Acesse sua conta
Ainda não é assinante?
Ao continuar, você concorda com a nossa Política de Privacidade
ou
Entre com o Google
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Recuperar senha
Preencha o campo abaixo com seu email.

Já tem uma conta? Entre
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Dados não encontrados!
Você ainda não é nosso assinante!
Mas é facil resolver isso, clique abaixo e veja como fazer parte da comunidade Correio *
ASSINE

'Não me apresentaria no Teatro Vila Velha', diz Othon Bastos

Ator de 91 anos fala da emoção que sentiria ao retornar ao palco que ajudou a construir; local, hoje, passa por reforma

  • Foto do(a) author(a) Tharsila Prates
  • Tharsila Prates

Publicado em 21 de maio de 2025 às 06:00

Othon Bastos em cena do monólogo
Othon Bastos em cena do monólogo Não me entrego, não! Crédito: James Click Photo

Seis centenas de páginas, com ideias e pensamentos de uma vida, condensadas em uma hora de espetáculo. Acontecimentos grandiosos, como a amizade com Glauber Rocha, a revolução no papel de Corisco, a criação da própria companhia de teatro, o encontro com a atriz baiana e sua companheira Martha Overbeck, a sobrevivência a mais de 70 anos de carreira. É sobre ser Othon Bastos.

Desta quarta (21) a domingo (25), no Sesc Casa do Comércio, com ingressos já esgotados, ele apresenta em Salvador o seu primeiro monólogo, que estreou em junho do ano passado, no Rio de Janeiro, com a intenção de ficar apenas 2 meses em cartaz. Não só virou uma temporada, como tem viajado o país. A peça ainda deu a Othon o prêmio Shell de melhor ator entre as peças do Rio, para onde pretende retornar, com sessões a preços populares no tradicional Teatro Municipal Carlos Gomes.

Passeando pela capital baiana depois de mais de 15 anos (esteve aqui rapidamente em 2019, para receber o título de cidadão soteropolitano), Othon reviu o Teatro Vila Velha, que ajudou a erguer, e se viu no enorme cartaz do Cine Glauber Rocha. “Achei que fosse maior ou em outro local”, diverte-se. As imagens estarão em um documentário sobre ‘Não me entrego, não!’ – a peça com texto e direção de Flávio Marinho, em que desfila suas vivências no cinema e no teatro.

Sobre o Vila Velha, nem gostou do que viu nem se sentiria confortável em se apresentar por lá. “Já não é o meu Vila Velha, nem sobra do que foi, da simplicidade que era”, comenta o baiano de Tucano, referindo-se não só ao espaço como à programação fantástica do seu auge.

O ator relembra que, durante 1 mês antes da estreia de Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri, o grupo Sociedade Teatro dos Novos promoveu um espetáculo por dia, com a participação de orquestra sinfônica, da escola de samba do Garcia, de franciscanos cantando músicas sacras, de um quinteto de cordas e um quarteto de sopros. “Trabalhamos que nem desesperados para chamar a atenção sobre o Vila Velha.” Isso foi há 61 anos.

Mesmo que quisesse, hoje, e pudesse fazer a peça no Vila (fechado agora para reforma), ele não aceitaria. “Eu ia pedir à produção que arranjasse um outro teatro para eu ir à Bahia, não o Vila Velha. Não sei se teria emoção, aos 91 anos, para estar no Vila Velha depois de tanto tempo. É uma coisa muito emotiva. Voltar fazendo um monólogo em que eu fale do Vila, que eu fale do pessoal da Bahia, iria mexer muito comigo. Um passado inteiro, 12 anos de Vila Velha... Eu acho que não daria.”

No Castro Alves, também não, Othon. Está fechado para reforma depois do incêndio na cobertura em 2023. “De novo outro incêndio? Esse teatro é fadado a incêndios, não é? No lugar de ser o Teatro Castro Alves, devia ser o Corpo de Bombeiros.” Apesar da ‘brincadeira’, por saber da importância do TCA, ele também não teria emocional para uma apresentação no maior teatro da capital baiana. E a conclusão da reforma no local está prevista só para 2026.

Em cena

‘Não me entrego, não!’ vai narrar as dificuldades, os encontros e as alegrias pelas quais o ator passou ao longo da carreira. Está lá a época em Londres, onde foi estudar teatro e fez dezenas de figurações mudas. Também o fato de ter sido a segunda opção em diversos e cruciais papéis que aceitou - ele não era o Corisco inicial, de Deus e o Diabo na Terra do Sol; ele não era O Homem, de Os Deuses e os Mortos, dirigido por Ruy Guerra.

No primeiro, o baiano Adriano Lisboa precisou sair para outro filme. No segundo, o ator escalado ficou doente. Nem por isso Othon deixou de revolucionar e, até hoje, agradece ao generoso e jovem Glauber, baiano de Vitória da Conquista, por ter permitido a mudança no roteiro sugerida por Othon, que fez um cangaceiro brechtiano, moderno. E olhe que nem é o personagem preferido do ator. Perde para Paulo Honório, de São Bernardo, filme de Leon Hirszman. Othon admira muito a construção do personagem feita por Graciliano Ramos.

“Também em várias peças aconteceu de eu substituir alguém. O acaso foi e é meu amigo inseparável.” Isso sem contar as personagens secundárias que fez, “coadjuvantes de luxo”, como foi o caso em Central do Brasil e em Bicho de Sete Cabeças.

“Não me entrego, não! ficou como um símbolo. Eu conto: me aconteceu isso assim e assim e eu resolvi dessa maneira. As pessoas também podem resolver. Se elas estão com algum problema, sabem que vão ter que resolver aquele problema, que é possível e que tudo passa. Tudo passa”, repete.

Othon Bastos
Othon Bastos Crédito: Beti Niemeyer

Ficaram de fora do espetáculo episódios tristes (os pais de Othon morreram quando ele era novo) e a participação na TV. Esta daria uma peça à parte.

As citações ditas pelo artista são orgânicas aos fatos. Faz todo sentido recorrer a Mário Quintana sobre não ter paredes, apenas horizontes; e também a Emily Dickinson: “Nasço contente todas as manhãs”. Foi assim que chegou longe. Tão longe que precisou de uma Memória que o auxiliasse a contar tudo e, então, a atriz Juliana Medella, antes assistente da peça, passou a atuar como uma espécie de Google, ou ainda mais divertido, uma Alexa, a assistente virtual da Amazon.

Parceria

Amigos há mais de 50 anos, o diretor Flávio Marinho considera Othon Bastos um homem resiliente, que se reinventa e não se entrega. “Está sendo uma delícia trabalhar com um dos maiores atores do Brasil. O que mais me chama a atenção é a integridade com que ele encara qualquer papel. No teatro, na TV ou no cinema”, afirma Marinho, que criou e dirigiu Judy, o arco-íris é aqui. Foi essa peça com Luciana Braga no papel da norte-americana Judy Garland que encantou Othon ao unir uma mescla da vida das duas atrizes. O ator quis fazer uma peça sobre sua carreira, e o diretor propôs ao amigo misturar citações (aquelas das 600 páginas) com os acontecimentos da vida de Othon.

E que vida. Na sexta (23), ainda em cartaz em Salvador, ele completa 92 anos, “passando a limpo a mim mesmo, com muito humor”. E no palco, doando todo o talento que tem. Justifica isso com Lorca: “Teatro é a poesia que se levanta do livro e se torna humana”.

“Que as pessoas sintam isso. O que você vê no palco é humano, não é uma fantasia, nem criação, é vida”, conclui, adaptando a frase do comediante americano Harold Lloyd que cai bem nesta sua nova fase: “Levei 72 anos para fazer sucesso da noite para o dia”. E ri, feliz.