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Da Redação
Publicado em 15 de janeiro de 2022 às 06:00
- Atualizado há 2 anos
“Lembro até do cheiro da festa… das frutas que eram vendidas nas barracas, do parque com roda gigante, das pessoas que enchiam a Colina Sagrada e a Baixa do Bonfim. Era uma festa viva, que começava no primeiro dia da novena. No dia da lavagem, vinha com meu pai, Jurandy, na carroça, era um momento festivo. Cantávamos e sambávamos em homenagem ao Nosso Senhor do Bonfim”. O relato é da empresária Simone Reis, que guarda em sua memória uma coleção de boas lembranças de 47 anos de participação na tradicional festa em homenagem ao Senhor do Bonfim. >
Para quem começou a viver essa devoção aos dez anos de idade, foi possível ver muitas mudanças ao longo do tempo, porém, nenhuma havia sido tão drástica até a chegada da pandemia, o que impossibilitou a realização dos festejos com toda a sua magnitude, com direito à tradicional Lavagem das Escadarias e o perfumado banho de alfazema, proporcionado pelas baianas. “Sinto falta da movimentação das pessoas, da animação que este lugar tem neste período. A caminhada de corpo e alma no dia da Lavagem, a manifestação do povo que caminha da Conceição até a Colina Sagrada é emocionante, assim como no domingo, dia da festa e a procissão dos três pedidos”, comenta ela. >
Simone nasceu na Península de Itapagipe e frequenta a igreja há muito tempo. Tanto que se tornou voluntária do projeto social “Bom Samaritano” e também já faz parte da Comissão das Festas realizadas na Colina Sagrada. Segundo ela, todos os dias recebe graças do Senhor do Bonfim, mas uma muito especial veio em 2015: quando teve a inspiração de criar o projeto Vila Criativa, que ocupa três das antigas casas dos romeiros, no Largo do Bonfim, reunindo gastronomia, artesanato, café e leitura. “A mistura da fé com as manifestações populares e o sincretismo religioso me fascina em nossa cultura, pois a religião de matriz africana é o nosso DNA”_Simone Reis, empresária e devota >
Festas paralelas >
Não se sabe ao certo em que momento da história a segunda quinta-feira de janeiro passou a ser a mais movimentada na cidade com a Lavagem, mas é certo dizer que este é um dos momentos mais esperados do calendário de festas populares baianas. Tudo começa com uma concentração em frente à Igreja da Conceição da Praia, no Comércio, de onde os fiéis partem em uma caminhada de oito quilômetros até a Colina Sagrada, acompanhados por bandinhas, charangas, artistas de rua, poetas, baianas… Tem lugar para a expressão religiosa da fé e também para quem gosta de se divertir do lado profano da ocasião. >
Ali no entorno são montadas barracas para entreter quem não sai na caminhada, geralmente feita por quase um milhão de pessoas. Em anos passados, a concentração ganhou espaço e até festas paralelas, como Bonfim Light e Bonfim na Laje, com feijoada e apresentação de bandas. >
Início de tudo >
A devoção ao Senhor do Bonfim começou no século XVIII. No ano de 1745, o capitão de mar-e-guerra português Teodósio Rodrigues Farias chegou a Salvador, trazendo com ele a imagem do Senhor do Bonfim, vinda da cidade portuguesa de Setúbal. Ele ofereceu a imagem de presente à igreja em agradecimento por ter sobrevivido a uma grande tempestade em alto mar e atribuiu a graça ao Senhor do Bonfim. >
A basílica começou, então, a ser construída naquele ano e foi finalizada apenas em 1754. Durante nove anos a imagem ficou abrigada na Igreja da Pena, na Ribeira. Quando foi transferida para a Colina Sagrada já havia uma grande devoção ao Senhor do Bonfim, inclusive, “já existia naquela época, na Igreja da Penha, o ritual de fiéis apresentarem ex-votos em agradecimento por graças alcançadas e isso foi transferido para o Bonfim, quando a igreja passou a funcionar”, explica o Reitor da Basílica do Bonfim, padre Edson Menezes. >
Curiosidades da Religiosidade Popular >
Ex-votos - A fé no Senhor do Bonfim fez nascer um dos rituais mais interessantes vistos na igreja: para agradecer milagres e curas recebidas, os fiéis levam como oferta os ex-votos - réplicas das partes do corpo curadas, chaves de casa ou carro, diplomas e outros itens que representam uma conquista. Porém, este ano a sala dos Ex-votos e o museu, que fica no 1° andar da igreja, não podem ser visitados, pois estão interditados temporariamente por conta de uma reforma para a recuperação dos azulejos português no corredor de acesso. No início, os ex-votos eram confeccionados com madeira ou prata; hoje em dia são feitos de cera.>
Medida - O ritual nasceu no ano de 1809, quando o tesoureiro da igreja, Manoel Servo, teve a ideia de tirar a medida entre a chaga da mão e a chaga do peito da imagem do Senhor Bonfim, que é de 45 centímetros, e mandou fazer uma fita. Inicialmente era chamada de “Medida do Senhor do Bonfim” e as pessoas a usavam em volta do pescoço. Com o tempo, passou-se a amarrar no braço e fazer os três pedidos. “A igreja perdeu o controle e hoje a fitinha é vendida no mundo todo, mas é uma tradição que nasceu aqui. É um ritual da religiosidade popular, que parte do imaginário das pessoas de forma espontânea. Isso nem sempre tem registro no início e depois ganha corpo e tradição. Dizem que hoje a fitinha vem até da China e tem fábrica em São Paulo, mas não tem aqui na Bahia”, comenta o padre Edson Menezes. Por nunca ter sido patenteada, a famosa fitinha colorida que antes era confeccionada em seda ou algodão, de maneira manual e com o nome bordado, passou a ser industrializada em larga escala, em poliéster, com o nome gravado em tinta preta e já não segue mais a medida de 45cm.>
Mudanças de protocolo Este ano não teve cortejo ou lavagem, mas a fé no Senhor do Bonfim segue forte no coração do povo baiano (Foto: divulgação) Assim como 2021, por conta da pandemia e do distanciamento social, este ano os festejos ao Senhor do Bonfim aconteceram de maneira diferente do tradicional: não houve o cortejo com as baianas e nem a lavagem da escadaria, mas não faltou a fé! A religiosidade é mantida com a realização das missas e os momentos de oração, seguindo os protocolos e o acesso controlado ao interior da igreja para as celebrações neste domingo (16). “Estamos vivendo um momento delicado, com muitas contaminações. É preciso fazer essa renúncia em vista de um bem maior”, afirma o reitor da Basílica do Bonfim, padre Edson Menezes. >
O tema da festa em louvor ao Senhor do Bonfim, este ano é: Papa Francisco, Vigário do Amado Jesus, Senhor do Bonfim. Já o lema para a reflexão dos fiéis é Por uma Igreja Sinodal: Participação, Comunhão e Missão. “Nós somos todos chamados a participar da vida e da missão da Igreja, conforme o dom e a vocação que cada um recebeu de Deus. Somos chamados a caminhar juntos, a conviver fraternalmente e a dar testemunho de comunhão eclesial. Nós que temos a graça de participar da festa do Senhor do Bonfim devemos continuar a participar da Igreja durante o ano todo”, recomendou Dom Sérgio da Rocha, Arcebispo de Salvador e Primaz do Brasil, em sua mensagem especial para a festa deste ano. >
A preparação para as homenagens começaram com a novena, realizada do dia 7 até este sábado, 15. Além de bençãos dadas da janela do templo, padre Edson Menezes também utilizou as redes sociais para se dirigir aos fiéis em momentos de oração e reflexão em transmissões ao vivo. Quem não for à Colina amanhã também poderá acompanhar as homenagens pelas plataformas digitais: @bonfimsantuario (instagram), bomsantuario (youtube) e basilicasantuariosenhordobonfim (facebook). >
Na quinta-feira, a igreja permaneceu fechada durante todo o dia, mas foi reservado um momento de oração com a colocação de uma coroa de flores no monumento do Cristo Ressuscitado, que fica na praça, em memória das mais de 600 mil vítimas fatais do Covid 19. >
Celebrações Neste domingo, 16, os fiéis poderão visitar a Igreja do Bonfim para acompanhar as missas nos seguintes horários: 5h , 6h, 7h30, 9h, 10h30 (missa solene celebra por Dom Sérgio), 15h e 17h. Em todos os horários uma equipe do receptivo organizará a entrada controlada das pessoas, com higienização e cuidados para que seja mantido o distanciamento entre elas. Vale ressaltar que todos deverão usar a máscara! >
Após a missa das 17h, a réplica da imagem peregrina do Senhor do Bonfim - que ficará exposta na praça durante todo o dia - será recolhida ao interior da igreja com um momento de oração especial pedindo pela proteção contra doenças, violência e desastres naturais. A religiosidade é mantida com a realização das missas e os momentos de oração, seguindo os protocolos e o acesso controlado ao interior da igreja para as celebrações neste domingo (16) (Foto: Shutterstock) Reurbanização é mais um atrativo Além de fortalecer a fé, quem hoje visita a Colina Sagrada tem uma experiência turística única na cidade. É que com a revitalização urbana da região, o local ficou ainda mais atrativo. Tudo começa no Largo de Roma, início do Caminho da Fé, onde está o memorial em homenagem à Santa Dulce dos Pobres. Dali até a Igreja do Bonfim é um quilômetro que liga duas das maiores fontes da religiosidade baiana. >
Com o projeto de reurbanização, a Praça do Bonfim - sítio histórico tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 1930, como patrimônio da humanidade -, ganhou mais espaço, com a retirada de carros, priorizando o pedestre e a possibilidade de realizar missas e eventos em um espaço aberto. O projeto assinado por Adriano Mascarenhas, do escritório Sotero Arquitetos, respeitou as normas técnicas de preservação e os fundamentos da devoção ao Senhor do Bonfim. Por exemplo: tudo o que foi desenvolvido para a praça seguiu cálculos de múltiplos ou divisores de 45 centímetros, a Medida do Bonfim. >
A Colina ganhou as capelas da Água Benta e das Velas, totalmente integradas ao contexto local, e, embora de linguagem contemporânea, dialogam harmoniosamente com o passado colonial do casario da praça e com a igreja. “Esta foi uma intervenção muito sensível de ser feita. Além disso, destaco a leitura simbólica de ícones do Bonfim, como a fita, os símbolos sagrados da religião católica, bem como do sincretismo religioso, que estão presentes no desenho de piso da praça”, salienta Adriano Mascarenhas. “Acredito que a gente se empenhou em gerenciar todos os atores e variáveis técnicas do projeto de maneira a alcançar um resultado esteticamente bonito e funcional, ao mesmo tempo, já que é um local de grande fluxo de pessoas”, completa. >
Foram feitas intervenções arquitetônicas, de paisagismo e urbanismo. Um dos detalhes mais importantes é a pavimentação com pedras portuguesas. E ainda: houve recuperação do piso do sistema viário de paralelepípedo, bem como o chafariz italiano em mármore carrara, que já existia na praça, e agora tem maior visibilidade. As obras também valorizaram a Baixa do Bonfim, que passou a ser integrada aos arcos da Ladeira do Bonfim, ganhou vagas de estacionamento, nova pavimentação e iluminação em LED. “Eu tinha uma ligação pretérita com a colina, que se acentuou a partir desse envolvimento profissional e pessoal, que acabou sendo esse trabalho desenvolvido junto à comunidade e à Devoção do Senhor do Bonfim. Hoje eu estabeleci um vínculo mais forte como fiel e amigo da Devoção e recebi com grande satisfação a homenagem que me foi entregue em uma solenidade na igreja”_Adriano Mascarenhas, arquiteto >
Reforma interna - Durante as obras de reurbanização da Colina Sagrada, a prefeitura de Salvador, através da Fundação Gregório de Mattos, executou a reforma do altar da igreja, bem como da capela-mor, do retábulo do altar-mor e do forro. Além da recuperação da escada do nicho, instalações elétricas, portas de acesso às sacristias, tribunas, molduras do forro e pilastras decoradas.O Estúdio Correio produz conteúdo sob medida para marcas, em diferentes plataformas.>