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Tharsila Prates
Publicado em 27 de abril de 2024 às 19:15
A poetisa e professora da Ufba Lívia Natália se emocionou na tarde deste sábado (27) ao relembrar da censura e das ameaças de morte que sofreu em 2016, quando teve o poema ‘Quadrilha’ banido de um outdoor em Ilhéus, no sul da Bahia. São cinco versos sobre a chacina do Cabula e a letalidade policial no estado. Ela participou da mesa Livros e Liberdade, na Bienal do Livro da Bahia, junto com o escritor Jeferson Tenório e o professor de Direito e articulista Conrado Hubner, com mediação de Flávio Novaes. >
Os três convidados compartilharam histórias de censura, sendo a mais recente delas a que atingiu Tenório, que teve o livro O Avesso da Pele recolhido em ao menos três estados e, depois, após grande repercussão, os governos voltaram atrás. Lívia, contudo, detalhou as mensagens ameaçadoras que recebeu: “Esta mulher está tentando ‘denegrir’ a imagem da corporação. O que ela merece?”. Falou ainda de como o problema afetou a sua vida pessoal. >
Ao CORREIO, ela disse que vivenciou um adoecimento. “Eu fico muito tocada quando conto como aconteceu o processo, as ameaças que eu recebi, as perseguições que sofri por um poema que não estava falando de um PM, do sujeito, da pessoa que veste a farda. O poema fala de uma violência estrutural de Estado. O modo como isso se depositou sobre o meu corpo, a minha existência, a minha vida, me adoeceu. Passei muitos anos sem tocar nesse assunto, sem recitar o poema”, diz ela, acrescentando que ficou traumatizada com a experiência.>
‘Quadrilha’ diz o seguinte: “Maria não amava João, Apenas idolatrava seus pés escuros. Quando João morreu, assassinado pela PM, Maria guardou todos os seus sapatos”. Ele foi recitado pausadamente pela autora. Mesmo com o trauma, Lívia disse que não pensou em parar de escrever e que tem um compromisso: “Não é porque não tenho medo de morrer. É uma capacidade de escuta e de vocalizar, com a minha escrita, existências silenciadas”.>
Sobre medo, Jeferson Tenório, que também é negro, citou até o receio de andar nas ruas de Porto Alegre (RS), onde é radicado. Medo de ser parado, abordado, confundido... Ele diz que ficou perplexo pela censura ao livro, depois que o vídeo de uma diretora do município de Santa Cruz do Sul (RS) viralizou, ao classificar o romance de erótico (e a história é sobre luto e racismo). Também lembrou que, ao mesmo tempo, ficou feliz pela reação que diversos leitores e formadores de opinião tiveram, criticando a postura dos estados em recolher o publicação, que faz parte do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).>
Conrado Hubner reconheceu os privilégios que têm como homem branco e, por isso mesmo, apesar de ser processado por artigos com críticas ao ex-procurador da República Augusto Aras e outras autoridades, não viveu situações extremas como a de Lívia e Tenório. Mas afirmou que as ações na Justiça, que correm arrastadas, é uma “espada escondida”. “A sociedade brasileira é censora, não vivemos em tempos normais. Tem muita gente que não vive a normalidade democrática nunca”, finalizou.>
Violência>
Na mesa seguinte, O Desafio das Ruas, a escritora, ativista antiprisional e professora do Instituto de Letras da Ufba Denise Carrascosa foi bastante aplaudida, diversas vezes, ao atacar o enfrentamento nacional contra as drogas, defender políticas públicas voltadas ao povo negro e exaltar a importância da educação como forma de acesso para uma mudança efetiva. “A política nunca foi contra as drogas e, sim, contra corpos negros.” Ela dividiu a discussão com o escritor e jornalista Bruno Paes Manso, autor de ‘A república das milícias’ e ‘A fé e o fuzil’. Para ele, uma solução seria reduzir os homicídios nas áreas mais conflagradas e atacar o poder econômico do tráfico, o que ajudaria a inibir a violência. >
Denise, que é autora de ‘Cartografias da subalternidade’ e ‘Técnicas e políticas de si: literatura e prisão no Brasil pós-Carandiru’, entre outros, aproveitou para descrever o projeto ‘Corpos Indóceis e Mentes Livres’ que desenvolve semanalmente, há 14 anos, no Presídio Feminino, em Salvador, levando literatura e outras linguagens artísticas para as presas. Ela também declamou um poema, desta vez escrito por uma mulher encarcerada, e recebeu aplausos calorosos da plateia de pé.>
Confira aqui a programação da Bienal deste domingo (28) a quarta (1).>