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Publicado em 28 de agosto de 2025 às 06:00
A Bahia já poderia dispor de um equipamento destinado a preservar o legado e exibir o acervo musical e pictórico do seu mais emblemático cantor, com a implantação da Casa Caymmi, suprimindo inadmissível lacuna para o circuito junto aos equipamentos culturais da cidade. >
O empenho dos herdeiros em consolidar a iniciativa vem desde o governo Paulo Souto, em 2005. Mas, de acordo com o neto de Dorival, Gabriel Caymmi, 44 anos, “a derrota de Souto para Jaques Wagner, em 2006, fez retroceder as negociações. Tentativas mais recentes não avançaram”. >
Desde o final de agosto de 2018, no entanto, foram reabertas negociações com a Secretaria Estadual de Cultura (Secult) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em reunião intermediada pelo coordenador-geral da Associação de Resistência Poética e Artística (Arpa), Adroaldo Quintela, no gabinete da Secult. Do encontro, participaram, além do próprio Quintela e de Gabriel Caymmi, a secretária Arany Santana e uma representante do Iphan.>
Em julho, quase um ano depois, foi oferecido pelo Iphan as instalações do Cine XIV, no Pelourinho, incendiado e abandonado em 2017; e, pela Secult, as dos museus Tempostal e Udo Knoff de Azulejaria e Cerâmica, também no Centro Histórico. Gabriel e Quintela visitaram esses equipamentos. Na ida ao Cine XIV, os gestores não localizaram a chave do cadeado. >
Localização requer maior visibilidade>
Durante a vistoria às ruínas do Cine XIV, Gabriel, que é artista gráfico e filho de Danilo Caymmi e da compositora Ana Terra, observou que “tão problemática quanto a revitalização do sobrado era a localização”, que considerou “muito escondido para a grandeza da obra do avô”. Preferimos um local com melhor acessibilidade e visibilidade”, disse.>
Sobre os outros dois museus, foram informados, em seguida, de que “a Secretaria pretende reformar e mantê-los com as atuais destinações”. >
Gabriel confirma que as negociações já não seguem em andamento e que, qualquer aceno no sentido de retomar o projeto “precisaria de novas conversações com os tios Dori e Danilo, após a morte de Nana, por conta das posições políticas diferenciadas deles”, e que aguarda proposta de novas localizações pela Secult ou Iphan, com maior demonstração de interesse por parte dos dirigentes e a definição sobre a quem caberia a captação de recursos, se à Secretaria de Cultura ou aos familiares”. >
Adroaldo Quintela revela ter viajado ao lado do ainda governador Rui Costa (PT), durante voo de Brasília a Salvador, quando aproveitou para comentar o projeto, exibir foto das primeiras negociações com Arany Santana e que Rui teria “declarado interesse”. >
Na capital, Dorival Caymmi é homenageado com nome de praça, avenida, busto e uma estátua, no calçadão da Orla, em Itapuã. Também já foi motivo de um troféu em festival para novos músicos e compositores desde meados dos anos 80 até 2015. >
O dia 16 de agosto marcou 17 anos da morte dele, no Rio de Janeiro, onde mantinha moradia. >
A última vez que esteve em Salvador foi em 2006, aos 92 anos, ao ser homenageado como vencedor do Prêmio Jorge Amado.>
Acervo seria doado pelo MIS>
Gabriel adiantou que praticamente todo o acervo de Dorival Caymmi encontra-se no MIS-Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro, e com reproduções digitalizadas no portal de Tom Jobim, para o qual foi organizado e digitalizado em 2009. >
O acervo possui mais de 4 mil itens catalogados de fotos, documentos, desenhos e pinturas, áudios e vídeos. >
O acervo de Caymmi é constituído, fundamentalmente, por documentos iconográficos, aí incluídas fotografias e cartazes de shows, além de documentos sonoros, bibliográficos e objetos tridimensionais. >
O MIS se comprometeu a ceder, como doação, o patrimônio físico e digital – partituras, gravações em áudio dos discos - para compor o cogitado espaço cultural em Salvador. >
Gabriel ressalta que há inúmeros pertences pessoais de Dorival, como documentos e acessórios, em mãos dos familiares, inclusive diversas fitas k7 nas quais, acredita, existam músicas inéditas. Ele faz ver a “necessidade de ainda ser dimensionado todo o acervo” do cantor e compositor. >
Há inúmeros quadros, rascunhos e estudos de desenhos com técnicas novas que ele vinha desenvolvendo nos trabalhos de arte visual.>
Biografia e sucessos>
Compositor, cantor e pintor, Dorival Caymmi nasceu em Salvador no dia 30 de abril de 1914. >
Aos 16 anos, em 1930, interrompe os estudos, passando a trabalhar como auxiliar no jornal O Imparcial, mesmo ano em que escreve sua primeira canção, No Sertão.>
Aos 20 anos, começa a se apresentar como cantor e violonista na Rádio Clube da Bahia. Em 1936, vence concurso de músicas de carnaval com o samba A Bahia Também Dá, sendo premiado com um abajur de cetim. Dois anos depois, em 1938, pegou um Ita no norte e foi para o Rio de Janeiro morar. Consegue emprego como desenhista numa agência de publicidade e passa a se apresentar na Rádio Tupi. Em 1939, a canção O Que é Que a Baiana Tem?, em dueto com a diva Carmen Miranda, torna-se sucesso nacional. >
Em 1940, atuando na Rádio Nacional, conhece a caloura Stella Maris, com quem se casa e tem três filhos: Dinahir (Nana), em 1941; Dorival (Dori), em 1943; e Danilo, em 1948. >
Entre os maiores sucessos, vale citar: Você Já Foi à Bahia? (1941), A Preta do Acarajé (1939), Samba da Minha Terra (1940), Rosa Morena (1942), Dora (1945), Peguei um Ita no Norte (1945), Marina (1947), Não Tem Solução (1950), Sábado em Copacabana (1951), João Valentão (1953), Só Louco (1955), Maracangalha (1956), Saudade da Bahia (1957), Oração para Mãe Menininha (1972) e Modinha para Gabriela (1975). >
A série de canções praieiras, com que homenageia Itapuã e a Lagoa do Abaeté, data de 1954. Em 2019, foi lançado no Rio de Janeiro e em São Paulo, durante o festival É Tudo Verdade o documentário Dorival Caymmi: Um Homem de Afetos, dirigido por Daniela Boitman, e disponível para aluguel na Apple TV e YouTube Premium.>
Caymmi revolucionou a MPB e influenciou gerações de artistas, criando toda uma mitologia de pretas do acarajé, pescadores, sereias, igrejas, vizinhas do lado, morenas e coqueiros. Em 70 anos de carreira, deixou 127 composições e 17 LPs gravados. >
SECULT nega negociações>
Através da sua assessoria de Comunicação, a então secretária Arany Santana informou “desconhecer a existência de qualquer negociação para a implantação da Casa Caymmi”, mesmo com uma foto registrando o encontro dela com Adroaldo Quintela. >
Ainda assim, foi sugerido à reportagem que o assunto estaria sendo tratado junto ao Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado (Ipac).>
A assessoria do Ipac, contudo, confirmou que as tratativas ocorriam diretamente com o gabinete da Secult. Na Secretaria, sem orçamento e políticas culturais definidas, tampouco souberam informar sobre a revitalização do Cine XIV e se a programação cinematográfica no Centro Histórico continuaria a ser desenvolvida em outra edificação.>