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Nilson Marinho
Publicado em 1 de julho de 2025 às 05:00
O que torna uma trilha difícil e perigosa? Para quem tem pouca ou nenhuma experiência em desbravar esses percursos, é preciso ter em mente que a dificuldade não está apenas na distância. Uma trilha, por exemplo, pode ser curta, com poucos quilômetros, e ainda assim exigir um esforço físico considerável do caminhante, um preparo que nem sempre ele tem. >
O que pode pesar são os obstáculos que elas impõem ao corpo e à mente, em casos de tomadas rápidas de decisão e superação do medo, além da segurança do trilheiro, que nunca, frisamos, nunca, deve se aventurar sem ajuda de um guia. O CORREIO ouviu esses profissionais experientes que atuam ao longo do Parque Nacional da Chapada Diamantina, região que concentra as mais longas, íngremes e altas trilhas da Bahia. >
Todos foram unânimes: antes de calçar as botas e colocar a mochila nas costas é preciso analisar o terreno da trilha em que se quer pisar. Pedras desgarradas, íngremes ladeiras, pisos desnivelados, trechos de lamas e erosão podem levar a um grave acidente que, muitas vezes, podem custar a vida, quando não se tem profissionais preparados ao lado para lidar de forma rápida e consciente com a situação.>
Além disso tudo, o desnível é outro grande ponto a ser observado. Descidas escorregadias, longas subidas e mudanças bruscas de altitude exigem fortes articulações, fôlego de atleta e concentração. Sem contar as mudanças repentinas dos volumes da água, com as trombas, que podem transformar um passeio em situação de emergência.>
Cachoeira da Fumaça>
São mais de 300 metros de queda, o que faz dela uma das mais altas cachoeiras do Brasil. A água que despenca do seu topo parece querer rasgar o ar em dois, enquanto o vento que sopra da altitude espalha uma névoa branca que justifica seu nome: A Cachoeira da Fumaça. Mas para alcançar essa beleza colossal é preciso enfrentar difíceis e perigosas trilhas que podem ser feitas por baixo ou acima da queda.>
São poucos os que enfrentam o percurso por baixo. O solo acidentado, o acesso por dentro de cânions e trechos com pedras que aparentam serem desenhadas para confundir os trilheiros mais experientes, criam um cenário desafiador. Não por acaso, ali já aconteceram graves acidentes.>
“Passa também por algumas quedas d'água, sempre por leitos de rio, e dependendo da estação, está sujeita a trombas d'água, aumentando o nível de risco. Há algumas bifurcações nesse trecho, inclusive na trilha do 21, onde ocorreu o último acidente fatal, excluindo casos de suicídio: um espanhol acabou se perdendo, tomou uma bifurcação errada e estava sozinho”, lembra o guia Erialdo Oliveira Ribeiro, que possui aproximadamente 17 anos de experiência na região da Chapada Velha, nos pontos mais altos do Nordeste.>
Guias>
Ignorar a recomendação de contratar um guia pode custar caro. Muitos, pela segurança de já terem feito trilhas antes, se aventuram confiando apenas na vã ilusão de que só coragem e GPS são suficientes. Mas na Chapada, onde a natureza muda com as chuvas e onde a próxima bifurcação pode levar ao nada, cada passo exige responsabilidade.>
“Temos trilhas bem complicadas onde é super importante estar com o guia local, que é a trilha da Cachoeira da Fumaça por baixo, que fica em Vale do Capão, Fumacinha fica aqui em Ibicoara, e também o trek do Vale do Pati, que é um dos treks mais procurados, que é muito recomendado ter um guia por conta da dificuldade de acesso e também para garantir a segurança. O papel do guia não é só mostrar a trilha. O papel de um guia hoje é cuidar da segurança do turista, até porque o guia precisa conhecer, ter conhecimento do lugar, da área e ter também experiências e cursos que capacitem ele para estar pronto caso precise utilizar os primeiros socorros”, comenta Jielze Ribeiro Novaes, guia em Ibicoara.>
Ele lembra que a trilha da Fumacinha é uma que exige muita atenção e técnica, já que possui cerca de 9 km só de ida, o que não faz dela uma trilha qualquer. O seu percurso, diz o guia, é feito principalmente pelo leito do rio, o que deixa tudo mais técnico e desafiador.>
“Anda-se entre os paredões que têm aproximadamente 300 metros de altura cada um, e a trilha percorre o caminho entre as montanhas. Durante o percurso, são 4,5 km até a chegada na Fumacinha, onde há muita dificuldade devido às pedras. As pessoas reclamam bastante porque as pedras são escorregadias, é preciso atravessar o rio e usar calçado adequado. Geralmente, acabam se machucando devido à falta de conhecimento, até mesmo sobre a caminhada”, diz Novaes.>
Ainda segundo ele, o resgate de uma pessoa naquela região mobiliza de 20 a 25 guias locais, que são os mais preparados para essa missão, já que, por lá, diferente de outras cidades, não há profissionais do Corpo de Bombeiros. A cada dois anos, afirma, os guias fazem reciclagem de cursos para estarem prontos para atuar nessas áreas de risco.>
Quando questionado sobre as trilhas mais pesadas da região, Ednei Medrado, da Mucugê Adventure, responde sem titubear: Fumacinha, Fumaça por Baixo e Vale do Pati. “A Fumacinha é uma trilha de um dia, então para um dia é uma das trilhas mais difíceis, com risco de queda, esforço físico muito grande, além de muitas pedras escorregadias.>
A Fumaça por baixo é uma trilha bem complicada, não é para todo mundo. O trek do Vale do Pati tem algumas partes razoáveis, mas o vale todo é trilha pesada, trilha complicada. O trek do Vale do Pati tem duração de 3, 4 dias, e é uma trilha que exige técnica e cuidado maiores”, pontua.>
E não é só o corpo que deve estar pronto, de acordo com o guia, equipamentos de proteção individual, lanterna, fogareiro, kit de primeiros socorros, capa de chuva, também são indispensáveis. Segundo Ednei, é comum que visitantes subestimem o percurso. Ele lembra de um caso de uma idosa que se perdeu com o seus filhos. O resgate da família, que começou às 10h, durou até a madrugada.>
“No dia 26 de março teve uma família, uma senhora de uns 78 anos, mais ou menos, com seus dois filhos, uma filha e um filho, que foram fazer uma trilha considerada fácil, sozinhos. Eles conseguiram fazer a trilha, mas na volta, achando que estavam perdidos, decidiram voltar pela trilha de novo. Chegando lá, não passaram pela cachoeira, pularam o rio e acharam uma nova trilha, subiram para o meio da serra. A gente mobilizou uma equipe da associação dos guias nativos, juntamente com o bombeiro civil, que estava dando apoio, e mais duas pessoas que foram nesse apoio com a gente. Quando conseguimos localizá-los, já era meia-noite. Trouxemos eles para o carro por volta de meia-noite e meia”, relembra.>
Corpo de Bombeiros>
Na avaliação do Tenente do Corpo de Bombeiros Militar da Bahia, Serisvan Amorim, algumas trilhas da Chapada Diamantina apresentam riscos maiores por causa do relevo, do clima e do fluxo intenso de turistas. Entre as mais perigosas, de acordo com ele, estão a Trilha da Cachoeira da Fumaça por baixo, a Trilha do Mixila, que inclui cânions e travessias de rio, e o Vale do Pati, especialmente trechos como o Morro do Castelo e o Cachoeirão por baixo. Ele alerta ainda para trilhas que passam por cavernas, onde a geografia complexa exige ainda mais cuidado.>
Embora o Corpo de Bombeiros não disponha de dados exatos sobre todas as regiões do estado, a Chapada Diamantina concentra o maior número de chamados de resgate, sobretudo devido à sua popularidade e complexidade das trilhas.>
Entre os incidentes mais comuns estão entorses e fraturas nos tornozelos e joelhos, quedas em locais íngremes e casos de desorientação ou turistas perdidos. Muitos desses acidentes acontecem porque os visitantes subestimam a dificuldade do trajeto, não têm preparo físico adequado ou não contam com a companhia de guias experientes.>
“Há um aumento nos chamados em dois períodos do ano: meses chuvosos: principalmente junho e janeiro, quando há maior risco de cabeças d’água, escorregamentos, e alta temporada turística: como nos feriados prolongados e nos períodos de férias, em que o fluxo de visitantes na região da Chapada Diamantina é mais intenso e consequentemente aumenta a exposição de pessoas aos riscos e também a materialização dessas ocorrências. As chuvas tornam o solo escorregadio e ampliam os riscos de queda”, completa.>
O tenente bombeiro Serisvan Amorim, do 11º Batalhão da Chapada Diamantina, conta que as operações de resgate na região exigem alto preparo técnico e resiliência. Ele lembra um caso recente no Morro do Castelo, no Vale do Pati, em que a equipe precisou interromper o resgate e passar a noite na trilha por causa do mau tempo. Só na manhã seguinte, com a melhora das condições, conseguiram alcançar a vítima e realizar o transporte até o helicóptero, que veio de Salvador.>
“Outra ocorrência complexa foi a de uma jovem que sofreu uma torção no tornozelo e tinha uma suspeita de fratura no membro. E devido ao mau tempo, tanto em Salvador como na região do Vale do Pati, a aeronave de resgate não pode operar. Neste caso, a vítima precisou permanecer sob cuidados prolongados da guarnição do Corpo de Bombeiros, junto com moradores locais, até a melhora do tempo na região de modo a favorecer a sua retirada. Esses episódios mostram o alto nível técnico e o comprometimento das equipes, que atuam mesmo em condições extremas para proteger vidas das pessoas que visitam à Chapada Diamantina”, finaliza.>