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Nilson Marinho
Publicado em 5 de maio de 2025 às 04:58
Em um local de pequenos aglomerados de casas simples, no que hoje é o povoado de Alagoas, a cerca de 12 km de Itaberaba, no semiárido baiano, o agricultor Teotônio Ferreira Fonseca festejou, em 15 de agosto de 1923, a chegada da pequena Maria Milza Santos Fonseca, a caçula dos 12 filhos que teve com a também agricultora Tereza Santos Fonseca. >
No terreiro da singela casa, o chefe da família acendeu fogos de artifício para que todos naquela légua em diante soubessem que a mais nova da família Fonseca havia chegado ao mundo, e com saúde. O patriarca, no entanto, foi tomado por uma surpresa. No céu, um feixe de luz forte incidiu sobre sua cabeça, iluminando o quarto onde Maria Milza descansava após sua chegada a este mundo.>
Atônito, Teotônio perguntou aos demais membros da família se aquela noite era influenciada pela fase da Lua Cheia, devido à clareza com que passou a enxergar tudo à sua frente, como ocorre nos dias em que o astro se encontra pleno no céu. Não era. Sob o espaço celeste, estava uma Lua Crescente, incapaz de provocar tamanha visibilidade como aquela.>
Sinais de compaixão e fé >
O tempo passou. Maria Milza chegou a adolescência e, desde então, já demonstrava compaixão e benevolência pelos mais pobres e enfermos. Certa vez, uma de suas irmãs, Dora, torceu um dos pés, o que a impossibilitou de caminhar. A garota então fez um pedido: queria rezar pela recuperação da irmã. Sem que ninguém conseguisse explicar como aquilo foi possível, o membro, que estava dolorido e inchado, voltou ao normal com a súplica e ao toque da pequena mão da garota.>
Esses dois episódios acima foram contados pela própria Dora ainda em vida ao Diácono Genival de Jesus Araújo, que também conheceu e conviveu com Maria Milza. “Ela foi, eu diria, um anjo iluminado por Deus. Um anjo de luz. Alguém que tive a graça de conhecer e que marcou a vida de muita gente”, descreve o religioso.>
Dora, conta o Diácono, lembrava com orgulho da caçula. “Ela me contou que Maria Milza já se destacava desde pequena pela sua caridade e bondade. Saía visitando os doentes, fazia remédios caseiros, pedia esmola até em Itaberaba para comprar remédio e comida para os mais pobres. Dora até brincava com ela: ‘Você não tem vergonha de viver pedindo?’ E ela respondia: ‘Se fosse para mim, talvez eu tivesse. Mas para os pobres, não’”, recorda Genival.>
A Serva de Deus da Bahia >
Mais de um século depois daquele 15 de agosto de 1923, a luz que iluminou o nascimento de Maria Milza segue acesa, agora, nos altares da fé. Em abril deste ano, o Vaticano autorizou a abertura de seu processo de beatificação e lhe conferiu o título de Serva de Deus, a primeira etapa formal da Igreja Católica no caminho que pode levar à canonização de uma pessoa.>
A fase diocesana do processo começa no dia 15 de agosto deste ano, no mesmo povoado onde ela nasceu. Um tribunal eclesiástico será instalado em Alagoas para ouvir testemunhos e reunir provas de sua vida marcada pela caridade e fé, de sua fama de santidade e dos milagres atribuídos a ela.>
Caso a Igreja reconheça essas virtudes e pelo menos um milagre seja atestado, Maria Milza poderá ser beatificada. Um segundo milagre, no entanto, abriria caminho para a sua canonização, reconhecendo definitivamente sua santidade, assim como ocorreu com outra baiana, a Maria Rita de Sousa Brito Lopes Pontes, a Santa Dulce dos Pobres.>
Chamado divino >
Com cerca de 30 anos, conta o diácono, Maria Milza começou a ter as chamadas locuções interiores, momentos em que Deus ou Nossa Senhora falam diretamente ao coração, como explicou o religioso. Na época, ela morava fora de Alagoas com a família, mas essa voz interior lhe dizia para voltar ao povoado onde nasceu, pois muitas pessoas viriam em busca de cura.>
“Ela voltou e foi aí que tudo começou. Os milagres, as curas. Gente de todo canto indo para Alagoas. Faltava gasolina nos postos da região, de tanta gente que ia. A pé, de cavalo, de carro. Gente de cidades vizinhas, mas também de muito longe”.>
Na casa simples onde morava, Maria Milza recebia a todos sem distinção. Quem chegava, recebia uma palavra de ânimo. Dizem que ela tinha o dom de ‘ler a alma e os pensamentos’ daqueles que buscavam seu socorro>
“Eu vi muitas vezes isso acontecer. Ela sabia o nome e o problema da pessoa. E nunca dava uma resposta pronta, cada visitante recebia uma palavra diferente, conforme o que vivia. Depois, vieram muitos milagres, mas o maior milagre mesmo era a sua humildade, a vida de oração e o cuidado com os pobres”, completa o religioso.>
Milagres e multidões >
Um dos primeiros a experimentar aquilo que muitos hoje chamam de milagre foi o comerciante Clóvis Silva, conhecido como “Tó”, já falecido. Aos cinco anos, uma injeção mal aplicada comprometeu os movimentos de suas pernas. Os médicos diziam que era paraplegia. Desde então, locomovia-se com dificuldade, arrastando o corpo pelo chão, com as mãos protegidas por chinelos velhos e os joelhos encurvados.>
Foi nesse estado que chegou à casa de Maria Milza. Não esperava cura, talvez nem consolo. Mas bastou estar na presença da “Mãezinha de Alagoas”, como muitos passaram a chamá-la, para voltar a andar.>
“São milhares e milhares de casos de cura. Pessoas que chegavam lá desenganadas. E não estamos falando de uma simples dor de cabeça ou dor de dente, estamos falando de médicos que chegavam com seus filhos doentes, sem nenhuma resposta da medicina. Mas, quando chegavam a Alagoas, Maria Milza colocava a mão na cabeça da criança, fazia uma oração, jogava um pouco de água benta e dizia que ele ficaria bom. E, quando voltavam, o menino estava curado”, diz o padre Gabriel Vila Verde, autor de uma biografia sobre Maria Milza, em seu canal no YouTube.>
Padre Gabriel compartilha outra história de cura: a de um garoto tetraplégico que teria sido curado e voltado a andar por intercessão da Mãezinha de Alagoas. “Quando era pequeno, ele ficou tetraplégico. Ficava dentro de uma caixinha, sem se mover. O chamavam de ‘bolinho de gente’. Seu nome é João. A mãe ia para a missa e ele ficava deitado numa caixinha de madeira. Um dia falaram de Maria Milza. A mãe colocou a criança aleijada debaixo do braço e entrou na igreja de Alagoas de joelhos, pedindo misericórdia, uma graça de Nossa Senhora por meio de Maria Milza”, conta.>
A Mãezinha de Alagoas, continua o padre, teria pegado a criança no colo e sussurrado algumas palavras, compreendidas pelos fiéis como de consolo. “Ela disse a todos que a criança iria crescer, andar, ser muito inteligente, se casar e ter filhos. O povo achou que era apenas uma palavra de consolo, mas o resultado foi que aquela criança voltou a andar, mexer os braços, se casou e teve filhos saudáveis, tornando-se carpinteiro, desenhista, artesão, fotógrafo e pedreiro, uma espécie de faz-tudo”, completou Vila Verde.>
O caso de Tó e de João são apenas dois entre tantos. Histórias como a deles cruzaram estradas em bocas de romeiros e chegaram, por fim, aos ouvidos da Igreja. Para uns, curas inexplicáveis. Para outros, provas de fé. Mas para quem esteve lá, para quem viu ou viveu, são sinais de que naquela mulher simples, nascida no coração do semiárido baiano, morava algo divino. Algo que ainda hoje move multidões, mesmo após sua morte, em 17 de dezembro de 1993, após complicações de saúde devido a um AVC.>
“O bonito da vida de Maria Milza é que ela não tinha um dom. Esse é o extraordinário da vida dela: ela tinha todos. São Paulo diz, em Coríntios 12, que a cada pessoa o Espírito Santo dá um dom. Maria Milza recebeu de Deus todos os dons e carismas do Espírito Santo. Uma mulher simples, humilde, sertaneja e negra. Tinha tudo para ser desprezada e colocada de lado na época em que viveu. Pois bem, foi justamente essa mulher que recebeu de Deus e de Nossa Senhora todos os dons que podemos imaginar”, finaliza o padre Gabriel.>