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A vida com R$ 40 por dia: como baianos em situação de rua sobrevivem

Homens em situação de extrema vulnerabilidade fazem 'bico' e recorrem a esmolas para ter o que comer

  • Foto do(a) author(a) Larissa Almeida
  • Larissa Almeida

Publicado em 25 de abril de 2025 às 05:30

Bahia tem mais de 14 mil famílias em situação de rua Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Na Bahia, um total de 14.705 famílias vivem em situação de rua, de acordo com dados mais recentes do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). Quem lida com as diversas faces do abandono recorre a ‘bicos’ para sobreviver. Há quem se dedique à reciclagem, a descargas de caminhões e, quando nada funciona, a pedir esmolas. No final da contagem dos ganhos do dia, a média do que fica é estimada em R$ 40. O valor é quase 20% menor em relação ao ganho médio diário de quem se sustenta com um salário mínimo.

Atualmente, um trabalhador brasileiro contratado só pode ganhar a partir do salário base, definido em R$ 1.518. Na Bahia, essa quantia já é considerada insuficiente pela maior parte da população. “Só a cesta básica, em Salvador, está em torno de R$ 630. Se acrescentarmos o valor do aluguel, gás a R$ 100 e transporte, o salário mínimo é muito abaixo do necessário para sustentar uma pessoa ou uma família. O salário mínimo necessário para viver com dignidade, é em torno de R$ 7 mil, segundo cálculo do Dieese em março”, aponta o consultor financeiro Raphael Carneiro.

Para quem não tem trabalho, casa ou um meio para se locomover, ganhar abaixo do salário base reflete a falta de dignidade a que são submetidas as pessoas em situação de rua. Uma parcela dessas pessoas, que conseguem ser atendidas pelo estado, tem acesso a R$ 600 pelo Bolsa Família mensalmente, o equivalente a R$ 20 por dia.

Esse é o caso de Alex de Carvalho, 32 anos, que vive nas ruas da Baixa de Quintas há um mês. “Eu ganho o Bolsa Família e estou sem trabalhar. Preferi pagar as dívidas do cartão de crédito a ter uma casa, mas tenho expectativa de sair daqui em um ano. Quero levantar capital de giro e voltar a trabalhar. Meu sonho é que minha empresa de construção civil um dia dê certo”, diz.

Carlos Augusto Nascimento Santos, 37, trabalha com reciclagem nas imediações da Praça da Mãozinha, no Comércio, onde vive com a família nas ruas há cerca de 15 anos. Ele conta que consegue faturar R$ 15 a R$ 20 por dia com a reciclagem, mas que é obrigado a complementar a renda com outros bicos e com esmolas, uma vez que não conseguiu auxílio do governo.

“Às vezes, vendo a comida que compro no Restaurante Popular para sobreviver. As vagas de trabalho são poucas e eu não vou mentir, já fui preso. Nós, pretos, já somos muito discriminados. Quando vamos colocar currículo, veem a passagem e fica mais difícil ainda. Ninguém quer, mas eu sigo tentando. Descarrego caminhão de sal, trigo, o que for. Eu quero viver digno”, frisa.

Thiago Lima Reis, 42, saiu de São Sebastião do Passé quando era jovem por desavenças com a família. Em Salvador, não conseguiu emprego, se tornou dependente químico e já tem pelo menos uma década vivendo nas ruas. Antes, na Boca do Rio. Hoje, na Ladeira de Santana, em Nazaré, onde ganha a vida através do que encontra no lixo.

“Eu reciclo e, quando aparece alguns bicos, eu faço, como colocar areia para dentro de uma casa ou jogar entulho fora. No meu melhor dia, ganho R$ 300. No dia mais fraco, R$ 70. Tudo depende do dia, porque na reciclagem é preciso encontrar coisas boas, não é só a lata e a pet. Às vezes, encontro celular, caixa de som. Hoje mesmo, encontrei corrente e mochila, tudo do lixo”, relata.

A vida nessas condições, sem que essas pessoas tenham o básico, sinaliza uma sequência de abandonos, conforme analisa a advogada, pesquisadora e escritora Eugênia Fernandes Bengard, autora do livro ‘QUEM TEM CASA É CARACOL: população em situação de rua em Salvador e o conceito jurídico de moradia’.

“Não se trata apenas de desavenças familiares ou do uso de substâncias, mas de um acúmulo de omissões e rejeições por parte da sociedade e do Estado. O abandono familiar é, de fato, a camada mais imediata e visível, mas nem sempre a mais determinante. Existem muitos relatos de conflitos familiares [...] e, quando olhamos com cuidado, percebemos que essas famílias também estão em situação de vulnerabilidade”, aponta.

No caso do abandono social, o que fica evidente é a invisibilização dessas pessoas e o preconceito. Por parte do Estado, o modus operandi é outro. “O abandono estatal é caracterizado pela escassez de políticas públicas eficazes e por uma negligência institucional que, frequentemente, reproduz práticas preconceituosas e racistas, dificultando o acesso pleno aos direitos básicos”, afirma Eugênia.

Ela acredita que para reverter esse quadro e para que os baianos em situação de rua consigam recuperar a dignidade e a cidadania, é preciso atuar na proteção a essas pessoas de maneira mais eficaz. “[Isso envolve] a construção de políticas públicas efetivas, duradouras e mais condizentes com a realidade de uma população que é heterogênea em suas características. A inclusão dessa população no processo de construção é o que permitirá acertarmos na efetivação de direitos”, finaliza.