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Thais Borges
Publicado em 9 de dezembro de 2023 às 05:00
A confirmação veio na segunda-feira (4): os sintomas que a fisioterapeuta Rita de Cássia Santana, 39 anos, sentia há dois dias eram mesmo de covid-19. Dores de cabeça e no corpo, muito cansaço, congestão nasal, dor de garganta e sintomas gastrointestinais. "Fiquei bem surpresa. Eu não imaginei que fosse covid", conta a fisioterapeuta, que no começo chegou até a imaginar que tivesse uma infecção intestinal. >
Ela não chegou a perder o paladar, mas sentiu uma alteração. Ao se consultar com uma médica, a profissional recomendou que fizesse o teste de covid-19. "Não tenho ideia de como me infectei", acrescenta Rita, que teve a doença em outros dois momentos - em 2021 e em 2022. Dessa vez, porém, o quadro foi bem mais leve. >
Rita tomou quatro doses da vacina e pretende tomar a bivalente nas próximas semanas. "Da primeira vez, fiquei muito mais debilitada. Tive muito mais fadiga, muito mais dor de cabeça, muito mais prostração, mais sintomas de congestão nasal. Hoje, é um pouquinho de fadiga, um pouco de congestão nasal e alteração no paladar". >
Os relatos como os de Rita têm crescido tanto entre pacientes quanto nos consultórios. Dezembro chegou com confraternizações, férias escolares e uma nova onda de casos de covid-19 - que, na maioria dos casos, se apresenta justamente com sintomas gripais. Na verdade, desde novembro, há aumento de casos de covid no Brasil e na Bahia. >
No último boletim do painel InfoGripe, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), divulgado na semana passada, o país já aparecia com variedade de cenários - estados em que há tanto crescimento quanto estabilidade. A Bahia, contudo, é um dos estados em que tem havido aumento. >
Algo, porém, chama a atenção: é o terceiro ano consecutivo em que há aumento de diagnósticos de Sars-cov-2 entre novembro e dezembro. Em 2021, havia uma crescente de ocorrências da doença, com o pico entre o final de dezembro e o início de janeiro seguinte - foi a primeira onda da variante ômicron original. Em 2022, foi a mesma coisa. Em pleno dezembro, houve aumento de notificações e o Conselho Nacional de Saúde chegou a recomendar a manutenção de medidas protetivas. >
Agora, o cenário se repete. Entre os dias 6 de novembro e 6 de dezembro, a Bahia teve mais de 20,7 mil notificações de casos suspeitos de covid-19: desse total, quase metade (49,48%) realmente era do vírus. O índice de positividade é um dos aspectos que pode guiar as autoridades de saúde quanto a uma nova onda da doença. >
Só na primeira semana de dezembro, foram mais de 3 mil notificações, com 46% de positivos confirmados (44% descartados e pouco mais de 9% ainda em investigação). Em termos de comparação, exatamente seis meses antes, entre 6 de maio e 6 de junho, prestes a começar o inverno no país, foram 15 mil notificações no estado, mas apenas 15% de positivos. Um mês depois, entre junho e julho, das 12 mil suspeitas, somente 12% realmente se confirmaram como covid-19. >
Mas o que explica essa alta de casos, sempre no fim de cada ano? Segundo a biomédica Mellanie Fontes-Dutra, doutora em neurociências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professora da escola de saúde da Unisinos, há mais de um fator envolvido. O primeiro deles é a mobilidade, que aumenta nesse período do ano. >
"As pessoas passam a procurar mais por viagem, é um período mais próximo das férias. Isso é bem importante para os vírus respiratórios, porque esse cenário de mobilidade favorece novos contatos", explica ela, que é coordenadora da Rede Análise. "Quando chega no fim do ano, a pessoa pode acabar em um cenário de alta transmissão e acabar se infectando novamente". >
Imunidade>
Outro aspecto é o tempo de duração entre as doses das vacinas. Quem tomou a última dose no início deste ano, por exemplo, já teria a imunidade contra a infecção diminuindo mais rapidamente, ainda que a proteção contra a doença grave continue. >
"Depois de algum tempo, o anticorpo vacinal cai e, obviamente, entrando uma nova variante, um grupo de pessoas vai estar mais exposta. A pessoa se torna suscetível, mas suscetível em parte, porque a gente está vendo uma mortalidade bem menor. Obviamente estamos vendo internação, dispneia (falta de ar), mortalidade, mas menor do que nos anos iniciais da pandemia", explica o epidemiologista Eduardo Martins Netto, doutor em Medicina Interna e professor do programa de pós-graduação em Medicina e Saúde da Universidade Federal da Bahia (Ufba). >
De acordo com o painel de informações sobre covid-19 da Secretaria da Saúde da Bahia (Sesab), nos últimos 30 dias, foram registradas 73 mortes pela doença no estado, em 47 municípios - uma média de 2,4 óbitos por dia. Do total, 80% eram pacientes com alguma comorbidade. >
No entanto, os números reais de infectados podem estar sendo prejudicados por uma testagem abaixo da ideal. Não é incomum que pessoas com sintomas gripais associem o quadro a uma gripe, resfriado ou mesmo a alergia - e deixem de fazer o teste para covid-19. >
Para o epidemiologista, não seria bem uma resistência a testar, mas uma barreira. "Se alguém não manda e você faz o movimento de ir à farmácia e pegar os seus R$ 60 ou ir num posto de saúde, não testa. O medo da morte que existia na pandemia está sendo diminuído, então a transmissão inaparente é mais frequente", avalia. >
Antes, até pelo estágio da pandemia, fazer um teste era mais fácil - seja na rede pública, seja na privada. "Agora, tem que buscar um posto específico, uma farmácia específica e não existe a pressão da sociedade. O que falta é um pouco mais de consciência de que não só covid, mas outras doenças como gripe e até resfriado se transmite pela via aérea. Se eu tenho uma reunião, um encontro qualquer, eu não preciso me sentir estranho ao utilizar máscara. Eu preciso me sentir estranho se eu não utilizar e estiver sintomático, tossindo ou espirrando na cara dos outros", enfatiza Martins Netto. >
Sintomas>
No início de novembro, a professora Ana Maria Santos, 56, se infectou depois de entrar em contato com uma pessoa próxima da família. Teve coriza, garganta inflamada e sentiu dores no corpo, mas não chegou a ter febre. Ela se encaixa no cenário de quem tem um intervalo de tempo maior entre as doses de vacina - sua última havia sido a terceira, em maio do ano passado. Em julho de 2022, dois meses depois, ela teve covid pela primeira vez, mas com sintomas leves. "Raramente tenho sintomas gripais, então fiz o teste e me recolhi voluntariamente para evitar contaminar outras pessoas. Tenho visto muitas pessoas com sintomas gripais e alguns positivos para covid", diz. >
De acordo com o médico infectologista Victor Castro Lima, doutor em Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Universidade de São Paulo (USP), a maioria dos casos agora são leves. Em geral, os sintomas são gripais, assim como já acontecia desde o começo da circulação da ômicron, entre o fim de 2021 e o início de 2022. >
Os poucos casos graves são de pessoas que não completaram o esquema de vacinação, principalmente as que não têm nenhuma dose, além de pessoas com comorbidades, especialmente doenças onco-hematológicas ou pessoas muito idosas. "Dentro da covid, a gente começou a falar em super idosos, que é esse grupo de pessoas com mais de 80 anos e que têm menos resposta à vacina. Mas não é nada nem perto do que a gente viveu em 2020 e 2021", explica. >
Quando há aumento de casos, começa também a crescer a procura pela vacina. Assim, quem se vacina agora terá uma proteção contra infecção por cerca de seis meses até ela começar a cair gradualmente. “É possível que um dos fatores que contribua seja essa redução da capacidade imunológica das vacinas que acaba coincidindo com os períodos de final de ano, de férias, momentos de descontração e contato mais próximo”. Por isso, a recomendação dele é manter a caderneta de vacina atualizada também agora. >
Aos 85 anos, a dona de casa Amélia Queiroz teve covid na segunda quinzena de novembro. Ela começou a sentir o corpo um tanto diferente, mas não entendia o motivo. Até que, no dia 20, precisou ficar deitada na cama. “Deitei na cama, me enrolei e minha filha chegou. Ela me levou na emergência e lá, fiz o teste de COVID e a tomografia. Mas me mandaram para casa porque o pulmão estava limpo”, conta. >
Depois de passar uma semana em isolamento, ela se recuperou por completo. “Não imaginava que pudesse ser covid. Se eu não tivesse ido para a emergência, ia dizer que tive uma gripe muito forte, porque tive febre, frio, garganta inflamada. Não saio daqui, não sei como peguei”, completa.>
Variantes>
Outro ponto a se considerar é que as variantes em circulação continuam muito transmissíveis. Atualmente, a maioria dos vírus identificados na Bahia - e no resto do país - são subvariantes da cepa ômicron, que se tornou dominante no mundo desde o ano passado. Aqui no estado, de acordo com a Rede Genômica da Fiocruz, foram identificadas as sublinhagens JD.1.1, GK.1 e HK.3. >
"As versões mais atuais da diversificação da ômicron têm essa característica de alta transmissibilidade. Então, uma coisa vai tomando a outra. Em um período de alta transmissibilidade com variantes transmissíveis favorece o aumento", explica Mellanie Fontes-Dutra, da Rede Análise. >
A empresária Isabela*, 31, está no grupo dos coincidentes: foi infectada pela covid-19 tanto no final do ano passado, no fim do mês de novembro, quanto este ano, na primeira semana de dezembro. Ela fez um teste no último dia 2, depois de ter tido febre de 38,9ºC. “A última vez que uma febre minha chegou tão alta foi no ano passado, justamente na minha outra covid”, lembra. >
Isabela teve os primeiros sintomas dois dias depois do filho, que tem 1 ano e seis meses. “Do nada, no fim da tarde, ficou molinho, com febre e reclamando muito com a mão na cabeça, como se estivesse com dor de cabeça. Na mesma noite, dormiu agarrado em mim. Na sexta, a febre dele continuou, enquanto eu já estava espirrando - mas achei que era só rinite. No sábado, ele ficou bem, já ativo e brincando, e eu que apareci com febre alta”. >
Ao perceber seus próprios sintomas, a empresária também cogitou que pudesse ser uma gripe, mas, como encontraria o sobrinho de seis meses naquele dia, preferiu ter certeza de que não era covid-19 antes de ter contato com o bebê. Nos últimos tempos, tem visto conhecidos com o mesmo diagnóstico. "Eu tenho duas famílias de conhecidos que pegaram recentemente. E, coincidentemente, todos têm filhos", conta. >
A professora Mônica Andrade, 50, foi uma das afetadas pela onda do final do ano passado. Ela teve os primeiros sintomas quando voltava de uma viagem a Gramado, na última semana do ano. Era o dia 31 de dezembro e, ainda no avião, percebeu a coriza. Como tinha seguido todo o cronograma da vacinação disponível para sua idade até ali, ela não pensou em covid imediatamente. >
No dia seguinte, porém, a coriza continuou. No dia 2 de janeiro, ela fez o teste e recebeu a confirmação. "Realmente, estava muito cheio, uma aglomeração em Gramado, porque era a última semana de dezembro, entre Natal e o Ano Novo. Eu nunca tinha visto a cidade daquele jeito e essa foi a minha décima quarta vez lá", lembra. >
Mônica nunca tinha tido a doença, nem mesmo quando cuidou dos pais infectados, em outro momento da pandemia. Para ela, foi algo atípico, justamente por ser um contexto em que as coisas já estariam mais tranquilas. “Foi a primeira e última vez que tive, graças a Deus, e não tenho visto (acontecer) ao meu redor. Tenho ouvido falar que as pessoas estão pegando, mas não tenho relato de ninguém próximo a mim”. >
Sazonalidade>
Desde o início, cientistas acreditaram que a covid-19 se tornaria uma doença sazonal, tal qual a gripe. Todos os anos, por exemplo, a vacina da gripe é atualizada com as linhagens do vírus Influenza que mais circularam em uma determinada região. >
Seria esse aumento de casos no fim do ano um indício de um período fixo para aumento de casos? "Pensar isso é uma coisa, provar é outra. Temos observado uma certa sazonalidade, mas não temos certeza. Estamos ainda com a covid, a gente não saiu dela. Ela está se transformando possivelmente nessa doença sazonal e nos livrarmos dela vai ser muito difícil, talvez impossível", pondera o epidemiologista Eduardo Martins Netto, da Ufba. >
Para a imunologista Viviane Boaventura, pesquisadora da Fiocruz, descobrir se o Sars-cov-2 tem padrões sazonais é uma medida importante para ajudar a planejar as ações de saúde pública. A partir disso, é possível pensar nas formas de prevenção anualmente, tais quais as campanhas de vacinação de reforço no mesmo período das vacinas da gripe. >
Ela reforça, contudo, que ainda não é possível determinar que a sazonalidade existe. "Os estudos na Europa e nos Estados Unidos também são contraditórios. Alguns sugeriram certa sazonalidade com aumento de casos principalmente entre novembro e abril, que são meses de outono/inverno no Norte, e outros apontam picos fora desse período. Isso também é observado para os países do hemisfério Sul, onde esse período corresponde à primavera e ao verão", explica.>
Isso ocorre justamente porque a transmissão do coronavírus segue uma dinâmica mais complexa, que pode ser influenciada por outros fatores, a exemplo do comportamento, de questões climáticas e da duração da proteção induzida, seja pela vacinação, seja pela infecção - o que também está ligado ao período em que ocorreu o surto anterior. >
Vacinação >
A vacina bivalente, disponível desde o primeiro semestre, não chegou aos braços nem de um quinto de seu público-alvo. Desde então e até a última segunda, apenas 16,5% desse grupo havia recebido essa dose em todo o estado. >
Na última quarta-feira (6), o Ministério da Saúde anunciou a recomendação de nova dose de reforço da vacina bivalente para pessoas com 60 anos ou mais e imunocomprometidos com mais de 12 anos. Nos dois casos, é necessário que as pessoas tenham recebido a última dose do imunizante há pelo menos seis meses. >
De acordo com o órgão, a medida foi tomada após a identificação de duas novas sublinhagens em circulação no país - a JN.1 e a JG.3. Detectada inicialmente no Ceará, a JN.1 é apontada como a principal razão para o atual surto de casos naquele estado. Em todo o mundo, essa variante vem ganhando proporção e já responde por 3,2% das detecções globais. >
Uma nova vacina monovalente da Pfizer está sendo analisada pela Agência Nacional da Vigilância Sanitária (Anvisa) desde agosto. O pedido da Pfizer é para atualização do registro do imunizante já aprovado e diz respeito a uma alteração: a vacina foi atualizada para a variante XBB, uma das linhagens da ômicron. Em nota, a Anvisa informou à reportagem que o processo deve ser concluído no início do próximo ano. >
“Sobre a mais recente vacina monovalente contra Covid-19, vamos incorporar assim que a Anvisa aprovar. Importante afirmar: a bivalente segue eficaz, oferecendo a mesma proteção de antes contra casos graves”, publicou a ministra da Saúde, Nísia Trindade, em seu perfil na rede social X, também na quarta-feira.>
Isso é importante porque, como explica a imunologista Viviane Boaventura, da Fiocruz, as variantes - em especial, a ômicron - fazem com que o período de proteção contra a infecção seja mais curto, ainda que a proteção contra as formas graves da doença continue sendo duradoura. >
"Por isso, tem sido observado maior risco de hospitalização para pessoas não vacinadas ou indivíduos que receberam apenas o esquema vacinal primário e não tomaram doses de reforço. Isso é especialmente relevante para idosos e imunosupressos, que já apresentam menor proteção contra infecções", diz.>
Máscara no Natal? Entenda as recomendações para as festas de fim de ano>
Em meio à alta de casos de covid-19, as confraternizações de fim de ano, assim como o Natal e Ano Novo podem requerer cuidados especiais. A biomédica Mellanie Fontes-Dutra, doutora em neurociências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenadora da Rede Análise, explica que, no atual cenário, é preciso fazer uma análise individual de risco. >
Para algumas pessoas, estar em ambientes fechados, por exemplo, vai trazer mais riscos. É o que acontece com quem tem comorbidades, por exemplo. “É importante saber quais mecanismos para aumentar essa proteção, como reforçar com uma máscara PFF2 e fazer a ventilação correta dos ambientes”. >
Mesmo ambientes abertos podem ser locais sensíveis para alta transmissão, se estiverem muito aglomerados. Nas festas, portanto, ela defende que quem estiver com sintomas gripais e não estiver se sentindo bem considere se o local para onde está indo pode ter algum membro da família com mais idade ou com doenças associadas. >
“Sei que é um momento difícil para falar dessas coisas, porque muitos de nós esperamos esse momento para esses reencontros, mas tem como fazer isso de forma mais segura. Prefiram ambientes abertos, bem ventilados, sentar em mesas separadas de quem tem mais risco para a doença”, sugere. >
A orientação do médico infectologista Victor Castro Lima também é no mesmo sentido. “Hoje, a recomendação de máscara não é mais universal. Ela é racional”. O primeiro passo, em casos de sintomas gripais, é fazer um teste para chegar a um diagnóstico. Só com essa confirmação ou não é que será possível chegar a medidas adequadas. >
“Se estiver sintomático, faça o teste e evite esses eventos. Caso realmente precise sair de casa mesmo sintomático, use máscara. E se sabidamente tiver contato com alguém que está com sintoma, que deve ser evitado, use máscara, mantenha o distanciamento e reforce a higienização das mãos”, reitera. >
O epidemiologista Eduardo Martins Netto, da Ufba, defende que esses cuidados sejam feitos sempre que houver sintomas respiratórios. Ele cita os hábitos de alguns países asiáticos, como Japão e China, que já costumavam usar máscaras em caso de gripe e resfriado mesmo antes da covid-19. >
“Usar máscara hoje é mais normal do que antigamente. A N95 (PFF2) protege se estiver bem adaptada ao nariz. Se for impossível faltar, vá de máscara e diga que está sintomático. Ou não vá e proteja os outros”. >
*Nome fictício>