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Tharsila Prates
Publicado em 26 de fevereiro de 2024 às 06:00
A religiosidade afro marcada em ferro, o colorido tribal, a mitologia de povos originários na cerâmica e a grandiosidade da fauna capturada em tela. Quatro artistas de imaginação fincada no Nordeste, diversos em sua técnica, norteiam a curadoria de 80 obras postas lado a lado, num só lugar. É o que se vê na exposição Cais, a primeira da nova galeria Galatea, na Rua Chile. >
O espaço abriu em janeiro último, no edifício Bráulio Xavier, entre os dois sofisticados hotéis na que é considerada a primeira rua do país. Por fora, já vale relembrar o icônico painel ‘A colonização do Brasil’, de Carybé, com suas 27 pranchas, que trazem, cada uma, a representação de orixás acompanhados de seus instrumentos e animais litúrgicos. A pintura sobre madeira que inspirou a obra – ‘Primeira Missa’ ou ‘Descobrimento’ – também pode ser vista em Cais.>
Ao chegar a este “porto”, o visitante recebe um mapa com informações básicas sobre as pinturas, esculturas e fotografias expostas. As obras não estão legendadas, portanto, é totalmente livre a interação, assim como é livre o percurso a ser feito. A reportagem, por exemplo, se deteve inicialmente na de número 22, ‘Peixes e Lua’, novíssimo quadro do cearense Bruno Novelli.>
Em um estudo mais detido, descobre-se que a mostra é constituída por quatro núcleos. Chico da Silva (1910-1985), acriano que moldou a sua arte em Fortaleza (CE), é o ponto de partida para as ‘Fantasias de Fauna e Flora’. No ano passado, a Pinacoteca de São Paulo apresentou um grande panorama da obra do artista, criador do ateliê de Pirambu, na periferia da capital cearense.>
Na Galatea, o visitante verá um grande quadro de onde sai uma mistura de dragão com chifres, circundado por dois robustos pássaros e cuja base é um tronco de árvore recortado ao meio. Nesse núcleo, há outros nomes consagrados, como Francisco Brennand, Genaro de Carvalho, Mário Cravo Jr. e ainda Mestre Dicinho, nome da Tropicália redescoberto aos 70 anos de idade. >
O jovem indígena Aislan Pankararu é o centro de ‘Geometrias indígenas e afro-brasileiras’. Sua mistura de tintas e cores, que evocam a riqueza visual e simbólica do povo Pankararu, encanta. De Petrolândia (PE), ele está posto entre grandes baianos reconhecidos internacionalmente, como Rubem Valentim e Emanoel Araújo.>
‘Máscaras expandidas’ traz o paraibano Miguel dos Santos e seus guerreiros prontos para a batalha. Nesse núcleo, não podia faltar a presença marcante do soteropolitano Jayme Figura, que morreu aos 64 anos, em novembro passado.>
Está lá uma espécie de elmo, sem título, que lembra o que era usado pelo próprio artista para ocultar o rosto. Jayme era um performer. A exposição permite ainda conhecer uma faceta recente dele: duas de suas pinturas que integram o próximo núcleo, ‘Representações da religiosidade e cultura afro-indígena e brasileira’.>
O eixo desse núcleo, no entanto, é o também baiano José Adário dos Santos, o Zé Diabo. Com uma oficina na Ladeira da Conceição da Praia, um dos maiores ferreiros de orixás em atividade tem seis trabalhos a serem apreciados na mostra. Um dos destaques é ‘Sete Catacumba’, produzido na década de 1990 e vista logo após um trabalho do pernambucano Tunga.>
José Adário inaugurou, com uma exposição individual, a Galatea em São Paulo, em 2022. Ele e os outros três artistas que fornecem elementos para cada conjunto de Cais são representados pela Galatea. “A ideia, ao abrir uma sede em Salvador, é utilizar o espaço para privilegiar esse olhar para o Nordeste e usá-lo como plataforma para esses artistas,” comenta Alana Silveira, diretora da galeria na capital baiana e curadora da exposição junto com Tomás Toledo, um dos sócios-fundadores da Galatea em São Paulo. >
Embora haja predominância de artistas homens, nomes femininos não podem ser negligenciados. São eles: Grauben do Monte Lima, Marlene de Almeida, Heloísa Juaçaba, Rebeca Carapiá, Isabela Seifarth, Ana Fraga, Nilda Neves, Edsoleda Santos e Elisa Martins da Silveira. >
Depois da obra de Chico da Silva, a de número 22, a outra que impressionou na sequência foi a de Carapiá, soteropolitana, formada em Artes pela Ufba. É uma instalação vertical, que parte do teto, com o sugestivo nome ‘Para o medo que vocês têm de se machucar’. Essa poesia, inclusive, está presente em outros trabalhos da baiana, como na exposição individual que realizou na galeria Leme (SP), em 2020, denominada ‘Como colocar ar nas palavras’.>
Aproveite. A exposição Cais fica em cartaz em Salvador, até 3 de maio, com entrada gratuita e mil outros detalhes.>
SERVIÇO>
Local: Rua Chile, n. 22, edifício Bráulio Xavier, no Centro Histórico>
Horário: Terça a quinta, das 10h às 19h; às sextas, das 10h às 18h; e aos sábados, das 11h às 15h.>