Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Estúdio Correio
Gabriela Araújo
Publicado em 24 de maio de 2025 às 06:00
Desde outubro de 2023 à frente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o baiano Ricardo Alban tem defendido uma indústria brasileira mais competitiva, digital e sustentável. Em entrevista ao Jornal CORREIO, ele destacou o papel estratégico da Bahia e do Nordeste na nova política industrial do país, o avanço em inovação e qualificação profissional, e os caminhos para a transição energética e a redução das desigualdades regionais. >
JORNAL CORREIO: Qual a importância da indústria baiana dentro do cenário industrial brasileiro e como ela contribui para o desenvolvimento econômico e social do país? >
RICARDO ALBAN – A indústria baiana se destaca em diversos setores, como o petroquímico, o automotivo, alimentos e bebidas, e construção, mas há outros que vêm se destacando cada vez mais. Estamos falando de um setor que responde por mais de 25% do PIB do estado e mais de 55% das exportações da Bahia, com mais de 460 mil trabalhadores. A Bahia tem colhido frutos de investimentos passados, sobretudo em inovação, em que o SENAI CIMATEC ajudou a atrair parcerias e se tornou uma das instituições mais avançadas de educação, ciência, tecnologia e inovação do país. Com mais de 1,3 mil colaboradores e 56 laboratórios, hoje o complexo se tornou uma referência de pesquisa aplicada para a indústria e um verdadeiro campus de conhecimento, com centros de inovação, tecnologia, uma universidade e escola técnica. Tudo voltado para o fortalecimento do segmento industrial e para criar condições para que a indústria baiana se torne cada vez mais forte, com consequências muito positivas para o emprego e a renda para a população da Bahia. >
JC: A inovação é essencial para a competitividade industrial. Quais os avanços mais importantes que a indústria brasileira tem apresentado nesse campo? >
RICARDO ALBAN – Acredito que o país tem avançado nessa agenda. Este foi um dos critérios em que tivemos uma posição melhor em relação a economias que competem conosco, segundo o último Ranking de Competitividade que divulgamos recentemente. A indústria responde por 66,8% dos investimentos empresariais em inovação e esse fator vai ser cada vez mais relevante num ambiente internacional de disputas comerciais, protecionismo. E quando consideramos os desafios de sustentabilidade que temos pela frente, os investimentos em inovação e tecnologia serão ainda mais decisivos. Não apenas na busca pelas soluções como pela adaptação aos efeitos da mudança climática. Se o Brasil quer liderar a transição para uma economia de baixo carbono, precisa vir a reboque, também, de investimentos em inovação nesse sentido. Vemos que o empresário tem apetite quando encontra as condições adequadas para dividir o risco, como mostram os dados do BNDES de volumes recordes de financiamento para projetos em inovação e pesquisa. >
A CNI investe e aposta na tecnologia e na inovação como fatores primordiais para o desenvolvimento e a competitividade da indústria brasileira. Temos elevados investimentos no que há de mais avançado e moderno em termos em ciência, tecnologia e inovação e discutimos, na Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), estratégias e iniciativas com as maiores lideranças empresariais, governo e academia. Destaco o papel da nossa rede de inovação e tecnologia mantida pelo SENAI, com 28 institutos voltados para pesquisa aplicada e 56 institutos de tecnologia, tem se tornado uma das grandes parceiras das empresas para o desenvolvimento de novos produtos e processos em todos os setores, assim como a busca de produtividade e transformação digital. Essa rede e a capilaridade do SENAI tornam possível a execução de programas como o Brasil Mais Produtivo, braço fundamental da Nova Indústria Brasil, que é o maior instrumento estatal de desenvolvimento da indústria brasileira. Temos muitas frentes de cooperação e parcerias importantes para o amadurecimento do ecossistema de inovação, como a Embrapii, o BNDES, a FINEP, a ABDI e o Sebrae. >
JC: Como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) tem orientado e incentivado as indústrias a adotarem práticas sustentáveis e compromissos ambientais, sociais e de governança? >
RICARDO ALBAN - Nossa meta primordial é impulsionar uma transformação gradual dos processos industriais, de modo que a redução de emissões deixe de ser mera obrigação e se torne um diferencial de competitividade. Para isso, a CNI trabalha em três linhas de ação: difusão de tecnologias limpas por meio de parcerias com instituições de pesquisa e desenvolvimento; promoção de cursos e treinamentos para formar profissionais capacitados em práticas de transição e eficiência energética e de gestão do carbono; e apoio à criação de um mercado de carbono robusto, com métricas transparentes. O progresso será mensurado por indicadores de intensidade de emissões, adesão a certificações internacionais e volume de operações de compra e venda de créditos de carbono, sempre em diálogo com o governo e com a sociedade. Além disso, lançamos a SB COP, que busca engajar lideranças empresariais internacionais para contribuir com as discussões da Conferência do Clima, a exemplo do que outros grupos como o G20 e o BRICS já têm. É cada vez mais importante que a iniciativa privada participe das discussões porque, na prática, cabe ao setor produtivo executar os compromissos definidos nesses fóruns. >
JC: A qualificação da mão de obra é um dos pilares para o fortalecimento da indústria. Quais iniciativas a CNI tem promovido ou apoiado para capacitar profissionais e preparar novas gerações para os desafios da indústria atual, especialmente na região Nordeste do Brasil? >
RICARDO ALBAN – A qualidade da formação dos trabalhadores é um aspecto central na competividade e na produtividade dos países. E esse é um enorme desafio para o Brasil. Por parte do Sistema Indústria, entendemos que é um trabalho que começa na formação básica, no nosso caso, nas escolas do SESI, e que o trabalhador precisa estar em qualificação constante, principalmente diante da disseminação da tecnologia no ambiente de trabalho, sobretudo na indústria. Veja, o Nordeste tem despontado em áreas muito estratégicas e avançadas, como TI, em Pernambuco e na Paraíba, e energia, atraindo investimentos por conta desse alto potencial de retorno. Precisamos de trabalhadores capacitados para lidar com hidrogênio verde, construção e manutenção de parques eólicos e de energia solar, em que o Ceará e o Rio Grande do Norte têm se destacado. Nesse sentido, o SENAI tem sido fundamental para formar esses trabalhadore. Em toda a indústria, segundo o nosso Observatório Nacional da Indústria, será preciso qualificar 14 milhões de pessoas em ocupações industriais entre 2025 e 2027. A maioria, quase 12 milhões, são trabalhadores que precisam se atualizar. >
JC: Quais são as principais expectativas da Confederação Nacional da Indústria para o setor industrial brasileiro em 2025 e para 2026? >
RICARDO ALBAN - 2025 está sendo um ano desafiador em que precisamos consolidar os esforços do programa Nova Indústria Brasil (NIB) para continuarmos em trajetória de crescimento. Temos obstáculos, como principalmente a alta dos juros, que deve conter o consumo e os investimentos, mas temos a expectativa de que a Taxa Selic volte a cair, especialmente a partir do segundo semestre. As projeções da CNI são menos otimistas para a economia brasileira do que em 2024. Isso se deve, primordialmente, às alterações de política monetária, com a alta de juros. >
Mas espero que possamos nos surpreender com a economia em 2025, assim como nos surpreendemos com os resultados em 2024 e, de alguma forma, em 2023. Nesse contexto desafiador, a CNI propõe um pacto nacional que envolva os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, os empresários e os trabalhadores. Precisamos construir um consenso em torno de metas fiscais e de políticas econômicas estruturantes, garantindo que, enquanto se busca o equilíbrio das contas públicas, haja estímulos seletivos para os investimentos para assim voltarmos a crescer no horizonte do segundo semestre deste ano e ao longo de 2026. >
JC: Quais áreas ou setores da indústria brasileira têm maior potencial de crescimento e protagonismo nos próximos anos? >
RICARDO ALBAN – A indústria é muito diversa e complexa, mas vejo grandes oportunidades para o setor de biocombustíveis, energia, agroindústria, saúde e automotivo, amparados pela NIB. >
JC: Como a CNI tem trabalhado para reduzir desigualdades regionais e promover o fortalecimento industrial em estados do Nordeste brasileiro? >
RICARDO ALBAN - Temos na CNI uma importante iniciativa chamada “Nordeste Forte”, voltada para levar recursos e desenvolvimento para a região. A instituição representa todas as federações das indústrias do Nordeste, e atua na promoção de ações de desenvolvimento socioeconômico, contribuindo para a competitividade do setor industrial nordestino. Um dos objetivos é reduzir as desigualdades regionais e a construção de um Nordeste mais forte. Não conheço nenhuma forma de mitigar a desigualdade que não seja tratando desiguais de forma desigual. É isso que faz a Associação Nordeste Forte. Vivemos do planejamento de médio e longo prazo, com previsibilidade. Também temos tido interlocução com o governo federal para ampliar o uso de fundos constitucionais para o desenvolvimento regional. Um levantamento nosso mostrou que os volume de recursos para este ano cresceu quase 20% e, entre eles, o maior e com maior crescimento, de 28%, é justamente o FNE, que tem previstos R$ 5,7 bilhões para a indústria nordestina em 2025. Esses recursos são fundamentais para a industrialização da região e a redução de desigualdades. >
JC: A sustentabilidade tem sido um tema cada vez mais discutido no setor industrial do mundo inteiro. Como a indústria brasileira vem se preparando para os desafios da transição energética e da economia de baixo carbono? Quais iniciativas já estão em andamento? >
RICARDO ALBAN - A indústria brasileira está atenta e alinhada às obrigações e oportunidades decorrentes do Acordo de Paris. Há muito tempo o setor vem fazendo o dever de casa, adequando processos produtivos e adotando inovações para reduzir emissões de gases de efeito estufa. Nosso papel na CNI é fomentar a disseminação das melhores práticas, promover capacitação e buscar apoio institucional para viabilizar investimentos em pesquisa e desenvolvimento, visando ao cumprimento dessas metas de maneira competitiva e responsável. A CNI tem trabalhado em conjunto com diversas indústrias, como expliquei, recentemente lançamos a SB COP, teremos uma participação ampla na COP 30, em Belém, e junto ao governo federal temos trabalhado na elaboração das metas de mitigação e adaptação da indústria, que vão compor o Plano Clima. >
JC: Como o setor industrial brasileiro está avançando na digitalização de processos e na adoção de novas tecnologias? >
RICARDO ALBAN - A indústria nacional enfrenta desafios de produtividade. Perdemos espaço com as mudanças tecnológicas nas últimas décadas. A transformação digital, impulsionada pela indústria 4.0, é uma oportunidade para as indústrias brasileiras se tornarem mais competitivas. Tecnologias como a internet das coisas, biotecnologia e a inteligência artificial já trazem e trarão mais eficiência à indústria e aos produtos, com aumento de produtividade e redução de custos. Ainda há uma série de obstáculos a serem superados, mas temos buscado com efetividade avançar nas novas tecnologias e tornar a indústria brasileira cada vez mais tecnológica e inovadora. A inovação é chave para o desenvolvimento de qualquer empresa e para a competitividade. >
JC: Como avalia a evolução da indústria brasileira desde que assumiu a presidência da Confederação Nacional da Indústria, em outubro de 2023? Quais pontos mais avançaram e quais ainda exigem atenção? >
RICARDO ALBAN - A indústria tem avançado com o engajamento de lideranças empresariais e do governo federal no novo programa de política industrial. O Nova Indústria Brasil (NIB) é uma política moderna, viável, estruturada em um conjunto de programas e medidas que buscam solucionar os desafios atuais da indústria brasileira. A NIB tem apoiado a indústria brasileira a ser mais competitiva e estimulado os negócios, os investimentos e o empreendedorismo em todo o país. Um dos braços de investimentos da NIB, o BNDES tem aportado recursos para setores estratégicos que precisam de recursos para inovação e para serem mais sustentáveis. >
Uma importante iniciativa recente da CNI foi liderar a criação da Sustainable Business COP30 – a SB COP, que reúne um grupo de representatividade empresarial internacional, a exemplo do que existe no G20 e no BRICS, para levar contribuições do setor privado às negociações da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP 30, que, neste ano, ocorrerá em Belém (PA). O objetivo da SB COP é mobilizar a maior quantidade possível de lideranças de empresas, associações, sindicatos, federações e confederações, nacionais e internacionais, para o desenvolvimento sustentável. A nossa principal meta será contribuir com recomendações para líderes governamentais durante as negociações da COP30. >
Ainda sobre avanços conquistados nesse período podemos listar alguns projetos apoiados pela CNI que foram aprovados pelo Poder Legislativo. Tivemos importantes vitórias, como a aprovação da reforma tributária e da lei da depreciação acelerada, que permite que o valor investido em máquinas e equipamentos seja deduzido no imposto de renda da pessoa jurídica e na CSLL. Também apoiamos e vimos sair do papel a regulamentação do mercado brasileiro de redução de emissões e de incentivo ao mercado voluntário de créditos de carbono. O Congresso Nacional também aprovou a lei que instituiu o Programa Mobilidade Verde e Inovação, conhecido como Mover. A medida trouxe benefícios fiscais às empresas que investem em novas soluções para reduzir as emissões na cadeia automotiva. >
Por outro lado, ainda temos desafios importantes, como a aprovação de uma nova lei de licenciamento ambiental, de uma política nacional de economia circular e de um marco legal para o setor elétrico – a conta de luz no Brasil é muito cara, o que tira a competitividade da indústria brasileira. >
Clique aqui e confira o Especial Indústria Forte>
O projeto Indústria Forte é uma realização do jornal Correio, com patrocínio da Acelen, Neoenergia Coelba, Suzano, Tronox e Unipar, apoio da Veracel e Wilson Sons, e parceria da Braskem. >