Uma palavra vale mais do que mil imagens no resistente mercado do telessexo

Ainda há empresas que oferecem serviços eróticos por telefone; nenhuma delas atende na Bahia

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  • Naiana Ribeiro

Publicado em 29 de abril de 2014 às 07:30

- Atualizado há um ano

Dar asas à imaginação. Este é um dos objetivos de quem utiliza o serviço telessexo ou disk sexo. Seja para realizar suas fantasias, falar sacanagem ou apenas encontrar alguém para conversar, os serviços de telessexo - que surgiram no país há 22 anos - eram mais comuns quando a internet não existia e tiveram seu auge no Brasil na década de 1990. Requisitado a maioria das vezes por homens casados ou comprometidos, o serviço tem entrado em desuso com o surgimento da web e das novas tecnologias. Atualmente, sobretudo entre a população de Salvador, o disk sexo não é mais um assunto tão falado. Muitos pensam, inclusive, que o serviço já foi extinto. Só que não. É só entrar em qualquer site erótico ou olhar, atentamente, em anúncios de jornais que o telessexo estará lá: “Me liga, vai?”. O sexphone é um mercado que persiste na indústria erótica.Foto: Phil Toledano/ ReproduçãoRose Della Volpe tem 44 anos, mora em São Paulo e é atendente de telessexo há seis meses. Ela trabalhou por 22 anos em um serviço por telefone de chat e chegou a ser proprietária de uma sala de bate-papo por telefone por cerca de quatro anos. “As pessoas ligavam, conversavam sobre a vida, sobre temas específicos e algumas vezes ficavam tão amigas que marcavam viagens”, recorda Rose. Segundo a atendente, que enfrenta problemas de visão há dois anos, o serviço foi extinto por conta das operadoras, que passaram a bloquear ligações por celulares. “Um amigo me apresentou a [operadora] Ipcorp, que possuí os números 091, usados pelo atendimento erótico por telefone hoje em dia. Tenho um ramal que posso locar para outras dez pessoas. Caso a pessoa ligue para o meu ramal, qualquer uma destas pode atender”, contou Rose, que lucra R$ 0,80 por minuto em cada ligação.

Até o final dos anos 1990, o serviço de telessexo, bem como chats, horóscopo e outros tipos de serviços telefônicos, eram formados por números iniciados por 0900. Também chamados de Tele900, estes números tiveram propaganda restringida pelo Senado Federal e logo depois foram extintos. Segundo o projeto de Lei aprovado em 1999 - o PLS Nº 473 de 1999 - as empresas de telefonia fixa estavam proibidas de disponibilizar por esse prefixo, sem expressa autorização do assinante, serviços como o disque sexo. "Encontra-se mais ou menos disseminada na população a cultura do serviço 0900, linha de serviços caros que exercem um certo fascínio sobre crianças, adolescentes e mesmo adultos pouco esclarecidos ou, de certo modo, incautos no controle das suas finanças. Atualmente, é muito comum conhecer algum parente ou amigo que tenha sido prejudicado por contas telefônicas exorbitantes, cujos excessos são oriundos de serviços 0900", afirmou Tião Viana – que era senador na época e atualmente é governador do Acre - na justificativa do projeto.Foto: Reprodução

Do telefone para a webcamA comunicação informática trouxe os serviços de sexo através de webcam. Estes estão em alta em todo o mundo. M.A., que atende pelo nome de Lua Azevedo, tem 21 anos, é garota de programa e atende em seu flat na região do Iguatemi, em Salvador. Ela acredita que o mercado para serviços de disk sexo na cidade seja baixo justamente por não ser muito divulgado. Segundo Lua, informações de como funciona e de valores do telessexo não chegam às garotas de programa daqui. “Os clientes de hoje querem fazer [o programa] presencial ou por webcam.”, revelou Lua, que nunca gostou de fazer telessexo e está planejando entrar no ramo das webcams.

 Rose também sente na pele o crescimento do mercado de serviços através da rede e da internet. “Cerca de 80% das garotas que fazem telessexo fazem programas cobrados através da webcam”. A atendente, que não faz exibição do corpo pela câmera na internet e atende em casa por conta do seu problema na visão, tem colegas que fazem shows na webcam e que chegam a ganhar mais de 12 mil. As imagens aproximam às pessoas da realidade, mas isso não significa, necessariamente, o fim do telessexo.

 Rose contou que há bastante concorrência no mercado do telessexo, principalmente no sul do país. “É como se fosse um vício, tem cara que gosta de ouvir uma voz e imaginar. Funciona como um mercado. Comida, remédio e putaria sempre vão existir”, defende. Roberto Albergaria, antropólogo e professor, concorda. Na medida em que vivemos num mundo saturado de imagens, o fetiche da voz tem um papel importante na imaginação das pessoas e na forma com que lida com outros sentidos. “Uma palavra falada vale mais que mil imagens”, reflete o professor, afirmando que o telessexo não vai acabar.

“O telessexo não caiu porque existe a questão da fantasia: ver a imagem é uma coisa, testar os sentidos é outra”, defende Luciana Donato, dona da maior empresa de Disk Sexo do Brasil, a FoneErótico, que existe há 17 anos, possui 45 funcionários e cerca de 3285 acessos diários em seu site. Ela revelou que já chegou a lucrar 300% do valor que ganha atualmente. O lucro da empresária por minuto de ligação é de R$0,40; além disso, o dinheiro que Luciana recebe vem de parceiros, que pagam por treinamentos para atendentes. Ela trabalha há 21 anos no ramo e já chegou a trabalhar com o número 0900, na época em que este existia. “Por ser uma empresa, sempre existem altos e baixos”, analisa a empresária, que garante conseguir se manter bem com o que recebe.

São poucas as que atendem em SalvadorDonato trouxe uma informação curiosa. Ela, que também faz parcerias com concorrentes, garantiu que não conhece atendentes da Bahia e nem de Salvador. “Talvez existam atendentes independentes, que tem seus números e divulgam por conta própria”, supõe a empresária. Luciana contou que nas três empresas que dominam o mercado do disk sexo no Brasil – de Goiás, Rio de Janeiro e de São Paulo, que é dela - não existem funcionários da Bahia. O antropólogo Albergaria supõe que isto ocorre por conta do mercado de sexo na cidade ser relativamente pequeno. Segundo ele, a clientela é pouca e custa mais caro ter atendentes de Salvador por conta da taxa do interurbano nas ligações, já que não tem uma empresa específica daqui neste ramo. Apesar disso, segundo Luciana, as empresas recebem ligações de todos os lugares do país, incluindo clientes da Bahia.

Um trabalho (que não é) como outro qualquer Rose Della Volpe representa uma parcela de mulheres que possuí sua própria linha através da operadora. Ela contou que ao fazer seu trabalho encara um personagem e procura desenrolar uma história, para despertar a imaginação dos clientes. Segundo Rose uma minoria de clientes liga para “ouvir sacanagem”. A maioria deles quer conversar, com o tempo se cria uma amizade. Muitas vezes, inclusive, os homens não tem coragem de falar sobre sexo. Alguns deles são clientes que se tornam fixos, ligam sempre, e chegam a desbloquear mais minutos de ligação. Por segurança, os números 091 só aceitam certo número de minutos por dia; caso o cliente queira conversar mais, ele deve desbloquear mais minutos, através da operadora. Apesar de ter que atuar com a voz, muitas vezes, Rose garante que gosta do seu trabalho e que tem boas histórias para contar. Um exemplo é um rapaz que sempre liga pra ela, se apresenta com o mesmo nome e idade, mas cada dia tem uma profissão diferente. “Já o conheço e sei como lidar. Eu desenrolo a história e escuto, dou corda pro rapaz. Enquanto isso, faço afazeres domésticos ou me arrumo para sair. No final os dois saem felizes. Eu, por já ter adiantado muitos afazeres e ele, por ter contado sua história”. Para a atendente, o segredo é falar o que o cliente quer ouvir. Não necessariamente aquilo é verdade, mas se para o imaginário dele for, o serviço terá atingido um dos seus principais objetivos: deu asas à imaginação.O ensaio "The one that got away" faz parte do trabalhode Phil Toledano e pode ser acessado clicando aqui.