'Ser sustentável e investir em impacto positivo tem um custo'

Para Leana Mattei, cabe ao Poder Público incentivar as práticas positivas

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  • Donaldson Gomes

Publicado em 15 de maio de 2024 às 05:00

Leana Mattei, diretora da Aganju Crédito: Divulgação/Aganju

O Poder Público tem um papel na evolução da agenda ESG e no fomento a uma atuação mais sustentável por parte das empresas, acredita Leana Mattei é diretora da Aganju, cofundadora do Best2All e sócia-investidora da Incentiv. Para ela, o incentivo à uma atuação mais ética e responsável passa tanto pela punição das más práticas, quanto pelo reforço positivo aos que conseguem ter uma atuação positiva social e ambientalmente. Leana Mattei será uma das palestrantes do III Fórum ESG, que será promovido pelo CORREIO e o Alô Alô Bahia, nos dias 22 e 23 deste mês, no Porto de Salvador.

Quem é

Leana Mattei é diretora da Aganju, cofundadora do Best2All e sócia-investidora da Incentiv. É palestrante, TedX Speaker, comunicadora e escritora do livro "A estrada vai além do que se vê", sobre impacto social em obras de infraestrutura. É mestra em Desenvolvimento e Gestão Social pela UFBA, tem MBA em Sustentabilidade e Responsabilidade Social pela UNIFACS, formação em Mensuração de Impacto Social pelo Insper e Mediação de Conflitos e Metodologia do Ensino Superior pela UFBA, e graduação em Comunicação e Relações Públicas pela UNEB.

Qual é o papel dos governos no fomento da agenda ESG?

Eu acho que o papel dos governos é de um catalizador das mudanças. A gente ESG, do impacto social e da sustentabilidade, de maneira até equivocada, sempre foi abraçada apenas pelas organizações do terceiro setor e por muito poucos políticos. Era algo visto como uma pauta partidária. Mas eu acredito que os governos possuem, pelo menos três papeis. O primeiro deles é de dar ordem, com legislação e políticas públicas que tragam para o centro do debate não apenas o desenvolvimento econômico, mas o desenvolvimento humano e sustentável. Outro papel do Poder Público é o de dar exemplo, de entender que a agenda ESG se confunde com a agenda pública, só que com outro nome. Hoje eu percebo que temos muitos avanços e nem entro em discussões do tipo ‘ah, o ESG vai acabar’. Isso é perda de tempo, o que poderá acontecer é uma transformação natural dos conceitos. A sociedade é dinâmica e no futuro as necessidades socioambientais serão outras. Talvez, mais adiante atuar com compromissos éticos em relação às suas gestões, ao meio ambiente e ao social vai deixar de ser um diferencial porque todo mundo vai atuar assim. O Estado tem a possibilidade de atuar pelo exemplo. Tem também a possibilidade de garantir que todos setores sociais possam fazer parte desta engrenagem com seus direitos e deveres muito bem estabelecidos. Eu também entendo que é papel do Poder Público a fiscalização. Eu fiz uma parte do meu mestrado na Inglaterra e estudei mobilidade de trânsito e a relação com o desenvolvimento humano. Eles têm uma legislação super rica. Para eles, a política pública se baseia em três ‘Es’, da estrutura, educação e do Enforcement (fiscalização). Então, precisamos ter uma estrutura adequada, ter meios de regulação. Depois a educação, que passa por dar às pessoas ferramentas de conhecimento, canais de comunicação. E por último, a fiscalização, que passa pela capacidade do Poder Público fazer cumprir aquilo que é definido.

Como você avalia os desafios regulatórios que a gente tem?

Eu acho que o principal desafio que a gente tem hoje na regulamentação da agenda ESG é a unificação, um processo de parametrização. Pode parecer contraditório, mas com o boom da temática, todo mundo está disputando o seu espaço de protagonismo e todos os dias surge um selo novo, uma associação, um curso ou um especialista. O ESG virou o novo etcetera, que responde tudo. É sério, lembra quando a gente passava pelas lojas da Baixa dos Sapateiros e os vendedores ficavam nas portas oferecendo de tudo? Isso e muito mais é o que virou o ESG. Eu acho que precisa haver uma quebra dessa competitividade em relação às normas. Precisamos ter um parâmetro unificado porque é isso que vai nos dar a possibilidade de uma base comparativa entre as empresas. E isso vai trazer uma economia de tempo. Muitas vezes, uma mesma empresa precisa responder até cinco tipos de relatórios diferentes. Ter que prestar contas em muitas certificações diferentes não é algo inteligente. Outro desafio está na confiabilidade dos dados. Precisamos evoluir na confiabilidade das informações passadas. Acho que já temos um avanço muito grande, inclusive com ferramentas de inteligência artificial. Olha, o Poder Público sozinho não vai dar conta de tudo. Se uma empresa diz que destinou recursos para uma cooperativa, por exemplo, em tempo real é preciso ter a confirmação de quem recebeu.

A solução para isso passa por iniciativas públicas, ou o próprio mercado vai se regular?

Eu acredito que a gente precisa vencer os nossos egos em relação à exclusividade. Existem diversos programas. Sei que não parece, mas tenho 25 anos de atuação na área socioambiental. Na época, o primeiro contato que eu tive com relatórios de sustentabilidade foram os indicadores do Instituto Ethos. Era uma ferramenta de gestão que classificava você por estágios, era maravilhoso. O que aconteceu? Hoje, você tem várias ferramentas, como GRI Internacional, cê tem o Sesb, a ABNT e muitos outros. É preciso ter clareza em relação à necessidade de responder este ou aquele. Se não, vamos perder dinheiro e energia reportando repetitivamente a informação. Acho difícil ter só uma parametrização ou uma certificação. Eu não acho que faltem os instrumentos, mas acredito na necessidade de uma clareza em relação aos meios que melhor atendem. Você encontra conceitos como ‘empresa amiga da criança’, ou ‘amiga do meio ambiente’ e a pergunta é, fez o que para ter esse reconhecimento? Abraçou uma criança, abraçou uma árvore? Para se dizer amiga do meio ambiente é preciso comprovar que está de acordo com toda a legislação ambiental, executa o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, tenha uma ecoeficiência de xis por cento. Nesta infinidade de discursos, é preciso garantir que estamos falando sobre algo verdadeiro. Até papagaio fala. Tem que ser, parecer que é e provar que é, se não essa agenda tão importante vai se tornar um filtro de Instagram.

Como é que o Poder Público pode fomentar a agenda ESG e as boas práticas de sustentabilidade?

A gente pode classificar as ações humanas, a partir da terapia cognitiva-comportamental, com dois tipos de reforços e estímulos. Tem o negativo e o positivo. Isso vale para empresas, para seres humanos e funciona com cães também. É aquela coisa, ou a gente aprende no amor, ou pelo amor. Não sei se você lembra como foi o processo para obrigar as pessoas a usarem os cintos de segurança, que por muito tempo nem eram itens obrigatórios. Houve o processo de educação, com blitzes, etc, e chegou um momento em que se começou a punir financeiramente e com pontos na carteira. Se fizermos um paralelo, precisamos ter tanto políticas de fiscalização para o cumprimento do mínimo legal nas esferas ambientais e pautas sociais, com respeito às condições de trabalho, diversidade e equidade. Muitas vezes é importante tornar pública a informação de quem descumpre, como é o caso da lista de quem utiliza trabalho escravo, por exemplo. Eu faço parte de uma rede nacional de combate ao trabalho escravo, chamada Impacto, que tem como objetivo fomentar as boas práticas, mas também expor a lista suja, porque o consumidor tem o direito de escolher não comprar de quem usa trabalho escravo, assim como outras empresas. Por outro lado, temos o reforço positivo. Acho que cabe ao Poder Público dar visibilidade às boas práticas. Eu sou a favor de benefícios fiscais para que as empresas que vão além do cumprimento de suas obrigações. Não acredito que devamos premiar quem cumpre a lei, isso é obrigação. Mas para quem vai além do mínimo, incentivos, reconhecimentos públicos são iniciativas positivas. É uma forma de fomentar. Ser sustentável e investir em impacto positivo tem um custo.

O III ESG Fórum Salvador é um projeto realizado pelo Jornal Correio e Site Alô Alô Bahia com o patrocínio da Acelen, Alba Seguradora, Bracell, Contermas, Grupo Luiz Mendonça - Bravo Caminhões e Ônibus e AuraBrasil, Instituto Mandarina, Jacobina Mineração - Pan American Silver, Moura Dubeux, OR, Salvador Bahia Airport, Suzano, Tronox e Unipar; apoio da BYD | Parvi, Claro, Larco Petróleo, Salvador Shopping, SESC, SENAC e Wilson Sons; apoio institucional do Sebrae e Prefeitura Municipal de Salvador e parceria do Fera Palace, Hiperideal, Hike, Ticket Maker, Uranus2, Vini Figueira Gastronomia e Zum Brazil Eventos.