‘Dandara na Terra dos Palmares’ emociona público com resgate da ancestralidade e afirmação racial

A última apresentação da temporada acontece no teatro Sesc-Senac Pelourinho, no sábado (18), às 18h

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  • Elaine Sanoli

Publicado em 5 de maio de 2024 às 22:00

Dandara na Terra dos Palmares
Peça 'Dandara na Terra dos Palmares' Crédito: Ana Lucia Albuquerque/CORREIO

Você já pensou no que o seu nome diz sobre quem você é e o lugar de onde você veio? Identidade, ancestralidade e afirmação são os elementos usados pela Arte Sintonia Companhia de Teatro para refletir sobre a força do nome da jovem Dandara. Há quase dois anos, a peça ‘Dandara na Terra dos Palmares’ está em cartaz pelos teatros baianos e o espetáculo ainda conquista um público jovem e bastante animado, como o que esteve presente na sessão deste domingo (5).

Uma obra antirracista, voltada para o público infantil, cuja inspiração foi também uma criança. Antônio Marques, produtor e escritor da peça conta que se inspirou na sobrinha, Júlia, de quatro anos, para dar vida à história de Dandara.

“Fiz pensando nela, que fosse uma peça antirracista, que a gente pudesse ter mais representatividade, que crianças como Júlia vão precisar ao passar por esse processo tão doloroso que é o preconceito racial”, afirma. “É uma peça totalmente antirracista, que busca exatamente isso: fazer essa conscientização dos adultos e principalmente das crianças, porque a criança não nasce com preconceito, isso a gente vai adquirindo no decorrer da vida”, reflete Antônio.

Milena de Araújo, 31, deixou a Sala do Coro do Teatro Castro Alves (TCA) emocionada. A história da garota que volta no tempo para conhecer de perto seus ancestrais tocou a professora de forma particular, por ser preta e mãe de um menino preto. “É uma peça importantíssima para refletir a nossa construção enquanto sociedade. Trazer esse resgate do passado, do presente e fazer a gente se questionar sobre o futuro. Como a peça traz essa reflexão do tempo que se passou e qual é a condição da população negra na nossa sociedade, que ainda se encontra à margem dos direitos básicos, essenciais, que não são garantidos. São direitos constitucionais, acesso à moradia, acesso à saúde, que nos são negados todos os dias”, pondera. A mãe de Miguel, 7, e de Malu, 11 meses, não conseguiu segurar o choro durante o espetáculo.

A peça narra, de forma emotiva, lúdica e repleta de regionalismos, a história da pequena Dandara, que se vê descontente com o próprio nome após sofrer discriminação dos colegas da escola. Ao viajar no tempo e conhecer a guerreira Dandara dos Palmares, com quem aprende sobre o peso histórico do nome que carrega e da beleza que há em sua cultura, a protagonista reafirma sua força e potência negra e feminina.

“Eu acho que Dandara, ela é um exemplo para essas meninas, para poderem ir atrás de suas raízes, entender um pouco mais sobre os seus ancestrais. Eu acho que isso é uma coisa que levo para a minha vida, que eu não sabia muito até eu começar a fazer o espetáculo”, comenta uma das intérpretes da protagonista do espectáculo, Yandra Góes.

Dividindo papel com Yandra, Maria Alice Xavier, também vê no seu personagem uma possibilidade de fortalecer a si mesma e as “Dandaras” que estão em todos os cantos. “Eu gosto muito de uma cena que é quando os pais de Dandara voltam de viagem e ela está falando sobre porque ela queria mudar de nome e aí ela diz que, no sonho, ela aprendeu que não pode mudar a cor dela, mas ela pode mudar o pensamento das pessoas que acham a cor dela feia. Eu levo isso pra minha vida, que eu não posso mudar o pensamento do outro, mas eu posso fortalecer o meu e quando a gente entende que a gente pode mais, acho que ninguém é capaz de dizer que a gente não pode”, afirma.

Da plateia, a pequena Dandara Queiroz, 7, acompanhava toda história lado da mãe, Deise Queiroz, 38. Vestida com uma faixa de princesa, ela conta que já conhecia a história da guerreira que inspirou seu nome e que, ao contrário da personagem no início do espetáculo, gosta e muito do nome que recebeu. “Já é a quarta vez que a gente vem assistir, pelo fato da representatividade e sobre o racismo também, que ainda acontece muito, e porque ela [Dandara] gosta. Ela faz balé, dança e ela gosta de vir assistir”, conta Deise.

Foi na representatividade que o diretor Agamenon de Abreu, buscou inspiração para dar os devidos contornos à obra de Antônio. Agamenon acredita que o processo de alfabetização racial, durante muito tempo negado, é essencial para combater o racismo estrutural. “É uma estrutura realmente racista que apaga completamente os saberes que a gente tem, que veio da África, que veio dos povos indígenas também. Eu acho que tá mais do que na hora da gente convocar e viabilizar a força afro-amerindígena. ‘Dandara [na Terra dos Palmares] ’ me veio ao mesmo tempo em que eu buscava esse letramento racial também”, dispara.

“É um espetáculo que fala da força feminina, dessa energia ancestral feminina que a gente deve convocar o tempo todo. Não só os homens convocarem essa força feminina, como as próprias mulheres reconhecerem esse poder também”, complementa.

O público, que encheu a sala do TCA, acompanhou com emoção o espetáculo. O enredo levou uma fusão de elementos para a construção da narrativa: religiosidade, capoeira, beleza, exaltação da cultura negra de Salvador, representada pelo Ilê Aiye, bloco afro tradicional da capital, além de elementos da cultura pop, como a canção ‘Single Ladies’ da cantora Beyoncé. E não teve quem conseguisse segurar o riso: o público caiu nas graças do elenco formado ainda por Denise Correia, Gilson Garcia, Leonardo Freitas, Diogo Lopes Filhos e Natalyne Santos.

Para quem ainda deseja acompanhar a peça nesta temporada, a última apresentação acontece no teatro Sesc-Senac Pelourinho no dia 18 de maio às 18h. Na próxima temporada, com início previsto para 1º de agosto, a obra estará em cartaz no Teatro Módulo, na Pituba, até o mês de setembro.

Mas, a ambição da equipe vai além: a ideia é que o espetáculo baiano chegue até o eixo Rio-São Paulo. “O que a gente pensa, em termos de visibilidade daqui pra frente, é uma nova temporada e estar levando esse espetáculo para fora daqui da Bahia. Além disso, a gente quer muito levar para o aparelho escolar. A gente pretende fazer com que esse espetáculo chegue nas escolas públicas”, planeja Antônio.

Dandara na Terra dos Palmares por Ana Lucia Albuquerque/CORREIO