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Publicado em 19 de setembro de 2025 às 12:35
A trajetória da Vivendo do Ócio sempre foi a de quem se lança no mundo sem medo de se perder, porque sabe que o caminho de volta existe. Desde o primeiro álbum, Nem Sempre Tão Normal (2009), eles estabelecem essa relação com o espaço a que pertencem, em meio a letras sobre amores tortos, bebedeiras e confusões juvenis, havia uma pulsação que virou crônica de uma geração que viveu uma Salvador subterrânea e vibrante, que nunca deixou de ser o solo fértil da banda, mesmo distante de casa. >
Com quase duas décadas de estrada, a Vivendo do Ócio chega ao quinto álbum reafirmando o que sempre a destacou na cena: a capacidade de transformar experiências pessoais e coletivas em músicas que dialogam tanto com o íntimo quanto com o social. Hasta La Bahia é um disco curto, são apenas oito faixas, mas concentrado na mensagem: voltar para casa para recuperar algo que só encontramos em solo conhecido, não com um sentimento de repetição, mas de resgate. Produzido por André T, o álbum conta com participações de Martin Mendonça (guitarrista Pitty), Ronei Jorge, Jadsa, Nivaldo Brito e Ricardo Correia. ‘’A nossa música sempre refletiu o que nós somos e vivemos, amamos o nosso Estado, a nossa cidade e vamos sempre enaltecê-los no nosso trabalho, é bom demais ser baiano!’’, afirma o vocalista Jajá Cardoso. >
O tempo fez dessa relação com Salvador uma espécie de eixo da banda. O segundo álbum, O Pensamento é um Ímã (2012), trouxe a cidade como personagem, ponto de partida e de retorno, e foi ali que surgiu a música ‘’Nostalgia’’, clássico que traz um trecho do poema O Incriado, de Vinícius de Moraes e que une literatura e música em uma faixa que mistura o ímpeto de se lançar ao mundo com a saudade do que fica pra trás. Depois veio Selva Mundo (2015), quando os caminhos que os levaram para São Paulo se adensou. O som pesou, as letras se tornaram políticas e urgentes, mas, mesmo assim, Salvador está ali, seja na participação de Pepeu Gomes em ‘’Amor em construção’’ ou de forma mais direta, como na faixa ‘’Salva!’’.>
No disco homônimo, de 2020, atravessado pela pandemia e pela distância entre os integrantes, a leveza voltou como quem aprende a respirar de novo. Outros sons entraram no jogo, as narrativas se tornaram mais soltas, e a banda parecia, enfim, preparar-se para outro ciclo.>
Hasta La Bahia é o início desse novo capítulo. O título já revela: trata-se de um retorno, mas não de um retorno nostálgico. É a volta que se faz com consciência de quem percorreu estradas, foi longe e achou o caminho de volta pra casa. Cada faixa funciona como janela aberta para essa travessia, é também o primeiro trabalho com Gabriel Burgos na bateria.>
Baila Comigo abre como manifesto. Dançar com o tempo, aceitar os contratempos, reconhecer que cada passo tem valor, até o que parece incerto. Já em Hasta La Bahia, parceria com o poeta Nivaldo Brito, a canção se torna quase metáfora do álbum: A certeza de ter para onde retornar é o que impulsiona os maiores voos.>
Já ‘’Não Tem Nenhum Segredo’’, nascida de um sonho de Jajá Cardoso, mostra o quanto a banda sabe transformar acaso em destino, trazendo Ronei Jorge e Jadsa para somar numa das faixas mais marcantes. Mas o álbum também ri e se dissolve em uma brisa magnética e inesperada, ‘’Onda do Nepal’’, destaque do álbum, traz paixões e perdas costuradas com referências improváveis, da alquimia de Fullmetal Alchemist ao descontrole do rock mais dançante.>
Há reencontros com versões passadas, como em ‘’Se Me Deixar Eu Vou Lá’’, composta ainda na era O Pensamento É Um Imã que ganhou toques para a atualidade. ‘’Eu Ainda’’ é um sopro fresco que traz um indiezinho esperançoso mesmo em meio a um dia caótico. Quando a intensidade pede corpo, ‘’O Lobo da Estepe’’ aparece como catarse, herdeira direta de fases pesadas como Selva Mundo, a parceria com Martin Mendonça tem como referência o clássico alemão de mesmo nome, escrito por Hermann Hesse. E, no fim, ‘’Vai Voar’’ entrega uma canção de amor e despedida: cordas da Orquestra Sinfônica da Bahia conduzem uma reflexão sobre liberdade, lembrando que até a distância pode ser solo fértil para afeto.>
O resultado é um trabalho que condensa a trajetória da Vivendo do Ócio sem soar repetitivo. O uso de sintetizadores se integra de forma natural às guitarras de Jajá Cardoso e Davide Bori, ao baixo potente de Luca Bori e a bateria frenética e consistente de Gabriel Burgos. A Bahia se mantém como símbolo, mas não como prisão, as letras amadurecem sem perder frescor e brilham com os vocais compartilhados de Jajá e Luca. >
A beleza do disco está nesse equilíbrio: a meia hora do álbum desenha a travessia de uma banda que sabe quem foi, mas não se aprisiona no próprio passado. A Vivendo do Ócio volta para casa não para repousar, mas para se reinventar. O álbum é curto, direto, mas ecoa longe porque fala com a memória e com o agora ao mesmo tempo. Hoje, com o nome já fincado na cena alternativa, a banda chama atenção também pela sua longevidade, afinal manter o fôlego e ainda se manter relevante por quase 20 anos, não é tarefa fácil, sobre isso, o baixista Luca Bori comenta: ‘’Acreditamos que o mais importante foi nunca desistir, seguir fazendo a nossa arte, no nosso tempo e do jeito que a gente acredita, temos um trabalho consistente e nesses vinte anos apesar de ter momentos mais calmos, nunca demos uma pausa definitiva na banda, além de tudo temos um carinho muito grande pelos nossos fãs e somos muito conectados com eles, acho tudo isso contribui de forma direta pra manter essa chama viva’’.>
Mais do que retorno, o álbum é movimento. Se o passado mostrou que a Vivendo do Ócio não teme mudanças, o presente reafirma que raízes não pesam, servem de impulso.>