeiros bailarinos da Quadrilha Capelinha do Forró, do bairro de São Caetano, com suas roupas roxas e rosas, cravejadas de brilhantes, cheias de babados, chapéus e muita elegância. Em sua apresentação Noite de Encantaria, trouxeram canto ao vivo, interpretação e dança ao narrar a lenda maranhense do Touro Encantado de Dom Sebastião, originária da Ilha dos Lençóis. “Esse ano, um brincante nosso [membro mirim] trouxe essa ideia. Tínhamos visto algo numa escola de samba do Rio, e aí, baseado nisso, nossa equipe artística viajou, foi até o Maranhão, até a ilha, para fazer uma pesquisa temática, elaborar e mostrar esse trabalho lindo que a gente tá vendo aí na quadra”, explica Augusto Reis, diretor da Capelinha.>
Um dos destaques da performance foi Herondina, interpretada pela artista e empreendedora Ítala Silva, que integra a Capelinha do Forró desde 2017 e atua como rainha da diversidade desde 2019. “Uma cultura de matriz africana. E ela representa a onça. Quando ela sai do lúdico, ela vai para a onça”, explica sobre sua personagem. Dançando quadrilha desde 2014, Ítala compartilha o quanto essa arte é essencial para seu bem-estar: “Na verdade, pra eu estar dançando, chega me emociona um pouco, porque é a válvula de escape. É onde a gente, adulto, tira todo o estresse. Dançar quadrilha pra mim é uma realização, é sobre amor”.>
Reis, que ingressou no grupo ainda criança, em sua fundação, em 1998, e atua como diretor desde 2017, ressaltou a importância da realização de eventos como o que acompanhou no Largo do Sieiro: “É um convite que agrega muitas pessoas, de diversas idades, forma muitas pessoas. Ver hoje aqui várias crianças, jovens, todas as idades, e principalmente num bairro como a Liberdade, que tem uma cultura muito grande, faz a gente ficar realmente muito feliz”.>