Acesse sua conta
Ainda não é assinante?
Ao continuar, você concorda com a nossa Política de Privacidade
ou
Entre com o Google
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Recuperar senha
Preencha o campo abaixo com seu email.

Já tem uma conta? Entre
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Dados não encontrados!
Você ainda não é nosso assinante!
Mas é facil resolver isso, clique abaixo e veja como fazer parte da comunidade Correio *
ASSINE

'É impossível impedir que coisas ruins aconteçam', diz Demi Getschko sobre controle da internet

Pioneiro da internet no Brasil, o cientista vai estar em Salvador este mês para participar do 15º Fórum da Internet no Brasil

  • Foto do(a) author(a) Monique Lobo
  • Monique Lobo

Publicado em 11 de maio de 2025 às 10:00

Demi Getschko
Demi Getschko Crédito: Ricardo Matsukawa / NIC.br

Estamos cada vez mais conectados à internet, isso é um fato. Nove em cada dez brasileiros têm acesso à rede mundial de computadores, de acordo com dados do último Censo. No entanto, apenas 22% tem boas condições de acesso, segundo levantamento do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), entidade sem fins lucrativos que, além de implementar decisões e projetos do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), é encarregada da operação do domínio ".br", da distribuição de números IP e do registro de Sistemas Autônomos no país.

É de lá que vem o cientista considerado um dos pioneiros da internet no Brasil: Demi Getschko. Este mês, ele vem a Salvador para participar do 15º Fórum da Internet no Brasil (FIB15), que acontece entre os dias 26 e 30 de maio de 2025 no Fiesta Convention Center, no Itaigara. O evento vai reunir especialistas do país e do exterior de diversos setores para discutir o futuro da rede. Quem quiser participar, pode se inscrever gratuitamente pelo site do projeto

Defensor de uma internet aberta e única, Getschko vê com bons olhos os avanços alcançados na rede, especialmente as conquistas no Brasil. "Nós temos vários pontos para nos orgulhar", celebra. Nesta entrevista, ele fala sobre os principais desafios que a rede enfrenta, incluindo a desinformação e a segurança, além de projetar o que podemos esperar com a popularização da Inteligência Artificial.

CORREIO - Em sua essência, a internet é uma rede aberta. Mas, vem sofrendo interferências ao longo do tempo. Como você projeta o controle da internet nos próximos anos?

Demi Getschko - A internet nasceu aberta. Foi inaugurada em outubro de 69, no centro da Contracultura americana. O pessoal envolvido criou ela muito participativa. Ela começou sem chave de "desliga", sem um controle rígido.

No Brasil, começamos em 1988, mas começou a funcionar mesmo em 7 de fevereiro de 1991. Registramos o ".br" em abril de 1989. Ela cresceu muito além da raiz do inicial.

Tem uma frase do Vint Cerf, um dos criadores do TCP/IP [Protocolo de Controle de Transmissão], em que ele diz o seguinte: a internet é um espelho da sociedade. Então, o que você vê na internet, é o que nós vemos no mundo. A internet nos trouxe coisas positivas, mas não só positivas, o que já existia no mundo. Mas, é o preço a pagar pra você ter essa quantidade de gente conectada. No Brasil, nós temos mais de 80% da população conectada, e esse pessoal nem sempre entra com maturidade, com cautela. É uma realidade cultural.

E a grande dúvida é como isso vai acontecer no futuro, são perguntas difíceis de responder. Você vai se arrepender de ter uma rede onde todos entram e falam? Ou vai tentar impedir que isso aconteça? Ou tentar controlar o que acontece? São perguntas difíceis de responder.

E só para fazer uma provocação nacional nessa linha, eu acho que é impossível impedir que coisas ruins aconteçam. Você tem que punir quem fez as coisas ruins. Você punir quem não impediu que coisas ruins acontecessem é mais complicado, porque sempre tem outras formas de fazer isso.

Então, as vezes, por uma questão até de aliviar as nossas angústias, nós gostaríamos que algumas coisas tivessem algum controle sobre o que acontece, que vai além dos que eles conseguem. E, cá entre nós, pode ir além do que é desejável. Você está dando mais poder a esse pessoal. Então, se fosse pedir a uma rede social que decida o que é falso e o que é verdadeiro, você está dando a ela mais poder do que ela já tem, e olha que ela já tem bastante poder.

São dilemas que a gente tem que olhar com muito cuidado. Mas, a internet brasileira começou muito bem, como modelo. Temos vários números espetaculares. Nós somos o segundo país com mais Sistemas Autônomos Conectados, só perde para os Estados Unidos. E isso dá solidez ao processo. Temos um mar de pequenos sistemas. A rede brasileira cresceu no espírito da internet original.

Também temos o maior ponto de troca de tráfego hoje, em São Paulo. Passamos de Frankfurt, Londres e Amsterdã que eram maiores que nós, durante a pandemia. E Salvador é um desses pontos também.

Nós temos vários pontos para nos orgulhar na internet. Também podemos nos orgulhar da gestão da internet, no sentido de que o nosso Comitê Gestor [CGI.br], que está fazendo 30 anos, nasceu como multisetorial, com gente de governo, academia, da área técnica e da área privada.

A Norma nº4 [que foi criada para regular o uso dos meios da Rede Pública de Telecomunicações], que é do mesmo dia da criação do CGI.br, mostrou uma clarividência ao estabelecer uma diferenciação do que é telecomunicações e do que é internet. E depois a Anatel, que foi criada para regular as comunicações, mas não para regular a internet.

Então, nós temos o decálogo do CGI.br [que são os princípios para a governança e uso da internet no país], que é de 2009 e continuam perfeitamente válidos. O Marco Civil [da Internet no Brasil], que foi elogiado internacionalmente, foram cinco anos de discussão pública sobre como seria o Marco Civil. Então, temos boa legislação, boa governança e muito boa área técnica.

E quais são os principais desafios que a sociedade tem, atualmente, quando falamos de internet?

Do lado de engenharia, é fundamental preservar a separação do que é telecomunicações e do que é internet. Me preocupa alguns movimentos da Anatel de querer rever essas coisas.

A internet tem como uma das suas características a chamada "free inovation". Você pode criar o que você quiser em cima da pilha de protocolos debaixo, sem pedir licença pra ninguém. Você está livre pra criar coisas. Mas, as coisas criadas sobre a internet não se misturam com a internet, na minha opinião. São coisas boas e ruins criadas sobre a internet, e o que a gente é a favor é que a internet se mantenha incólume até a parte de protocolos em cima do qual crescem as outras coisas.

É um substrato muito fértil onde crescem tiriricas e amendoeiras. Nós queremos preservar o substrato e, aí, as amendoeiras e tiriricas serão avaliadas caso a caso. E quando eu tenho um malefício na rede, eu tenho que ir atrás do causador. Você não vai conseguir impedir que haja o mal, você tem que punir quem faz o mal.

O intermediário clássico nunca é o culpado. Se você recebe uma carta cheia de fakenews, você não vai bater no carteiro. Se não estratificarmos e não qualificarmos os tipos de intermediários, não vamos chegar a lugar nenhum.

É possível proteger a internet contra a distribuição de informações falsas?

O cara que criou com intenção maldosa tem que ser penalizado. Eu não quero que a plataforma que escreveu aquilo examine e diga se é ou não é. Você tem que ir atrás do cara que cometeu a maldade e não torcer para que a maldade não aconteça porque algum ente especial no meio do caminho descobrirá que aquilo tá errado e impedirá que aconteça. Isso não existe. Se você erigir em censor universal o algoritmo da plataforma, para decidir o que é verdadeiro e o que é falso, nós estamos dando mais poder a quem já tem muito poder.

Se você tem um sítio na Web e você põe coisas horríveis ao meu respeito, a legislação existe e, na Constituição, eu posso processar você por calúnia, se aquilo for mentira e eu me sinto ofendido. Eu não devo dizer: isso eu não gosto e vou procurar o provedor pra tirar do ar. Porque se o que você falou é verdade, mas era negativo para mim, não vai ter como botar de volta. Nós já temos leis que punem calúnia etc. Então, vamos usar.

No Brasil, o acesso a internet cresceu muito nos últimos anos, mas as condições de acesso não evoluíram da mesma maneira. A que você atribui esse cenário?

Existe um problema cultural. Vou te dar um exemplo de segurança: nós somos uma das comunidades mais atacadas na internet, a questão da segurança no Brasil é muito grave, tem muitos ataques. Mas, esses ataques, em geral, não vêm de nenhum sítio que termina em ".br", porque somos muito chatos ao registrar ".br", tem que mostrar CNPJ, CPF. Mas, somos um celeiro de potenciais vítimas porque as pessoas tem pouco aculturamento tecnológico. Somos presas fáceis.

Isso não quer dizer que não devemos ter acesso, mas estamos dando acesso a potenciais vítimas, e essa é uma característica muito difícil de consertar.

O brasileiro é muito receptivo a novas tecnologias. Em redes sociais, a Europa era muito mais lenta do que nós. Desde a época do Orkut, éramos líderes dessa coisa. Os brasileiros não têm a resistência a expor seus dados, fala do filho, do cachorro, do gato, posta foto, já fala quando é o aniversário, o que ganhou, o que perdeu, e isso nos faz vítima do processo.

Também somos ligados ao que é mais confortável. As redes sociais são lugares onde já tem as pessoas prontas para conversar, já te dá o noticiário entre outras coisas. Perdemos a iniciativa no processo. E quem ganha dinheiro com isso, se aproveita dessa característica.

E como mudar esse cenário?

A educação é fundamental no processo. Alertas, avisos também. A gente tenta gerar manuais pra alertar sobre os riscos da internet, mas cada vez menos pessoas leem e cada vez mais pessoas consomem pelas redes.

As campanhas na internet são no sentido de descentralizá-la de novo. Para evitar que todo mundo passe o dia em redes sociais, nos seus clubinhos. E com a IA [Inteligência Artificial] isso vai piorar, porque ela te trata como amigo. As pessoas vão ficar mais amigas da IA do que dos próprios amigos. E isso não é culpa da IA, é do indivíduo que não teve formação.

Por falar em Inteligência Artificial, ela está cada vez mais presente na vida das pessoas, mas ainda desperta muita desconfiança. Como você enxerga o uso da IA no futuro e como ela pode contribuir para a evolução da internet?

No caso da IA, o que me preocupa é que ela vai aumentar a nossa comodidade. Hoje, você já pode pegar um livro de 300 páginas e mandar o ChatGPT ler pra você. Ele vai ler e resumir em um tempo muito curto e ainda vai mostrar onde você pode melhorar aquele texto. Antes, quando você precisava achar um caminho, você pegava um guia que ia te mostrar como ir daqui até ali. Agora, você põe no Waze e ele te leva lá numa boa. Você perdeu o talento de ver qual era o melhor caminho, você não precisa mais disso, porque alguém faz pra você.

Isso já aconteceu com a calculadora, ninguém sabe mais fazer conta porque a conta pode ser feita na calculadora. Então, são coisas que a gente vai perdendo. E, evidentemente, a gente pode tá ganhando outras coisas, não sou da área da sociologia, humanista, mas é um fato da vida de que o que é cômodo pra nós, nos atrai.

Cada vez mais perdemos acesso a fonte original, é um problema complicado, porque tem pessoas sendo formadas dessa forma. Os grandes riscos da IA é aumentar o nosso conforto e diminuir a nossa especulação, nosso pensamento crítico. Isso pra mim é o grande problema.