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Marcos Felipe
Publicado em 27 de julho de 2023 às 20:51
Chegou a 10 o número de mulheres que denunciaram à polícia ter sido vítimas de crimes contra a dignidade sexual cometidos pelo ginecologista Elziro Gonçalves de Oliveira, de 71 anos, durante consultas médicas em Salvador. As situações teriam ocorrido em períodos e clínicas diferentes, e as mulheres se sentiram encorajadas a denunciá-las após ter vindo à tona a situação mais recente, que envolveu outra mulher, de 43 anos. Ela foi atendida pelo profissional no centro médico do plano Caixa de Assistência dos Empregados do Baneb (Casseb), no bairro de Brotas, em 16 de junho, e registrou o caso no último dia 11.>
Os 10 registros foram confirmados à reportagem pela Polícia Civil (PC), que informou que as investigações estão a cargo do Departamento de Proteção à Mulher, Cidadania e Grupos Vulneráveis, por meio da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) em Brotas, que assumiu os casos e realiza as providências de polícia judiciária cabíveis, inclusive a marcação de oitivas. "A Polícia Civil da Bahia salienta, por fim, que a Deam de Brotas está à disposição de outras eventuais denunciantes", conclui a nota. >
No entanto, dessas 10 ocorrências, apenas quatro também foram levadas, pelas vítimas, ao Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb) até agora, segundo o próprio órgão. "Em decorrência da disposição prevista no Código de Processo Ético-profissional, esclarecemos que todos os processos na autarquia federal tramitam em sigilo processual e, havendo sanções públicas transitadas em julgado, serão disponibilizadas para conhecimento da sociedade", afirma o Cremeb.>
Relatos das vítimas>
Entre as três denunciantes que conversaram, em anonimato, com o CORREIO, a que mais recentemente passou por situações consideradas crimes sexuais foi a comunicóloga Suzana (nome fictício), de 24 anos. Ela era paciente de Elziro na clínica CAM, no Itaigara, desde 2020 e, em 2021, sentiu dois toques que a deixaram desconfortável. A jovem, porém, entrou em estado de negação e se manteve em silêncio. Foi numa nova consulta, no ano passado, que ela se deu conta de que o desconforto tinha fundamento.>
"Fui ao consultório dele apenas para solicitar o requerimento de exames; não houve exame físico. Mas, do momento que eu sentei na cadeira até o momento que saí, ele não tirava os olhos de meus seios. Ficou os cerca de 15 minutos da consulta olhando fixamente", recordou Suzana. Ao fim do atendimento, o suspeito, então, teria pedido que ela abaixasse a máscara que usava, a fim de ver seu rosto.>
"Eu me neguei e disse que não iria tirar, por causa da Covid, e ele adotou uma postura extremamente agressiva, pedindo que eu tirasse e [dizendo] que era besteira minha e que ele não estava com Covid. Eu continuei negando e fui embora", contou ela, que registrou queixa na ouvidoria da clínica. "Cerca de três dias depois, eles [a unidade] retornaram falando que haviam investigado e que esse não era o comportamento do médico, que ele era antigo na casa e que eles queriam me oferecer uma consulta gratuita com qualquer outro médico, para reverter a situação. Um total descaso com o ocorrido comigo", lamentou a jovem.>
Em contato com a CAM por telefone, a reportagem foi informada de que a assessoria de comunicação da clínica já tinha encerrado o expediente e, por isso, poderia atender a solicitação somente a partir desta sexta-feira (28) pela manhã.>
Já a técnica de enfermagem Rebeca (nome fictício), 47, assim como a maioria das vítimas cujos casos vieram a público, era atendida por Elziro na Casseb, em Brotas. Segundo a mulher, o tratamento lhe dado nas consultas antes de ela ter se divorciado do esposo era um e, depois do divórcio, passou a ser outro. "Fui fazer um preventivo entre 2017 e 2018, quando já estava divorciada. Enquanto estava sendo examinada, ele falou: 'Como uma mulher bonita e gostosa está sem namorado?!'", relatou a técnica de enfermagem.>
Rebeca estranhou o comentário, que foi seguido de outros, como se ela "sabia onde era seu 'ponto G'" e se já tinha praticado sexo anal. Diante do silêncio da paciente, o suspeito teria perguntado se ela "gostaria que ele lhe masturbasse". "Então, eu falei, num tom mais alto, que 'não'", relembrou a vítima. Tensa, ela se sentou na maca. "Ele deve ter percebido e me fez uma massagem nos ombros, dizendo para relaxar, porque 'o que acontece no consultório ginecológico fica no consultório'", detalhou a mulher, que não retornou à clínica para buscar o resultado do exame. Por medo e vergonha, ela veio a denunciar o caso apenas neste mês.>
Também em atendimento na Casseb, a auxiliar administrativa Queila (nome fictício), 56, afirma ter sido vítima do ginecologista há 12 anos, em julho de 2011 — apesar do longo tempo passado, as memórias do que aconteceu durante as revisões de cirurgia permanecem bem vivas. "Convivi com essa angústia e medo esses anos todos", desabafou, muito nervosa.>
Queila teve sua intimidade invadida pelo suspeito com perguntas relacionadas a frequência e práticas sexuais e sobre o 'calibre' do pênis de seu esposo. Em conversas com o próprio cônjuge e com um colega de trabalho, a mulher foi vista sob desconfiança e orientada a ficar em silêncio e buscar outro profissional. Apenas nos últimos dias, ela levou o caso à polícia e ao Cremeb. "Tive coragem de denunciá-lo porque tinha ouvido dizer que a paciente [que fez a primeira denúncia] estava mentindo", explicou.>
A defesa de Elziro Gonçalves de Oliveira foi procurada, mas não deu retorno à reportagem até o momento desta publicação.>
Casseb diz estar apurando as acusações>
Por meio de nota, a Casseb comunicou que "tomou conhecimento de denúncia de assédio sexual e conduta abusiva contra um profissional que atende no Centro Médico Casseb (CMC) no dia 04 de julho de 2023" e que, "nesse mesmo dia, determinou à Coordenação Médica que iniciasse a apuração do caso". Foi formada uma comissão de investigação, composta de duas médicas e uma assistente social da unidade, com o apoio do setor jurídico.>
Após a referida data, a comissão recebeu outras duas denúncias contra o profissional: uma formalizada em sua sede, e a outra feita por telefone. Conforme a Casseb, a primeira paciente denunciante não compareceu à clínica para ser ouvida pela Coordenação Médica, apesar de ter marcado três datas diferentes (6, 13 e 17 de julho).>
"A comissão ouviu o médico sobre esse caso no dia 06 de julho e enviou oficialmente à paciente um pedido para ouvi-la. No dia 20 de julho, ouviu a segunda denunciante e, no dia seguinte, 21/07, convocou o médico para ouvi-lo acerca dessa nova denúncia", diz um trecho da nota emitida.>
Ainda de acordo com o centro médico, o acusado está afastado das atividades "por tempo indeterminado enquanto transcorre a investigação interna", e um novo posicionamento será tomado após essa etapa. Em comunicado enviado à unidade, ele informou que voltará a prestar esclarecimentos após saber o teor das queixas feitas à polícia. >
"A Casseb salienta que o resultado da apuração interna feita pela Coordenação Médica será encaminhado às autoridades competentes, para procedimentos cabíveis, e que seu Departamento Jurídico já foi orientado a se certificar de investigações que estão ocorrendo no âmbito do Conselho Regional de Medicina (Cremeb) e da Polícia Civil", finaliza o texto.>