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Carol Neves
Publicado em 10 de outubro de 2025 às 11:32
Depois de 11 anos, Laís Souza sentiu um movimento no dedo mínimo da mão esquerda. “Bem-vinda(nova sensibilidade)”, disse, surpresa, durante um vídeo que gravava com a namorada. “Devo sentir de uns três a cinco por cento”, calcula. A sensação não é exatamente um toque - é pressão, formigamento, algo entre o nada e o quase. À noite, testou de novo: continuava lá. “Não tem muito o que fazer”, explicou em entrevista ao portal g1. “O corpo é incrível. Às vezes o estímulo está por um fio e algo resolve.” >
O acidente que mudou a vida da ex-ginasta aconteceu em 27 de janeiro de 2014, durante treino de esqui aéreo nos Estados Unidos. Laís, que havia migrado da ginástica artística para o novo esporte há menos de um ano, se chocou contra uma árvore. O impacto quebrou duas vértebras cervicais, C3 e C4, e esmagou a medula. Tinha 24 anos. Sobreviveu ao que os médicos consideravam improvável e precisou aprender a viver dependente de cuidados diários.>
Ex-ginasta Laís Souza acompanha ciência e acredita na recuperação
Desde então, Laís transformou sua rotina em disciplina. Cada gesto tem hora, cada objeto tem lugar. Treina cuidadores, orienta sobre calos, manchas e dobras de roupa. Aprende a sentir o que não sente e a interpretar sinais como ardência, arrepios ou espasmos. “Meu grande músculo é o cérebro”, resume.>
A rotina inclui fisioterapia, palestras e atividades de autocuidado. Durante a pandemia, retomou a pintura, que se tornou terapia. “Quando a arte termina, é como se o corpo tivesse se mexido.”>
Laís também acompanha pesquisas científicas que podem melhorar sua mobilidade. Estuda projetos com polilaminina, proteína derivada da placenta, e testes em Israel com medula espinhal 3D feita com células do próprio paciente. “Quero estar pronta quando chegar a hora. Se o movimento voltar, preciso estar forte. Se o braço recuperar a sensibilidade, quero segurar um copo de água, quero poder fazer carinho nos meus cachorros.”>
Durante a recuperação, Laís também passou por outra situação difícil: sofreu abusos sexuais cometidos por cuidadores, aproveitando-se de sua vulnerabilidade. “Eu estava totalmente vulnerável: deitada, dormindo… não estava nem vendo o que estava rolando. E não tenho sensibilidade em 100% do corpo. Sinto que está tudo certo e a pessoa se aproveita daquilo”, relatou. Desde então, ela controla cuidadosamente cada gesto de novos cuidadores, instalou câmeras em casa e não aceita homens para tarefas íntimas. “Para mim é impossível, não dá. Não é nada pessoal com a pessoa”, explica.>
Fora de casa, enfrenta barreiras de acessibilidade em lojas, restaurantes e prédios. Apesar disso, mantém mais de duzentas palestras e atividades públicas, sempre com atenção aos limites do corpo. “Tem dia que não quero me superar. Só quero ficar deitada e chorar. Ou só ficar deitada, sem chorar”, diz, com humor e sinceridade.>