Entrevista: Jorge Cajazeira

‘O ESG virou uma panaceia para todos os males. Esta é a minha crítica’

Para o consultor empresarial, interesses de natureza econômica contaminaram discussões sobre sustentabilidade

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Publicado em 5 de maio de 2024 às 05:00

Jorge Cajazeira, consultor empresarial Crédito: Divulgação

Certa vez, Jorge Cajazeira se deparou com uma embalagem de brócolis que lhe levou a uma reflexão profunda. “Brócolis orgânico e ético”, lembra, aos risos. Para o baiano, este é um exemplo de como o ESG ganhou corpo no mercado e, ao mesmo tempo, demonstra como o assunto se desvirtuou. As políticas de ESG (que propõem uma agenda de responsabilidades ambientais, sociais e de gestão às empresas) estão muito longe de serem suficientes para promover a sustentabilidade, acredita. Primeiro brasileiro a presidir um comitê internacional na ISO e líder na criação da ISO 26000, que norteia a certificação de empresas no mundo inteiro na área da responsabilidade social, ele diz que o ESG tem uma atuação limitada. “É uma importante ferramenta para diagnóstico, mas precisa avançar na promoção de medidas mais efetivas”, acredita. “A partir dos grandes acidentes ambientais, como Chernobyl e Exxon Valdez nos anos 80 e 90, houve de fato uma preocupação internacional em relação ao meio ambiente, que culmina na Rio 92, vêm as cartas da ONU e tudo isso traz a preocupação com a governança ambiental para o centro dos debates”, lembra. Segundo ele, apesar da importância dos temas relacionados às responsabilidades, não se deve esquecer que há sempre muitos interesses econômicos envolvidos. “O ESG, que é a última onda, que tem o mérito de levantar a discussão, virou uma panaceia para todos os males. Esta é a minha crítica. Eu acho que houve uma desvirtuação de conceitos importantíssimos, como desenvolvimento sustentável, responsabilidade social e prevenção da poluição”, critica.

Quem é

Jorge Cajazeira é formado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e possui mestrado e doutorado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Trabalhou por 30 anos na Suzano Papel e Celulose, onde exerceu a função de diretor de Assuntos Institucionais e Certificações. Implantou a gestão para a qualidade na Argentina, Estados Unidos, Suíça e China e foi o primeiro brasileiro a presidir um comitê internacional na ISO, liderando a criação da norma ISO 26000 – Responsabilidade Social. Além disso, participou do subcomitê 01 da série de normas 14000, voltadas para a gestão ambiental. Desde 2021, é um dos co-chairs do ISO TMB SAG/ESG – grupo estratégico que visa nortear os caminhos da ISO no ESG. Hoje, responde pela articulação internacional da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), com foco na estratégia de defesa dos interesses brasileiros na ISO. É professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), aprovado em concurso público. Além disso, atua como Consultor em empresas do segmento de mineração e agronegócio, sempre com foco na sustentabilidade e na gestão do relacionamento institucional. É vice-presidente do Conselho de Sustentabilidade da FIEB, membro do Conselho Estadual de Meio Ambiente do Estado da Bahia (CEPRAM) e da Academia Brasileira da Qualidade. Jorge também é colunista do CORREIO onde escreve mensalmente, na edição especial de fim de semana.

Como você ingressou no universo da sustentabilidade?

Eu era engenheiro da qualidade na Suzano, que na época ainda se chamava Bahia Sul, em Mucuri. Por conta de uma série de eventos, eu estava em um curso na Inglaterra e tomei conhecimento de uma norma chamada BS 7750, que era uma adaptação da ISO 9000 para o meio ambiente. Eu trouxe aquilo para a empresa e a direção achou que a gente poderia implantar. A Bahia Sul tinha, assim como a Suzano ainda tem, um desempenho ambiental muito bom. Naquela época, a fábrica tinha um dos três melhores desempenhos ambientais do mundo. Nós implantamos a norma e ela virou a ISO 14000. Rapidamente, uma empresa no interior da Bahia ficou conhecida mundialmente por ter sido a primeira do mundo, junto com mais duas empresas na Europa, a ser certificada com essa norma. ‘Como é que pode, uma empresa baiana, pequena em relação às grandes corporações, alcançar um feito destes? A partir daí, eu comecei a me relacionar com a área florestal e a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) me convidou para representar o Brasil nas discussões da ISO. Posteriormente, fiz meu mestrado e doutorado nesta área. Desde que saí da Suzano, aposentado, depois de 30 anos de empresa, sigo na área como consultor e como pesquisador. Além disso, continuo trabalhando como assessor internacional da ABNT e sigo representando o Brasil em situações que envolvem o comércio e o meio ambiente.

Você acompanhou diversos momentos destas discussões. Quais foram as maiores transformações que você viu neste período?

Essas questões avançam em ciclos. A partir dos grandes acidentes ambientais, como Chernobyl e Exxon Valdez nos anos 80 e 90, houve de fato uma preocupação internacional em relação ao meio ambiente, que culmina na Rio 92, vêm as cartas da ONU e tudo isso traz a preocupação com a governança ambiental para o centro dos debates. É claro que tudo isso vai impactando as relações comerciais, mercados mais rigorosos, como o europeu, passam a exigir uma série de certificações e essa preocupação acaba chegando nas organizações. Veja, isso é extremamente positivo, mas, por outro lado, estes conceitos vão ficando cada vez mais sofisticados e tornam a situação complexa. Vou pegar como exemplo a ideia de responsabilidade social, porque presidi um comitê na ISO no começo do Século XXI. Este conceito diz o seguinte: ‘é preciso ter um relacionamento ético com os seus públicos de interesse’. Não estamos falando apenas dos clientes e fornecedores, mas de governos e, de algum modo, com o conjunto da sociedade. Há um compromisso assumido e aí se vê situações como a Lava Jato, em que empresas campeãs em responsabilidade social foram expostas judicialmente. Não vamos entrar com mais profundidade na discussão, mas o fato é que bilhões de reais foram devolvidos. Meio ambiente é um outro conceito muito bonito, de que o que hoje existe precisa ser deixado para os nossos filhos. É difícil de cumprir. Aí temos as ameaças das mudanças climáticas e claro que, apesar das preocupações legítimas, têm muito interesse econômico envolvido. Então, surge uma nova onda, mais recente, que vem do mercado financeiro e diz que se você quiser um dinheirinho da Europa e dos bancos americanos, ou mesmo na B3, é preciso apresentar os indicadores de governança, ambientais e sociais. Sinceramente, ficou mais fácil porque eu mostro os indicadores, mas não digo o que eu faço efetivamente. O ESG, que é a última onda, que tem o mérito de levantar a discussão, virou uma panaceia para todos os males. Esta é a minha crítica. Eu acho que houve uma desvirtuação de conceitos importantíssimos, como desenvolvimento sustentável, responsabilidade social e prevenção da poluição. Virou uma balela, em muitos casos. Não estou dizendo que todas as empresas fazem isso, mas tem muita lavagem verde (greenwash, em inglês, o que indica um processo de maquiagem da realidade), lavagem social. Tem até declarações ambientais falsas. E maluquices como o brócolis ético e orgânico.

Você enxerga um caminho para tornar a agenda ESG efetiva na promoção da sustentabilidade?

É preciso associar a agenda ESG, que basicamente é a produção de relatórios sobre o que se emite disso e o que se gera daquilo, a planos para melhorias. Estes relatórios precisam ser vinculados a uma série de ações. Vou te dar um exemplo, não adianta pintar uma máquina agrícola de cor de rosa, se não está fazendo a integração de minorias na sua gestão. É preciso ter práticas que insiram de verdade as minorias. Isso passa pelos processos de seleção. Por exemplo, é possível selecionar alguém sem ver a pessoa, o que precisa ser analisado é o currículo. É importante se basear nas informações. Mas este processo não é simples de ser implantado. Existem caminhos, mas o que me deixa triste é o discurso vazio, ou o uso do alarmismo para vender produtos de tecnologia.

Como assim?

Vou te dar um exemplo, se você assistir o filme do Al Gore, Uma verdade inconveniente, vai ver que o documentário dizia que Manhattan e toda a costa da Califórnia estaria hoje debaixo d'água se o aquecimento continuasse naquela escala.

Estaria atualmente?

Há uns dez anos que estaria submersa. Curiosamente, este filme, que ganhou Oscar de melhor documentário, que levou Al Gore ao Prêmio Nobel da Paz, teve um efeito econômico impressionante, fazendo os preços das casas na costa da Califórnia baixarem. E o Al Gore comprou uma casa onde disse que iria inundar. Eu acho que este tipo de atitudes favorece a descrença, porque é um discurso vazio.

Como a gente consegue encontrar informação confiável em relação a esta temática?

Você precisa ler os dois lados. Existem argumentos muito fortes de que o aquecimento global realmente está levando o mundo à bancarrota, mas tem os que falam, de maneira muito forte também, que o aquecimento do planeta é sazonal e tem relação com a aproximação do sol. Por exemplo, a questão da descarbonização é algo muito legal. A produção de energia limpa gera oportunidades enormes para o Brasil, com energia eólica e solar, por exemplo. O problema é que as normas que estão sendo lançadas agora sobre descarbonização estão trazendo a possibilidade de retirar da lista os processos de compensação da carga de carbono. Está se discutindo a possibilidade de trocar a tecnologia, o que só favorece a quem vende os equipamentos e entra uma ação comercial que prejudica o debate legítimo. A gente precisa buscar informação nos conteúdos científicos, mas é importante ouvir todos os lados.

Você já conseguiu se posicionar em algum dos lados?

Essa é uma questão difícil. Eu acho que existem ameaças reais. Ninguém discorda que a temperatura está subindo, o que se discute é se a causa é o homem e a emissão de CO² ou outro motivo. Eu acho que a preservação de florestas, acabar com a emissão de plástico no mar são iniciativas positivas. Agora, quando você vem com a ideia de substituir todos os aparelhos de ar condicionado do mundo que utilizavam o CFC por um outro gás e depois descobre que ele também afeta, quando já está perto de se quebrar a patente, me parece que há interesses comerciais neste assunto. Temos que ter muito cuidado em dosar estas coisas, principalmente em relação a medidas que prejudicam países que ainda estão no caminho do desenvolvimento. Quando você impõe tecnologias mais caras, você está colocando barreiras para uma série de nações, inclusive o Brasil. Quem tem que reduzir é quem poluiu, são os Estados Unidos, os chineses e os países europeus. Olha o que está acontecendo nos Estados Unidos, o Joe Biden (presidente) realmente está investindo na redução do consumo de carvão e outros combustíveis que não são limpos, mas o que acontece é que o custo da energia aumenta uma barbaridade. O americano consegue pagar isso, mas você vai impor este custo ao Brasil e aos países mais pobres?

Uma coisa que gerou muita discussão foi a possibilidade de exclusão da agricultura do mercado de compensação de carbono. Como você está vendo as discussões sobre o marco legal do carbono?

O agro tem levado muitas pancadas, algumas bastante expressivas, entretanto, 10% da população mundial passa fome e não se vai conseguir matar a fome de quase um bilhão de pessoas sem uma agricultura em larga escala. O mundo precisa das técnicas mais modernas para gerar produtividade, mas essa forma de produção, algumas vezes, é acusada de ser ambientalmente insegura. Para mim, isto é um tiro no pé. Não se pode ignorar que uma plantação tem fixação de carbono, que as máquinas agrícolas podem ser movidas por diversas fontes de energia diferentes. No caso do setor em que eu trabalhei a vida inteira, de papel e celulose, as ONGs falavam de desertos verdes, mas hoje se reconhece o papel que as florestas exercem na fixação do carbono, especialmente quando está crescendo. Essa exclusão é preocupante porque afeta quem pode contribuir para matar a fome do mundo.

Por que o setor é visto de maneira tão negativa?

Até nos filmes, os vilões sempre são as organizações, tem um filme de 007 em que o vilão queria sequestrar a água do mundo. O empresário e as empresas são sempre retratados como poluidores, as empresas querem criar monstros genéticos. Tudo de ruim na ficção é culpa dos empresários. Veja, eu não acho que eles sejam santinhos, trabalhei 30 anos no mundo dos negócios e sei que em qualquer lugar do mundo, o dinheiro fala mais alto. É uma fama que atinge a todos, infelizmente, mas que não é justa. Nos Estados Unidos, você tem grandes heróis da história que foram empresários, como o David Rockefeller e Henry Ford, que são quase tratados como santos. Curiosamente, no Brasil, nós não temos essa percepção, não consigo me lembrar de nenhum que tenha uma fama lendária. A gente só tem mesmo mitos esportivos, Pelé e Airton Senna. Não temos mitos em outras áreas. Tem sempre uma desconfiança cultural, que é parcialmente incentivada pela ficção. Eu lembro que teve uma novela que se passava numa fábrica de papel – a reprise passou há pouco tempo. Na época, negociei, via o Ibá, para que a história se passasse numa fábrica de papel real, mostrando a cultura do eucalipto. Para minha surpresa, na novela, o vilão era justamente o dono da fábrica e o cara do sindicato era o mocinho. Enfim, esta é uma percepção muito forte.

Quais são os maiores desafios para quem busca uma atuação sustentável hoje?

Nós temos uma legislação bastante rigorosa, o que é muito positivo. Você não consegue fazer um empreendimento sem discussão com a sociedade. Aqui na Bahia, temos um debate muito democrático no Cepram. A maior dificuldade das empresas é conseguir a adequação legal.

CORREIO e Alô Alô promovem fórum dias 22 e 23 de maio

O principal evento de ESG do Nordeste será promovido entre os dias 22 e 23 de maio, em Salvador. Produzido pelo CORREIO e Alô Alô Bahia, a terceira edição do Fórum Salvador promoverá palestras e painéis; e terá estandes sobre assuntos relacionados com a preocupação dos setores empresarial e financeiro com a preservação ambiental, responsabilidade social e processos de governança