Acesse sua conta
Ainda não é assinante?
Ao continuar, você concorda com a nossa Política de Privacidade
ou
Entre com o Google
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Recuperar senha
Preencha o campo abaixo com seu email.

Já tem uma conta? Entre
Alterar senha
Preencha os campos abaixo, e clique em "Confirma alteração" para confirmar a mudança.
Dados não encontrados!
Você ainda não é nosso assinante!
Mas é facil resolver isso, clique abaixo e veja como fazer parte da comunidade Correio *
ASSINE

Entidades debatem letalidade policial na Bahia e cobram governo: 'Política de morte'

Sociedade civil organizada, cidadãos e instituições governamentais participaram, nesta segunda-feira (2), de audiência pública para discussão do tema

  • L
  • Larissa Almeida

Publicado em 3 de outubro de 2023 às 05:00

Audiência pública discutiu razões e caminhos para enfrentamento da letalidade policial Crédito: Marina Silva/CORREIO

"Se de fato o alvo fossem as substâncias, não seriam as periferias aquelas que mais sofrem com a letalidade policial, porque não é lá que estão os laboratórios e não é lá que produzem as armas. Estão indo no lugar errado. [A truculência da abordagem policial nas comunidades periféricas] eu atribuo a um novo método de extermínio da população negra". Foi com essa afirmação, em tom de denúncia, que Belle Damasceno, vice-presidente do Conselho Estadual de Proteção aos Direitos Humanos (CEPDH), apontou uma das causas da alta letalidade policial no estado.

Além dela, pelo menos outros 20 representantes da sociedade civil organizada, movimentos sociais, entidades governamentais, setor acadêmico e cidadãos em geral puderam debater, na tarde desta segunda-feira (2), as razões e os caminhos para o enfrentamento à letalidade policial na Bahia, em audiência pública realizada no Ministério Público do Estado da Bahia.

A reunião foi marcada em virtude da escalada da violência nos municípios baianos. Somente em setembro, de acordo com dados do Instituto Fogo Cruzado (IFC) divulgados nesta segunda-feira, foram 72 mortes e 13 feridos em 74 tiroteios durante operações policiais em Salvador e RMS. Do total de mortes no mês (143), 54% aconteceram em ações das polícias baianas. Esses números superam a quantidade de óbitos registrados na cidade de Rio de Janeiro e Recife e suas regiões metropolitanas em mais de três vezes.

Durante a audiência, Tailane Muniz, coordenadora do IFC na Bahia, ainda trouxe à público que 35% dos 2 mil episódios de violência armada, registrados de 1º de julho de 2022 a 30 de setembro de 2023 em Salvador e RMS, ocorreram em ações policiais. Ao todo, foram pelo menos 145 casos que deixaram ao menos 138 pessoas baleadas, incluindo dois policiais. Das 56 registradas pelo Instituto, sete em cada 10 aconteceram durante ações e operações das polícias baianas.

Política de extermínio

Para Samira Soares, coordenadora do Movimento Negro Unificado da Bahia, os dados recentes da violência no estado revelam uma política de execução institucionalizada. “É uma política que segue visivelmente criminalizando nossa juventude e o povo negro do nosso estado, reafirmando o seu conteúdo racista envolto na insegurança política motivada pela suposta guerra às drogas. O método consolidado pelo governo estadual e a sua Secretaria de Segurança Pública tem sido a política de morte”, afirma.

Segundo Belle Damasceno, as evidências de uma diretriz em curso contra a população negra e periférica através da guerra às drogas podem ser vistas na diferença da letalidade policial em bairros nobres em relação às periferias. Ela cita um estudo de 2021 da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, divulgado neste ano, que revela que o número de substâncias psicoativas apreendidas na Pituba eram maiores do que a quantidade apreendida no Nordeste de Amaralina.

"[...] mas na Pituba não existiu uma morte letal e, no Nordeste de Amaralina, foi 100% mais. Então, a gente compreende que nesse jogo que o Brasil entrou morre todo mundo, entretanto [a maioria] dessas pessoas que morrem são pessoas negras e periféricas. É por elas que hoje estamos aqui, pelos que estão e pelos que já se foram", disse.

Responsabilização do Estado

No dia 27 de setembro, a investigação de crimes dolosos contra civis cometidos por policiais militares passou a ser atribuição da Justiça, conforme decisão judicial. Anteriormente, esse tipo de investigação era da responsabilidade da Corregedoria da Polícia Militar. Para o promotor de Justiça do Ministério Público da Bahia, Luís Alberto Vasconcelos, essa mudança é a medida mais adequada diante de todo o cenário atual. “No último ano de 2022 e em 2023, foram deflagradas 21 operações em razão de desvio de condutas de policiais”, informa.

Entre os motivos que catalisam a recorrência de mortes em confrontos policiais na Bahia, o despreparo na formação desses profissionais foi apontado por diversos representantes da sociedade civil organizada como um dos principais. No entanto, para Jurema Werneck, diretora executiva na Anistia Internacional Brasil, essa tese, na realidade, ajuda a camuflar a necessidade de responsabilização do Estado.

“Não existe política pública mal feita ou bem feita que não tenha um líder responsável. A segurança pública é responsabilidade do governador. Ou seja, em última instância a responsabilidade é da liderança governamental. [...] Não é despreparo, muito pelo contrário, porque se existe uma política [de extermínio] ou o Estado se omite em frear o assassinato pessoas negras, na verdade, há um sucesso na realização dessa política”, defende.

A perspectiva é compartilhada pelo policial civil e diretor do Sindicato dos Policiais Civis da Bahia (Sindpoc), Agrimaldo Souza, que acrescenta que os policiais civis e militares também sofrem no processo de formação policial e com o cumprimento de ordens truculentas. “A formação policial que hoje é feita na Bahia desconstrói o indivíduo enquanto cidadão e transforma ele nesse monstro que está aí. Ele perde a cidadania. Nós precisamos responsabilizar quem dá as ordens, seja o governador, o comandante ou gestor, porque se o policial cumpre a ordem, alguém ordenou”, ressalta.

Polícias negam política de extermínio

Em pronunciamento conjunto proferido pelo corregedor-geral da SSP, Nelson Gaspar, a Polícia Militar, a Polícia Civil e a Secretaria de Segurança Pública admitiram que precisam melhorar o efetivo policial, mas negaram que exista uma política de extermínio contra a população negra. “Existem questões de letalidade policial e uma série de problemas estruturais, mas isso não é só na Bahia. A gente reconhece a complexidade do problema, a gente aceita e pede contribuições, mas com respeito às instituições policiais. Não adianta gerar um antagonismo que deixe o diálogo infrutífero”, destacou.

Na ocasião, Nelson Gaspar falou que já há esforços pela implementação das câmeras nas fardas dos policiais militares e defendeu o uso do reconhecimento facial como prova de sucesso da ação policial na Bahia.

Por fim, ele descartou uma das soluções propostas na audiência, que prevê a suspensão de ações policiais nas comunidades periféricas até o estabelecimento de uma plano de enfrentamento à letalidade policial, mas acolheu a ideia de um diálogo mais aberto entre a sociedade e as polícias.

A Polícia Civil, a Polícia Militar e a Secretaria de Segurança foram procuradas pela reportagem para informar quantos policiais foram presos por matar em serviço, quantos foram afastados das ruas, quantos foram exonerados e quantos respondem a processo administrativo disciplinar, mas não responderam. A Corregedoria da Polícia Militar chegou a ser abordada no local da audiência, mas avisou que não daria entrevista. 

A Polícia Militar e a Secretaria de Segurança Pública também foram questionadas sobre o número de denúncias contra policiais militares e em quanto aumentou os autos de resistência no estado neste ano, mas também não responderam ao contato feito.

Confira 10 soluções propostas na audiência pública

  • Retomada do programa Pacto pela Vida
  • Instalação da CPI do genocídio da população negra
  • Implementação das câmaras no fardamento policial
  • Ampliação de viaturas da Polícia Civil
  • Criação da ouvidoria externa das polícias Militar e Civil da Bahia
  • Instalação de gabinete de emergência para a formulação de políticas de reorientação da ação policial na Bahia
  • Acesso de agentes da segurança pública à terapia 
  • Criação do Plano Estadual de Redução da Letalidade Policial
  • Criação de Comitê interinstitucional para Diagnóstico e Discussão da Letalidade Policial
  • Controle rigoroso de armas e munições, com rastreabilidade do material bélico
  • Garantia de atendimento das pessoas atingidas pelas intervenções policiais por equipes multidisciplinares

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro