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Nova biografia reimagina juventude de Machado de Assis

Livro sobre Bruxo de Cosme Velho seduz pela ambição do projeto, mas derrapa em lirismo excessivo e repetições estilísticas

  • Foto do(a) author(a) Thaina Dayube
  • Thaina Dayube

Publicado em 5 de dezembro de 2025 às 06:00

Famosa imagem de Machado de Assis é prova do branqueamento que sofreu da Academia
Famosa imagem de Machado de Assis é prova do branqueamento que sofreu da Academia Crédito: divulgação

Machado: O Filho do Inverno (Editora Ação | R$ 115 e R$ 91, o e-book) reconstrói o percurso de Machado de Assis a partir de fragmentos — o menino do Morro do Livramento, o tipógrafo que aprendeu o ofício entre tintas e chumbo, o escritor que viria a redesenhar o romance brasileiro. Nessa biografia, C.S. Soares nos mostra a vida de Machado de Assis a partir de uma perspectiva que destaca sua negritude e sua genealogia, recuperando fatos pouco conhecidos, como as histórias dispersas dos avós e dos pais, compondo um quadro familiar e social que busca devolver corpo e atmosfera ao que o tempo dissolveu.

O autor costura as lacunas da vida do escritor carioca com uma pesquisa robusta, desenvolvida ao longo de 15 anos. O resultado, porém, oscila entre a leveza de uma prosa encantada e o peso de uma escrita que se encanta demais consigo mesma. O autor oferece uma narrativa que começa fluida, envolvente, mas logo se enreda em excessos descritivos, repetições e um lirismo que ameaça soterrar o próprio biografado.

Mais eficaz é o modo como Soares situa Machado dentro do ambiente literário de sua época. Ele contrapõe a trajetória do escritor a figuras como Manuel Antônio de Almeida, cujo Memórias de um Sargento de Milícias foi uma referência possível para o jovem Machado; e José de Alencar, que cresceu cercado de privilégios e parecia predestinado ao sucesso — contraste que evidencia a diferença brutal de origem entre eles. Álvares de Azevedo surge como outra influência significativa, marcando a sensibilidade do Machado adolescente, ainda tocado pelo romantismo que depois renegaria.

O autor C. S. Soares por divulgação

Outro ponto relevante é a atenção à maçonaria, apresentada como espaço de articulação, sociabilidade e resistência para homens negros do período. Soares sugere que a participação de Machado nesse ambiente ajudou a modelar sua noção de pertencimento, ao mesmo tempo, discreta e profundamente política — um aspecto nem sempre explorado por biógrafos anteriores.

Forma irregular

A escolha por uma escrita poética, contudo, torna-se um risco. Em muitos momentos, o texto se alonga em imagens que nada acrescentam à compreensão de Machado — passagens que funcionariam bem num romance histórico, mas que dificultam a clareza de uma biografia. A insistência em repetições, como o uso exaustivo da palavra “gesto” (em diversos sentidos), e o gosto por frases de efeito que abrem ou encerram capítulos reforçam a sensação de que o autor tenta competir estilisticamente com seu objeto, numa disputa desigual contra alguém que dominava a ironia e a contenção como poucos.

A narrativa ganha consistência na escolha de Soares de abandonar qualquer compromisso rígido com a cronologia. Ele prefere montar um mosaico em que temas, ambientes e relações se entrelaçam. Essa estrutura, ao contrário do estilo por vezes excessivo, funciona: o passado e o futuro do escritor conversam, os capítulos se iluminam mutuamente, e o leitor é convidado a perceber a formação de Machado como uma trama de retornos, rupturas e repetições.

A decisão de não seguir uma linha do tempo convencional permite, inclusive, que Soares explore melhor as tensões da juventude machadiana: o leitor vê surgir, em diferentes momentos, o tipógrafo curioso, o poeta impressionável, o cronista disciplinado e o jovem intelectual atento aos debates políticos. Acompanhamos a maneira como cada uma dessas facetas amadurece, retorna, se contradiz — movimento que aproxima a biografia da lógica própria da memória.

Curiosamente, é essa estrutura não linear que melhor equilibra a instabilidade estilística do autor. Se a prosa oscila entre a verborragia e momentos de precisão luminosa, o desenho do livro, feito de camadas que se sobrepõem, sustenta o conjunto e impede que os excessos conduzam à dispersão total. Há trechos em que o ritmo encontra uma cadência quase hipnótica e conduz o leitor por páginas seguidas, especialmente quando Soares trabalha com paralelos entre a vida íntima e a vida pública do escritor.

O jovem Machado de Assis
O jovem Machado de Assis Crédito: divulgação

Brás Cubas

Essa montagem fragmentada conduz o leitor até o limiar da publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas em formato de livro, em 1881, ponto de chegada deste primeiro volume. Ao descrever o momento em que Machado se aproxima de sua obra mais revolucionária, Soares sugere — ainda que discretamente — que todas as tramas dispersas ao longo do livro convergem para aquele salto estético: a ironia que se adensava, o incômodo crescente com as convenções do romance, o olhar cada vez mais afiado para a sociedade.

Chegar a Brás Cubas sem seguir uma cronologia exige habilidade, e é justamente nesse trecho que a biografia mais acerta. O leitor percebe a aproximação da obra não como um destino inevitável, mas como o resultado de múltiplas camadas que se sedimentaram ao longo dos anos. A expectativa pelo volume 2 (previsto para setembro de 2026), portanto, nasce não apenas pelo interesse no restante da vida de Machado, mas pela promessa de que essa arquitetura fragmentada pode produzir uma leitura ainda mais rica.

Tags:

Literatura