Assassinato do ativista Pedro Henrique completa 6 anos em 2024: por que nada foi feito até agora?

Pedro Henrique foi morto aos 31 anos, com 8 tiros na cabeça e no pescoço, dentro de casa

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  • Maysa Polcri

Publicado em 16 de abril de 2024 às 05:00

Caminhada da Paz, criada por Pedro Henrique, continua acontecendo em Tucano, na Bahia
Caminhada da Paz, criada por Pedro Henrique, continua acontecendo em Tucano, na Bahia Crédito: Marcos Musse/DPE

Seis anos separam o dia em que Pedro Henrique Santos Cruz foi brutalmente agredido por policiais militares pela primeira vez, em Tucano, em 2012, e o dia da sua execução, no ano de 2018. O ativista, que foi morto com oito tiros, aos 31 anos, denunciava a brutalidade de agentes do Estado no interior da Bahia. Seis anos após o assassinato, a família e a sociedade civil seguem sem respostas sobre quem matou Pedro Henrique, e por quê.

Pedro Henrique morava em Salvador, mas visitava com frequência os familiares em Tucano, a cerca de 260 quilômetros da capital. Seu jeito causava estranheza em parte da população da cidade de menos de 50 mil habitantes. Negro, ouvia reggae, usava dreadlocks, consumia maconha e era adepto da cultura Rastafari.  

Em uma de suas idas a Tucano, em outubro de 2012, Pedro Henrique foi vítima de abordagem truculenta de policiais militares, e denunciou o caso ao Ministério Público da Bahia (MP-BA). Foi a primeira de diversas denúncias encaminhadas ao órgão que tem a prerrogativa de fazer o controle externo da polícia estadual.

Pedro Henrique foi morto aos 31 anos, em Tucano, no interior da Bahia
Pedro Henrique foi morto aos 31 anos, em Tucano, no interior da Bahia Crédito: Reprodução

Segundo a Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE-BA), Pedro Henrique, que foi abordado em frente a casa do pai enquanto aguardava carona para uma festa, sofreu tapas, golpes de cassetete, pontapés, empurrões e coronhadas. Ele denunciou as agressões no dia seguinte. Um inquérito pelo crime de tortura foi instaurado na delegacia de Tucano.

Os policiais militares Alex Andrade, Sidnei Santana, Bruno Montino e Edvando Cerqueira foram apontados como os torturadores pela Polícia Civil. Em audiência no Fórum de Tucano, o crime foi reduzido para lesão corporal e abuso de autoridade. Os policiais foram condenados a pagar multa, mas continuaram a trabalhar normalmente.

Em 2019, o tenente Alex Andrade concedeu entrevista ao CORREIO. Na época, ele disse que a abordagem a Pedro Henrique ocorreu como qualquer outra. 

“Ele defendia abertamente a liberação das drogas, sobretudo maconha, então era um constante suspeito de estar portando droga”, afirmou o tenente Alex, que era, naquele ano, corregedor setorial da Polícia Militar. “Pela função que exerço, tenho de dar exemplo do trabalho da PM, jamais pratiquei algo que abonasse a minha conduta”, disse.

O episódio e seu desdobramento foram como um divisor de águas na vida de Pedro Henrique. O rapaz decidiu se mudar para Tucano e passou a ser porta-voz das denúncias de brutalidade policial na região. A ideia de criar a Caminhada da Paz, que rapidamente ficou conhecida, também partiu do jovem, e reunia anualmente moradores da cidade para protestar contra os abusos das forças de segurança.

Pedro Henrique denunciava a brutalidade policial através das redes sociais
Pedro Henrique denunciava a brutalidade policial através das redes sociais Crédito: Reprodução/DPE

A partir de relatos de outras pessoas e postagens nas redes sociais, ele também se tornou alvo constante de abordagens da polícia. Elas eram tão frequentes, que houve três episódios em menos de um dia. Entre 2012 e 2018, enviou ao menos cinco denúncias sobre o comportamento de agentes de segurança ao Ministério Público da Bahia. O jovem chegou a ser processado por calúnia por policiais e foi condenado a prestar serviços sociais por três meses. 

"Pedro fazia coisas que incomodavam esse pessoal [policiais]. Ele fazia denúncias no Ministério Público e nas redes sociais. Dois meses antes de ser assassinado, a polícia invadiu a casa dele e prenderam por tráfico, porque ele tinha cinco pés de maconha em casa. Menos de 24 horas depois, o juiz entendeu que ele não tinha as características de traficante, e os policiais foram advertidos por abuso de autoridade", relembra Ana Maria Cruz, 58, mãe de Pedro Henrique. 

Até que no dia 27 de dezembro de 2018, pelo menos três homens invadiram a casa do pai de Pedro em busca do rapaz. O idoso, então com 68 anos, foi obrigado a levar os executores à casa do filho. Por volta das 3h da manhã, os atiradores entraram na casa da vítima e o mataram com oito tiros, no pescoço e rosto.

"O pai de Pedro ouviu tudo, mandaram ele ficar na esquina. Até hoje, ele não consegue dormir direito. Acorda todos os dias às 3h da manhã, mesmo horário em que Pedro foi assassinado", diz Ana Maria. 

O crime foi investigado pela Polícia Civil que, em 2019, indiciou os policiais Bruno de Cerqueira Montino, Sidnei Santana Costa e José Carlos dos Santos pela execução. Os dois primeiros foram apontados, seis anos antes, como os torturadores de Pedro Henrique. A reportagem não conseguiu localizar a defesa dos suspeitos.

Morosidade

De início, parecia que o processo na Justiça não seria demorado, mas seis anos após o crime, os suspeitos não foram julgados. Isso porque o Ministério Público da Bahia não ofereceu denúncia à Justiça e nem optou pelo arquivamento do caso.

Questionado sobre a lentidão, o MP-BA disse que “aguarda a conclusão de exames periciais pelo Departamento de Polícia Técnica (DPT)”. Ambos os órgãos foram questionados sobre quais são esses exames, mas não responderam.

O advogado e professor de criminologia Marcelo Duarte avalia que há inércia dos órgãos públicos diante da demora em solucionar o caso. “É preciso saber do que se trata essa perícia. Se for um comparativo de balística, por exemplo, é mais complexo. Mas, se a perícia foi solicitada lá atrás, deveria durar, no máximo, um ano”, diz.

Enquanto o crime continua sem solução, familiares de Pedro Henrique e entidades da sociedade civil não desistem de lutar por justiça. “O Estado nos deve essa resposta. Já se passaram cinco anos, quase seis. O crime parecia ter uma solução rápida devido ao histórico de perseguições que ele sofria e pelo reconhecimento dos autores”, diz a mãe de Pedro Henrique.

Ela foi processada pelos policiais militares indiciados pelo assassinato de seu filho pelos crimes de calúnia e difamação. Eles solicitaram indenização de R$ 70 mil. Cinco processos foram arquivados e dois estão em aberto, segundo Ana Maria. 

A Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE) presta assistência jurídica à família de Pedro Henrique. "Ao longo do tempo, o número de processos contra a genitora da vítima foi aumentando. Ela foi recebendo novas intimações de ações ajuizadas por outros policiais, inclusive, investigados pelo homicídio de Pedro. A partir daí, a Defensoria percebeu que poderia haver uma correlação entre a investigação pelo assassinato e os processos ajuizados", explica a defensora pública Valéria Teixeira.

A Caminhada da Paz continua acontecendo em Tucano, e é um marco anual da morosidade das instituições em solucionar o crime. A última edição aconteceu no domingo (14). “A sensação é de impotência diante de tanto descaso das autoridades que estiveram à frente das investigações. Os criminosos seguem suas vidas normalmente e impunes. A vida de Pedro ainda pulsa, e nós não vamos permanecer calados”, desabafa Ana Maria. 

Caminhada da Paz, organizada por Pedro Henrique, continuou acontecendo após a sua morte
Caminhada da Paz, organizada por Pedro Henrique, continuou acontecendo após a sua morte Crédito: Reprodução

Na próxima terça-feira (16), a organização não governamental Anistia Internacional (AI), presente em mais de 150 países, vem a Salvador debater o tema junto ao MP-BA. A reunião, marcada para 11h, na sede do Ministério Público, terá a presença do Procurador-Geral de Justiça Pedro Maia, que tomou posse do cargo em 1º de março. Em fevereiro do ano passado, a AI participou de uma reunião com integrantes do Governo do Estado.

“Em fevereiro do ano passado, integrantes do Governo do Estado se comprometeram a cumprir uma série de compromissos, que não foram cumpridos. Principalmente o de agir para que a polícia não matasse. Não é à toa que, nesse período, a Bahia virou campeã em números absolutos de letalidade policial”, denuncia Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional.

Sem respostas

A reportagem buscou diversos órgãos do Estado que possuem relação com o caso, mas, a maioria deles sequer respondeu às perguntas, ou se esquivou das respostas. O Departamento de Polícia Técnica (DPT) foi questionado, através da assessoria de imprensa, sobre o teor e a demora em fornecer os laudos periciais que o Ministério Público diz aguardar. Não houve resposta.

A corregedoria da Polícia Militar foi perguntada sobre a atual situação dos três policiais (Bruno de Cerqueira Montino, Sidnei Santana Costa e José Carlos dos Santos) indiciados pelo crime, em 2019. O órgão solicitou que os questionamentos fossem enviados à Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP). A pasta foi acionada, mas não respondeu a solicitação enviada por e-mail.

A Polícia Civil foi perguntada sobre quando o inquérito foi encaminhado ao MP-BA, mas também não se manifestou. Já o Ministério Público enviou uma nota sobre o caso (veja abaixo), mas não detalhou quais são os exames periciais e nem disponibilizou um porta-voz que explicasse a demora em apresentar denúncia à Justiça.

“O Ministério Público estadual informa que tem procedimento investigatório criminal em andamento, que no momento aguarda a conclusão de exames periciais pelo Departamento de Polícia Técnica (DPT). Os resultados das perícias são indispensáveis para a análise e posicionamento final sobre a morte de Pedro Henrique. O MP recebeu o inquérito policial e as informações trazidas nele estão sendo consideradas na análise. Trata-se de uma investigação complexa, que com o surgimento de novos elementos precisou ser prolongada. O MP investiga o caso por meio da atuação conjunta do Grupo Especial Operacional de Segurança Pública (Geosp) e da 2ª Promotoria de Justiça de Tucano. Criado em 2021, o Geosp é uma unidade especializada, voltada para atuar nos casos mais complexos e de maior relevância quanto ao controle externo da atividade policial, em apoio aos promotores da capital e do interior. No momento, não serão concedidas entrevistas sobre o caso.”