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Devoção feminina guia cortejo de Santa Bárbara em Salvador

Procissão coloriu de vermelho o Pelourinho para lembrar a trajetória da rainha dos raios nesta quinta-feira (4)

  • Foto do(a) author(a) Maria Raquel Brito
  • Maria Raquel Brito

Publicado em 5 de dezembro de 2025 às 05:00

Fiéis celebram Santa Bárbara
Fiéis celebram Santa Bárbara Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Diz a tradição que, antes de se tornar a santa que conhecemos hoje, Santa Bárbara era uma mulher muito bela. Filha única de um homem ciumento que a criou presa numa torre, ela enfrentou a violência do pai por toda a vida. Conta-se que, por conta da fé cristã da filha – à época, condenada pelo Império Romano – ele a denunciou para os militares, o que resultou em perseguição, tortura e condenação à morte para a jovem Bárbara.

A história de opressão masculina vivida pela santa, séculos atrás, segue familiar para muitas mulheres: em todo o mundo, uma mulher morre a cada 10 minutos pelas mãos de um parceiro ou familiar, de acordo com o relatório de feminicídio 2025 do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime e da ONU Mulheres.

Fiéis celebram Santa Bárbara por Arisson Marinho/CORREIO

Hoje em dia, com um cenário de alta em casos de violência contra as mulheres, Santa Bárbara é um emblema de emancipação e de enfrentamento ao controle exercido pelos homens. O assunto veio à tona e as vítimas de feminicídio foram mencionadas durante a Missa Campal que reuniu centenas de fiéis no Largo do Pelourinho na manhã desta quinta-feira (4), Dia de Santa Bárbara.

Quem assistiu à missa e acompanhou a procissão em homenagem à santa percebeu de cara a conexão: o público era majoritariamente feminino. Vestidas de vermelho e branco e com rosas vermelhas nas mãos ou nos cabelos, algumas sozinhas, outras ao lado de amigas e até diferentes gerações de uma mesma família, elas fizeram questão de demonstrar a devoção à protetora contra tempestades e trovões.

A enfermeira Ana Paula Alcântara, 46, tem um compromisso marcado com Santa Bárbara há 20 anos. A fé foi herdada da mãe, que também era devota da santa. “Ela deixou isso de legado para nós. E é uma fé que eu levo para frente”, contou.

A forte presença feminina na celebração já foi ressaltada pelo padre Lázaro Muniz em mais de uma ocasião. Segundo ele, as mulheres são as mais devotas porque se identificam com Santa Bárbara e com Iansã, orixá dos ventos e tempestades – associadas pelo sincretismo.

Fiéis celebram Santa Bárbara
Fiéis celebram Santa Bárbara Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Malbina Lino tem motivos de sobra para se identificar. No dia da santa, celebrou seus 85 anos de vida. A comemoração não poderia ser mais especial: assistindo à missa da primeira fileira. Chegou ao Pelourinho antes das 7h para garantir o lugar. Tinha cansaço? Para homenagear a santa, ela garante que não: “Eu vim agradecer a Deus e à minha Santa Bárbara. Ano passado não consegui vir, mas esse ano eu estou aqui e espero poder vir em 2026 também”.

De olhos fechados, segurando com força sua imagem de Santa Bárbara e rezando baixinho, estava Maria da Conceição, 63. “Já são oito anos de graças alcançadas. Minha saúde, meus filhos formados e trabalhando. Eu tenho seis hérnias de disco, duas estavam encostando na medula e hoje eu estou curada. Porque Santa Bárbara é Santa Bárbara”, disse. Como forma de agradecer, ela também doa caruru a moradores de rua todos os anos.

Sincretismo

Ao longo da manhã, os brados de “viva, Santa Bárbara” se juntavam aos de “eparrei, Oyá”. Devotos, baianas, fiéis do candomblé e turistas se misturaram nas ladeiras, reforçando que, em Salvador, fé católica e afro-baiana caminham lado a lado.

“Quando foram escravizados, nossos ancestrais não trouxeram simplesmente o corpo para trabalhar ou para ser vendido como uma peça. Porque não eram isentos de cultura, de consciência, de saberes e esses saberes vieram com eles. Por isso, nós estamos aqui. Diante da violência que impunha o batismo forçado e apagava identidades, nasceu o que chamamos, de uma forma nem sempre apropriada, de sincretismo religioso. Na inteligência espiritual do povo, a dor, a luta e a esperança encontraram pontos de diálogo. E ali, Bárbara e Iansã se encontraram. Onde havia a opressão nasceu ponte, onde havia silêncio forçado nasceu simbologia especial”, ressaltou padre Lázaro.

Depois da missa, os devotos que pintavam o Largo do Pelourinho de vermelho seguiram em procissão pelas ruas do Pelourinho. O cortejo saiu da Igreja do Rosário dos Pretos e passou pelas ruas Gregório de Mattos, João de Deus, Terreiro de Jesus, Praça da Sé e Ladeira da Praça.

Entre eles estavam os irmãos Adailton, 61, e Aidil Cavalcante, 69. Para eles, acompanhar a procissão é um legado de família. Vestindo camisas vermelhas estampadas com a imagem de Santa Bárbara, herdaram a fé e passaram adiante. “Quando o bicho pega, são elas que chamamos. Tanto Santa Bárbara quanto Iansã, porque nós somos católicos, mas temos a ancestralidade. Gostamos do caruruzinho de Santa Bárbara”, brincou Adailton.

Ao chegar ao Corpo de Bombeiros, na Barroquinha, os devotos fizeram uma parada para homenagear a padroeira da corporação e, logo após, seguiram para a Baixa dos Sapateiros, rua Padre Agostinho e Pelourinho até retornar à Igreja.

Devotos se reuniram no quartel do Corpo de Bombeiros na Barroquinha por Arisson Marinho/CORREIO