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Donaldson Gomes
Publicado em 23 de maio de 2025 às 05:00
O uso responsável dos recursos naturais e o investimento no desenvolvimento de pessoas são ótimas estratégias de negócios. Quem diz isso é o baiano Agenor Leão, que sabe exatamente do que está falando. Na Natura desde 2012, o executivo que hoje é vice-presidente da empresa e da Avon conta como é uma atuação responsável se tornou fonte de receitas para um dos principais grupos empresariais do Brasil. Leão, que será um dos palestrantes da quarta edição do ESG Fórum Bahia, nos dias 3 e 4 de junho, explica que mais do que boas práticas, ou caridade, a agenda ESG se tornou um diferencial competitivo para a gigante brasileira do mercado de cosméticos e perfumaria antes mesmo que a sigla tivesse entrado na moda. Nesta conversa exclusiva, ele fala sobre sustentabilidade, inovação e sobre o futuro do mercado de cosméticos. >
Quem é>
Agenor Leão é vice-presidente de Negócios da Natura e Avon no Brasil. Na Natura desde 2012, Agenor já liderou áreas de transformação digital, tecnologia da informação e inovação em modelos de negócio, além de ter comandado as operações da empresa nos países hispânicos. Em 2022, assumiu a vice-presidência de Negócios no Brasil. Baiano, com raízes em Santa Bárbara (BA), o executivo é formado em Processamento de Dados pela UFBA, com MBA em Gestão (FGV), pós-graduação em Gestão Estratégica de Pessoas (FEA-USP) e formação internacional no IESE Business School, na Espanha. Antes da Natura, construiu carreira no setor de tecnologia e telecomunicações.>
Qual é a importância da Bahia para a Avon e a Natura?>
O mercado nordestino de cosméticos é muito importante para a gente, especialmente em perfumaria. A Natura tem uma liderança absoluta na presença em lares com perfumaria e o Nordeste, de forma isolada, tem um destaque muito grande. Se fosse um país, seria um grande país. Eu acredito que não existe mercado de cosméticos e perfumaria no Brasil sem olhar para o Nordeste, até por hábitos de consumo e frequência de uso, que é maior do que a média do Brasil. Por outro lado, a gente tem um modelo de negócios que passa pela busca de um olhar diferente. Um destes olhares é sobre a rede das consultoras. Há mais de 10 anos, a gente mede o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da rede de consultoras, o que é uma coisa super inovadora. É inspirado no IDH da ONU (Organização das Nações Unidas), com um olhar direcionado a quem empreende conosco. A gente queria avaliar se as pessoas que empreendem conosco melhoram o seu IDH ao longo do tempo. E a gente conseguiu provar isso e essa é uma medida de inovação muito grande, porque através da medida do IDH, a gente consegue identificar potenciais oportunidades para o crescimento do negócio. Eu te dou um exemplo, em um determinado momento, a gente olhou para os números e viu que a inclusão financeira era um desafio para a rede. Com base nisso, criamos um negócio financeiro para as consultoras e oferecemos uma fintech, que é o Emana Pay, que é um negócio registrado no Banco Central, exclusivo para ajudar as consultoras a gerenciarem as suas finanças, baseado em educação financeira. Nosso negócio é um negócio de microcrédito porque as pessoas chegam e eu ofereço um crédito inicial para elas venderem cosméticos. A gente mede cada dois anos e vimos o avanço nesta área da educação e inclusão financeira. Do mesmo modo, em 2022, a gente viu que as consultoras negras cresciam menos que as brancas e este é um público muito importante para a gente, metade da população brasileira e na rede de consultoras isso se reflete da mesma forma. Salvador teve um papel muito importante para a gente nisso, realizamos um trabalho muito aprofundado sobre este público, dada a participação da população ainda mais importante que no recorte do Brasil. A gente trabalhou tanto para entender essas mulheres, quanto no desenvolvimento de uma linha de produtos para peles pretas e pardas, que atendam a necessidades específicas. A gente trouxe um perfumista internacional, um dos poucos negros, Jerry Padoly, para fazer uma pesquisa de campo em Salvador. Além disso, fizemos um programa piloto, olhando para o desenvolvimento das consultoras negras e na medida deste ano, vimos um aumento no IDH das consultoras negras muito importante. >
Aproveitando que você trouxe as consultoras para a conversa, como vocês tem feito para equilibrar os interesses delas com o das lojas e do e-commerce? Tem algum jeito de todo mundo ficar feliz?>
A primeira coisa é o olhar sobre o consumidor, uma empresa de consumo, que tem liderança em share na maioria das categorias que opera, o mais importante é olhar para as necessidades dos consumidores, este é olhar que a gente traz quando faz a escolha de entrar em outros canais. O consumidor demanda diferentes experiências de compras, não dá para a gente ficar oferecendo uma única experiência. Nós temos mais de mil lojas no Brasil, entre próprias e franqueadas, temos um negócio de e-commerce bastante representativo também, tanto próprio quanto nos marketplaces. Tudo isso nos dá a possibilidade de atender as mais diversas experiências de compras que as pessoas demandam. O consumidor é cada vez mais multicanal. Mas tem uma coisa bastante interessante, quando fomos começar a expansão para os outros canais, estudamos o que acontece com as consultoras no entorno da loja. Nós beneficiamos estas consultoras, porque o negócio delas é o que chamamos de vendas por relação estabelecida. No final, quando entramos com um portfólio de lojas, a venda direta também cresce, tudo melhora, a nossa marca se fortalece e o negócio se expande. A gente também oferece para as consultoras a possibilidade de entrarem em nossos canais. Parte dos nossos franqueados foram consultoras. No nosso e-commerce, oferecemos, desde 2012, a possibilidade delas venderem através do digital com uma loja do que a gente chama de social commerce, que hoje é super comum, mas antes não era. Elas também podem operar e atender os clientes dela no digital. Essa mesma busca por inovação nos levou ao TikTok Commerce, dentro da rede social. O primeiro passo que nós demos foi o de formar nossas consultoras para o uso da plataforma. Um dado muito interessante é que o investimento em mídia que nós fazemos parte e volta para a consultora. Com isso, nós damos a oportunidade das consultoras venderem através do TikTok com todo o suporte da Natura. De vendas por redes sociais, a gente entende desde antes delas existirem. >
Uma das coisas que se diz em relação à geração TikTok é que a turma não consome. Como está sendo a experiência de vocês?>
Os dados do Brasil são muito preliminares, tem pouco mais de uma semana que a gente entrou, então estamos experimentando junto com eles. Mas os dados que vemos em outros países é de um crescimento muito grande nas vendas, porque é uma venda diferente da ocasião de compra em que se entra em um marketplace com o interesse exclusivo de compra. Aqui você compra dentro do entretenimento. E nós temos visto o impacto dos influencers nas vendas nas áreas de beleza e moda. Existem experiências muito interessantes aqui, esta marca foi construída por quem usa, se apaixona pela marca e divulga no seu ciclo de amizade. Esse ciclo de amizades acontece hoje dentro das redes sociais. A gente tem alguns fenômenos, em 2022, uma menina no interior de Minas Gerais fez um post falando de um perfume nosso. No nosso monitoramento, percebemos que houve um aumento no volume de vendas deste perfume, de forma que se tornou um dos mais vendidos nas lojas, e-commerce e na demanda das consultoras. Fomos entender e era um vídeo comentando sobre o perfume. Estabelecemos uma relação com ela e se tornou uma parceira nossa. >
Vocês são reconhecidos pelo uso responsável da biodiversidade brasileira e também nas relações sociais. Este diferencial é percebido e valorizado pelos consumidores, ou ainda estamos num processo de amadurecimento?>
Existe cada vez mais uma valorização do consumo consciente. A Natura tem um modelo de negócios que vai além de usar ingredientes da biodiversidade, nós construímos um negócio através dos insumos amazônicos principalmente. Isso foi desenvolvido há 20 anos com a linha Ekos e hoje temos mais de 10 mil famílias que trabalham conosco, que preservam mais de 2 milhões de hectares na Amazônia, graças a um modelo de negócio sustentável, em que conseguimos mostrar para as pessoas que a floresta em pé vale mais do que a atividade predatória. Hoje a gente paga pela compra dos produtos, pelo uso do conhecimento tradicional deles no uso deste produtos e até por serviços ambientais, pela preservação, crédito de carbono e tudo isso. Somos carbono neutro desde 2007. Nós fazemos isso como o nosso instrumento de inovação. Somos reconhecidos aqui e fora do Brasil, temos consciência da importância deste trabalho e dos negócios que geramos com isso. Temos resultados efetivos. Esta é a nossa forma de fazer negócios e inovar. A gente consegue mensurar o nosso impacto em toda a cadeia. Cada vez mais, vemos os consumidores interessados e conscientes em relação a isso. Uma coisa que não falamos tanto é que boa parte da nossa perfumaria se baseia em produtos da biodiversidade brasileira. >
Neste sentido, a agenda ESG demanda uma cadeia de responsabilidade que envolve desde fornecedores ao pós-consumo. Como vocês encaram estes desafios?>
A gente vem ao longo do tempo trabalhando a conscientização, isso é histórico. Construímos uma aliança com nossos fornecedores e eles têm prioridade quando se engajam no processo da sustentabilidade. A gente mensura toda a nossa cadeia de impacto e isto está dentro de uma visão que estabelecemos numa visão 20-50. Existe um engajamento muito grande. Nós fomos a primeira empresa de capital aberto a aderir ao Sistema B (que certifica a atuação responsável das empresas) e vários dos nossos fornecedores aderiram também, inclusive na área de transporte, que aderiram para trabalhar conosco. Um dos nossos propósitos é mobilizar cada vez mais parceiros. Quando falamos do pós-consumo, somos inovadores no lançamento de produtos com refil, temos este olhar e fazemos coletas em todas as nossas lojas. Mais do que isso, trabalhamos em inovações como o hidratante concentrado de castanha em que o consumidor consegue adicionar água em casa e chegar ao produto final lá, consumindo menos com transporte. É bom para a cadeia inteira. >
Olhando o cenário de maneira mais ampla, você avalia algum risco para o avanço da agenda ESG com movimentos ambíguos do poder público e de algumas grandes empresas?>
Como companhia, nós estamos além da sustentabilidade, hoje falamos sobre regeneração, porque a necessidade é de corrigir os danos. Acreditamos nisso firmemente e fizemos um manifesto recentemente para mostrar que não vamos retroagir em nenhum dos princípios que a gente estabeleceu. São princípios fundadores da empresa. Gera mais negócio e temos evidências muito claras disso. >
Não tem nada de caridade. >
Longe disso, é geração de negócio. Quando eu olho para o público que preciso atender, isso fica claro. As empresas mais diversas são mais inovadoras. Acreditamos firmemente que este é o caminho, até porque estão ficando cada vez mais evidentes os impactos que enfrentamos na prática. Temos secas na Amazônia, onde nossas comunidades são afetadas, enchentes no Rio Grande do Sul, que também afetam nossos negócios, nossas consultoras. A gente está vivendo esta situação e é por isso que defendendo a responsabilidade das empresas. Já fomos a público dizer que não vamos retroceder. >
Você está à frente de duas marcas com histórias e perfis distintos. Quais são as sinergias entre Natura e Avon? Quais são os próximos passos da integração?>
A Avon inventou o que a gente chama de vendas por relações no mundo. Quando as mulheres sequer votavam, ela construiu um modelo de negócio de empoderamento feminino. A Natura replicou este modelo há 50 anos, quando a gente entrou na venda direta, acreditando neste poder de transformação. Tem muita sinergia. Do ponto de vista do atendimento ao consumidor, são marcas muito complementares. É o que estamos experimentando desde que fizemos a junção das duas operações. A gente amplia a oferta de valor e as possibilidades das consultoras de chegarem a mais lares e mais consumidores. E nós trabalhamos para que as duas marcas se tornem cada vez mais complementares, olhando para as pessoas e entendendo as suas necessidades. Foi o que experimentamos após a junção das duas marcas. Nós vimos que as consultoras tiveram um aumento de renda após a junção. Foi um sucesso essa combinação, são marcas complementares para o consumidor. A gente amplia a oferta de valor e a possibilidade de a consultora chegar a mais lares. Estamos estruturando o negócio para que as marcas sejam cada vez mais complementares. Por isso que a gente experimentou um incremento muito grande na produtividade e o que é isso? É o quanto cada consultora ganha efetivamente. >
Estamos falando de uma espécie de Ambev da perfumaria?>
Eu não gostaria de atribuir deste jeito, mas tem uma sinergia muito grande no modelo de operação e a gente vem conduzindo com bastante sucesso as duas ofertas de valor. >
Você tem uma vivência grande com tecnologias digitais. Quais são os desafios para trazer essas ferramentas em linha com os propósitos das empresas? >
Eu sou um profissional de tecnologia por origem. Estudei processamento de dados na Universidade Federal da Bahia na década de 90, quando se falava que era a profissão do futuro. E continua sendo. Isso acabou me trazendo para este negócio, que é uma atividade que se digitalizou profundamente. Eu vim para a Natura pelo desafio de digitalizar a rede. Fomos ao longo do tempo ampliando as ações, desde o aplicativo em que as consultoras interagem com a gente. Mais de 80% de nossa rede hoje vende pelas redes sociais e o Whatsapp, que é o grande instrumento de contato. A gente dá suporte a elas nesta jornada. Eu costumo dizer que não fui eu quem migrou para o negócio, foi ele quem se digitalizou a ponto de eu ter essa possibilidade de liderar ele. Hoje nós operamos com o suporte da tecnologia. O digital é a veia de ligação entre os canais e os negócios. A velha revista de papel hoje está em formato digital e o consumidor olha e devolve para ela, ou a consultora já manda um link de compra. Este processo foi de muito aprendizado. Para você ter ideia, houve um momento em que tivemos que fazer um chip de celular para que pudessem acessar a internet porque nem todas tinham internet móvel. Hoje se democratizou, mas já foi uma barreira. Digitalização é algo que a gente mede no IDH, porque além de abrir portas para o negócio, é importante para a educação. Nós temos uma linha de produtos que é talvez o maior instrumento de crowdfunding, de captação de recursos por mobilização social, que é revertido em prol da educação pública, mas também para as consultoras. >
O IV ESG Fórum BAHIA é um projeto realizado pelo Correio, com patrocínio da Alba Seguradora, Bracell, Contermas, Jacobina Mineração - Pan American Silver, Moura Dubeux, PetroRecôncavo, Plano Brasil Saúde, Salvador Bahia Airport, Suzano e Unipar, com apoio institucional do Alô Alô Bahia e Prefeitura Municipal de Salvador, apoio da Claro, Salvador Shopping, Sebrae, Sistema Comércio Bahia -Fecomércio, Sesc e Senac- , e parceria do Hiperideal, TD Produções, Uranus2 e Zum Brazil Eventos.>