Devotos fazem fila para entregar presentes a Iemanjá no Rio Vermelho

Presente principal foi entregue ao mar por volta das 16h

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  • Larissa Almeida

Publicado em 2 de fevereiro de 2024 às 21:11

Devotos acompanham entrega do presente principal a Iemanjá Crédito: Ana Albuquerque/CORREIO

Iemanjá, Marabô, Sobá, Oloxum, Inaê, Janaína. Seja qual for o nome escolhido, no dia 02 de Fevereiro, o chamado é para a Rainha das Águas. A prova de sua escuta a todas as alcunhas, por sua vez, se dá pela permanência da tradição que já dura 101 anos: a presença de devotos de todos os lugares para presentear a realeza do mar. Neste ano não foi diferente, milhares de pessoas vestidas de azul e branco, perfumadas com alfazema e cheias de fé fizeram fila para chegar até o barracão na Casa do Peso, no Rio Vermelho, onde também estava a oferenda principal para a orixá.

Com 55 anos de axé e devoção a Iemanjá, a aposentada Iraildes Conceição, 77 anos, acordou cedo na manhã desta sexta, decidida a honrar a orixá. Enquanto aguardava para entrar no barracão, ela dançava e cantava para a entidade. “Acordei cheia de amor, carinho e fé. Quem me trouxe foi Deus e ela, que me apanhou nas águas dela. É minha mãe”.

Enfrentando o sol forte e o calor, o estudante de Direito Davi Andrade, 20 anos, cultiva uma tradição familiar todo dia 02 de fevereiro. Há cinco anos, ele, a avó e o padrinho vão até a Casa de Iemanjá, no Rio Vermelho, levando uma cesta com flores perfumadas, manto branco e uma boneca de cabelo azul, representando a orixá.

"A gente vem preparando a cesta com muito axé, amor e devoção. É uma simbologia imensa, que nos remete a cada ano fazer com mais amor. Não só pela devoção, mas por tudo que ela nos dá abaixo de Deus, com as águas que nos presenteiam a cada dia com anos de saúde e prosperidade na vida. Hoje só vim agradecer", afirmou.

Estudante de Direito Davi Andrade levou uma cesta de flores perfumadas para presentear a orixá Crédito: Larissa Almeida/CORREIO

No caminho para a Casa da Rainha do Mar, o que não faltavam eram elementos para pedir e receber bênção. Enquanto os devotos corriam para garantir uma rosa ou um perfume para Iemanjá, outros preferiam limpar o corpo antes de entrar na água. Para essa última missão, estava a postos a ekedi Jucimeire de Assis, 56 anos, que oferecia banho de cheiro e pipoca para preparar o espírito de quem passava por ali.

“Muita gente está me procurando para tomar sacudimentos, limpar o corpo, colocar o tema de Oxalá. Eu sou de Iemanjá, então essa festa simboliza muito amor, prosperidade e paz para todos nós no dia de hoje. Venho aqui não só para homenageá-la, mas para servi-la também”, ressaltou.

A multidão de branco que ocupava as ruas do Rio Vermelho não parava de crescer quando o prefeito Bruno Reis apareceu por volta das 15h15. Conduzido pelo toque de ijexá do Afoxé Filhas de Gandhy, o prefeito saiu rumo ao barracão cercado de pessoas que a todo instante faziam questão de parar para cumprimentá-lo.

Quando enfim chegou ao local do presente principal para Iemanjá, Bruno Reis falou sobre a importância da festa: “Sem sombra de dúvidas, a Festa de Iemanjá, que é patrimônio imaterial da nossa cidade, tem capacidade de transmitir e irradiar uma energia vibrante, contagiar a todos que participam dela, que vêm aqui trazer o seu presente e pedir à nossa Rainha do Mar que cubra esse ano de muitas realizações. Agora, chegou a hora de levar as nossas oferendas para agradecer por tudo”, declarou Bruno Reis.

Repetindo o feito do ano passado, o prefeito se posicionou para carregar o último dos três grandes balaios com presentes para a orixá. Enquanto isso, Matheus Xangô, integrante do Ilê Axé Oxumaré – terreiro responsável pela confecção do presente principal pelo segundo ano consecutivo – já segurava nos ombros uma das extremidades do suporte de madeira utilizado para carregar a oferenda. Encarando a missão com seriedade, ele destacou a emoção por poder participar de um dos atos principais dos festejos.

“É uma emoção enorme e uma responsabilidade muito grande estar levando esse presente maravilhoso para a Mãe das Águas e Olokun, porque o tema desse ano é a divindade que comanda as marés. Ano passado eu segurei [o presente] também e a emoção nunca é a mesma, é sempre mais forte”, enfatizou.

Matheus Xangô carregou o presente principal pelo segundo ano consecutivo Crédito: Larissa Almeida/CORREIO

Às 15h40, o presente saiu do barracão. Tendo como ponto de partida a fachada da Casa de Iemanjá, membros do terreiro Ilê Axé Oxumaré e devotos acompanharam o cortejo que levou ainda três grandes coroas de flores amarelas, vermelhas e brancas perfumadas para a areia da praia. Neste ano, a novidade do presente foi um boneco negro no topo e uma concha amarela.

Por volta das 15h50, a oferenda foi conduzida para o mar. Em antecipação, as ondas atingiram os balaios de flores antes de ocorrer seu depósito nas águas. O fato não passou despercebido para a doméstica Ednalva Alves, 53. "A onda estava muito forte na hora do presente. Deve ser porque Iemanjá estava ansiosa para recebê-lo. Eu trouxe alfazema e flores, já acendi uma vela para ela quando saí de casa. Pedi saúde e muita paz. Com certeza ela vai receber bem ", disse, com expectativa.

A teoria foi confirmada por Sivanilton da Encarnação da Mata, mais conhecido como Babá Pecê de Oxumarê, líder religioso do Terreiro Ilê Axé Oxumará. “Ali são depositados fé, carinho e amor, então ela recebe de braços abertos”, pontuou.

De acordo com Babá Pecê, o presente principal desse ano foi escolhido através de consultas com oráculos e sonhos de pescadores. Com base nisso, houve reuniões para entender o que a orixá estava pedindo. “Ela está sempre pedindo limpeza dos mares e praias, e proteção do meio ambiente, porque, do contrário, vamos sofrer mais ainda. Ela está sendo mãe e avisando. Ano passado, por conta dos 100 anos, fizemos uma coroa para a Rainha. Nesse ano, já foi feito uma Iemanjá com os marujos, que foi o sonho de um dos pescadores da Colônia. A concha foi doada pelo artista plástico Liderico. Eu perguntei a ela se podia trazer e ela disse que podia”, detalhou o babalorixá.

Ao final da entrega do presente, centenas de devotos assistiram a oferenda ser levada para alto mar. À medida que ia se distanciando, as pessoas aplaudiam, choravam e aproveitavam para conversar com as águas salgadas, pedindo e agradecendo à guardiã delas. Uma última homenagem também foi feita coletivamente, quando um coro cantou para saudar Iemanjá.

Emocionada com tudo que viu, a cozinheira Rosimeire Brito, 51, disse que estava cansada, mas totalmente realizada. “Eu dormi muito pouco porque ontem tivemos que fazer o presente de Oxum e a entrega. Quando deu 4h, já estava aqui de volta. Estou um pouco cansada, mas valeu muito a pena. Estou muito satisfeita”, reiterou.