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Bairro que cresceu ao lado do presídio da Mata Escura convive com violência

Cerca de 5 mil moradores se amontoam em 20 travessas da comunidade do Inferninho

  • D
  • Da Redação

Publicado em 30 de novembro de 2014 às 08:00

 - Atualizado há 2 anos

Antes da fundação do Complexo Penitenciário da Mata Escura, as proximidades do presídio eram como um paraíso. Moradores mais antigos contam que as casas de barro dividiam espaço com pés de manga, laranja e caju. Com a criação do presídio, em 1957, os arredores passaram por modificações drásticas. E atualmente, por trás do muro cinza da Casa de Albergado e Egresso, cerca de 5 mil moradores se amontoam em 20 travessas da comunidade do Inferninho. O professor José Marcelo Conceição Silva, 40, historiador da Universidade Estadual da Bahia (Uneb) explica que a região cresceu por três motivos: “A composição da comunidade se deu a partir da década de 1980, com a vinda de parentes de presidiários do interior do estado, vitimas de enchentes, como a que aconteceu na Avenida Vasco da Gama, em 1980, e pelo inchaço do centro urbano”, conta. Comunidade do Inferninho / Foto: Marina SilvaDona Valentina*, 52 anos, não veio do interior, mas se mudou para o Inferninho depois que o marido foi preso na Lemos de Brito, após ser condenado a 27 anos de prisão, por homicídio e tráfico.  Há dois anos, os dois filhos mais novos do casal foram executados enquanto seu marido estava detido na penitenciária. Os jovens, de 15 e 17 anos, morreram em função da rivalidade entre as facções criminosas que disputam o domínio ao redor da penitenciária: CP (Comando da Paz) e Caveira. “Meu marido é Comando da Paz. Ele tem muitos inimigos aqui fora. Acredito que os meus filhos morreram por causa dessa guerra” conta dona Valentina, que já não mora mais na localidade.Os dois adolescentes haviam nascido já durante o período de cumprimento da pena do marido de Valentina. O casal, inclusive, selou a união dentro da penitenciária. “Casei aqui no presídio e meus filhos foram criados praticamente lá dentro”, lembra.  Ela conta que no início não imaginava que o marido era um dos líderes de uma quadrilha de roubo de carros. “Tomei um susto quando ele foi preso. Eu não sabia que era ladrão. Ele era mecânico, mas sempre foi ganancioso”, conta ela. Os dois seguem casados.A violência marca a relação da Penitenciária Lemos de Brito com seu entorno. Há outras localidades  com o nome de Inferninho em bairros como Marechal Rondon, Dom Avelar e Costa Azul.  Mas, de acordo com o subcomandante major Souza Ferreira, da 48º Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM), a localidade da Mata Escura faz jus ao nome: só este ano, acumula 17 dos 27 homicídios registrados no bairro, apesar de ele garantir que “rondas constantes são feitas”. O delegado Aldacir Ferreira Santos, titular da 11ª Delegacia (Tancredo Neves), confirma que os delitos na comunidade são constantes, mas há poucas ocorrências registradas. “Essa localidade, como o próprio nome já diz, é uma área de extrema periculosidade. Acredito que por algum motivo não há registros de delitos aqui na delegacia”, analisou, não descartando que a ausência de registros seja por medo da população de sofrer retaliações.Comando

A PM aponta que o comando do tráfico de drogas é a principal razão da violência, principalmente das mortes. A rivalidade dos bandidos do Inferninho com outros grupos da região, como o Larguinho e Bate Folha/Rocinha, chega a impedir moradores de circular livremente nas áreas de conflito. “Não temos paz! A mãe de família que trabalha no Larguinho não pode visitar o filho que mora na Rocinha por causa dessa maldita guerra”, desabafou um morador que não quis se identificar. A geografia do bairro também ajuda. Seu Adriano, 78, conhecido como Bengo, mora no bairro  há 66 anos e foi lá que criou seus 18 filhos. Ele acredita que a comunidade leva esse nome  por conta do formato, que lembra a decida de um abismo. “Quem está embaixo não consegue ver a parte de cima, é tudo muito escondido”.A história do tráfico de drogas no Inferninho é herança de família. Segundo policiais do Serviço de Inteligência da 48º CIPM, o traficante Ubiratan Nascimento, o Tampinha, chefiou durante muito tempo a comercialização de entorpecentes na comunidade, até ser capturado, em janeiro deste ano, em um hotel da região. Com a prisão, o controle foi herdado pelo sobrinho de Tampinha, Cristian Sóstenis. Segundo a polícia, Cristian tem a ajuda de dois traficantes, os irmãos Hellmann’s e Jadson, procurados por homicídios. Após 15 anos preso, ex-detento tira sustento do próprio presídio

Apesar da violência a que a população do Inferninho está submetida, o local também é morada para pessoas que possuem outro tipo de relação com a penitenciária. Ex-presidiário, Chico Picú, 48, cumpriu pena na Mata Escura por 14 anos e ganhou a liberdade no ano passado. “Caí no 2-1-3", conta, referindo-se ao artigo 213 do Código Penal — estupro.  Chico Picú coleta material reciclável dentro do presídio / Foto: Marina SilvaA vítima, que na época era menor de idade, acabou dando à luz um filho. Ele lamenta por estar longe do agora adolescente, que chegou a registrar, mas sobre quem nunca mais teve notícias. “Queria muito poder encontrar o meu filho. Todos os dias antes de dormir eu lembro dele”, diz.

Depois de passar pelo Presídio Salvador e pela Cadeia Pública, Picú foi condenado a cumprir pena na Penitenciária Lemos Brito (PLB). Sempre elogiado por bom comportamento, começou a frequentar a escola penitenciária Professor George Fragoso Modesto. “Lá, realizei o sonho de aprender a escrever o próprio nome”, lembra. Durante todos esses anos — conta — sempre trabalhou na área livre do presídio, e começou a perceber o quanto de papelão e plástico poderia ser reaproveitado se fosse destinado de maneira correta.

Quando saiu, passou a coletar a grande quantidade de sobras recicláveis, como papelão, óleo e garrafas plásticas, produzidos pelo próprio presídio. “Sempre trabalhei lá e, durante esse tempo, percebi o quanto de material chegava e não era reaproveitado. Com autorização do diretor, tenho acesso e venho buscar esse material”, explica, com orgulho.  

Morando no Inferninho, em um quarto e sala alugado, vê da janela de casa a movimentação do tráfico de drogas. “Vejo muita coisa aqui de casa. À noite é pior, ouço pessoas correndo de um lado para o outro”, relata. De casa, está próximo para recolher os materiais nas fábricas e nos pavilhões da penitenciária. Depois de retirá-los de lá, Picú os armazena em um local específico dentro da cadeia e, depois, transporta em caminhão para uma cooperativa instalada no próprio bairro da Mata Escura. Transferências trazem famílias do interior ao InferninhoAté a década de 80 não havia presídios no interior do estado (hoje há 14), e a migração de pessoas de outras cidades para acompanhar familiares detidos na Lemos de Brito foi um dos maiores fatores de crescimento da localidade do Inferninho, explica o professor José Marcelo Conceição Silva, 40, historiador da Universidade Estadual da Bahia (Uneb). “A primeira via asfaltada no Inferninho foi ligando o presídio até a Brasilgás”, diz ele, destacando a relação entre a PLB e a ocupação da região.

Dona Teodora* deixou Jequié e veio viver no Inferninho para acompanhar o marido. Ele ficou preso durante 12 anos por homicídio, e já foi solto, mas Dona Teodora acabou encontrando ali sua fonte de renda e continua vivendo na região. “Abandonei a roça onde trabalhava com meus pais. Cheguei à comunidade, aluguei um barraco e logo depois consegui uma guia para vender lanche na porta do presídio”, conta.  

A situação é a mesma de muitas outras moradoras do local. Sem parentes em Salvador, Filomena* vinha de ônibus de Vitória da Conquista e cansou de dormir na rodoviária e na porta do presídio para visitar o marido, também condenado por homicídio. Meses depois, resolveu vender o que tinha no interior e, com ajuda de um familiar do companheiro de cela do esposo, se instalou com os três filhos menores no Inferninho. “Tive que largar tudo para acompanhar meu marido e fazer as ‘correrias’: ir à vara de execuções penais, saber do processo, falar com juiz e conversar com a defensoria”. *Nomes fictícios