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Doris Miranda
Publicado em 12 de setembro de 2025 às 06:00
Grande dama da dramaturgia brasileira, Ruth de Souza foi uma precursora. Primeira atriz negra a se apresentar no Theatro Municipal do Rio, primeira brasileira indicada a um prêmio internacional de cinema, primeira mulher no grupo Teatro Experimental do Negro, construiu uma carreira referência. O imenso legado da atriz ganha destaque no livro A Rainha da Rua Paissandu (Intrínseca | 176 páginas | R$ 70 e R$ 35, o ebook), escrito por Lázaro Ramos a partir de encontros com Ruth. >
A ideia do livro foi da própria Ruth, que já tinha sido personagem de várias biografias, mas queria uma autobiografia. Ela, então, pediu à editora que Lázaro fosse o autor. Ele recusou mas propôs atuar como ghost writer. “Ia na casa dela todos os domingos para ouvir suas histórias. Só que no meio desse processo ela faleceu e eu tive que terminar o livro. Foram muitos encontros e essa é uma das maiores alegrias da minha vida, ter convivido tão de perto dela”, diz Lázaro, que encontrou Ruth pela primeira vez num espetáculo do Bando de Teatro Olodum. “Lembro de todos hipnotizados com a presença dela. O último encontro foi no hospital, quando fui me despedir”, completa. Ruth morreu em 2019, aos 98 anos.>
Lázaro, na verdade, foi mais do que ‘escritor fantasma’, foi parceiro. Colocou na sua escrita afetiva toques de ficção e, numa camada mais subjetiva, contextualiza o Brasil em cada época narrada. Uma das coisas mais bacanas do livro é perceber a força de vontade de Ruth. “Eu queria ser atriz desde menina. Todo dia eu dizia, ‘quero ser artista’. Mas também escutava uma voz que dizia: ‘Imagina ter artista preto. Só que minha mãe me disse que eu podia fazer tudo o que queria. É isso que eu guardo sempre dela. Com educação, postura e comportamento, as portas vão se abrir para você”, contou ao parceiro de escrita.>
Nascida no subúrbio do Rio, Ruth de Souza morou por alguns anos em Minas Gerais, mas voltou à capital carioca após a morte do pai. Começou a atuar no teatro muito jovem e com pouco mais de 20 anos entrou no Teatro Experimental do Negro, grupo que abriu caminho para artistas negros no Brasil. >
“Para compreendê-la, é fundamental ter em mente que ela foi uma pioneira, o que significa ter ocupado uma posição sem muitas referências. Ruth foi alguém que lutou pelo justo direito de pessoas negras terem seu espaço e de o povo poder ver a diversidade que o constitui representada nas artes”, afirma o autor>
“Examinar a vida da Ruth de Souza é uma oportunidade de entender um tanto a respeito desse tempo. Não só de percebermos quais amarras ainda existem em nosso país, mas também de enxergarmos vitórias, estratégias e sonhos. Ruth é exemplo de vida, um exemplo também na maneira com que aproveitou as oportunidades. Na minha opinião, foram menos do que ela merecia”, pondera Ramos. >
Misto de peça, memórias e tributo, A Rainha da rua Paissandu, reúne fotografias, ilustrações inéditas e farta pesquisa. Lázaro conduz o leitor no ritmo de uma conversa entre amigos. “Decidi adotar como caminho uma voz teatral, pois esse foi o alimento da nossa Ruth do começo ao fim. A cadência da voz, o modo como seu corpo se deslocava, sua maneira de olhar... Tudo nela fluía como uma obra de arte. E essa obra se desdobra no filme de uma vida que testemunhou de tudo”, explica.>
O livro também tem um pedacinho escrito por Tatiana Tibúrcio, Dani Ornellas e Taís Araújo, atrizes com quem Ruth tinha o hábito de encontrar para assistir cinema e conversar. “Elas falam sobre o que Ruth significa e o que ensina pra todos nós. Espero que esse livro seja mais uma contribuição para a valorização que ela tanto merece”, pontua Lázaro.>