Famílias estão ilhadas há três dias no Rio Vermelho: ‘A comida está acabando e não sei o que fazer’

A água não escoa na Avenida Reis desde domingo (7)

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Publicado em 9 de abril de 2024 às 18:00

Moradores da Av. Reis, no Rio Vermelho, estão ilhados desde domingo (7)
Moradores da Av. Reis, no Rio Vermelho, estão ilhados desde domingo (7) Crédito: Ana Lucia Albuquerque/CORREIO

Há 72 horas, Marilene Carneiro, de 58 anos, não coloca os pés para fora de casa. Em um dos bairros mais nobres de Salvador, o Rio Vermelho, a moradora e outras dez famílias estão ilhadas em um beco estreito próximo à Rua do Canal, na avenida Juracy Magalhães Júnior. As fortes chuvas dos últimos dias provocaram o acúmulo da água barrenta na entrada das casas da Avenida Reis. Uma delas até foi invadida durante a madrugada. Quem arrisca ir para a rua, enfrenta o alagamento que ultrapassa o nível dos joelhos.

A preocupação de Marilene é ainda maior porque o marido, que sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) há 6 anos, tem dificuldades de locomoção. Ela teme que ele precise de atendimento médico. “Não estou podendo sair para lugar nenhum. Meu neto não vai para a escola, meu filho enfrenta essa água para trabalhar e meu marido está acamado. Essa água é muito perigosa, tem muito rato. Não tenho coragem de sair”, desabafa.

O sofrimento fica maior quando a moradora se depara com os armários da cozinha cada vez mais vazios. “O alimento está acabando e a gente está sem saber como sair para comprar. A coisa está ficando cada dia mais difícil. E se meu marido tiver alguma emergência? Ninguém vai querer entrar aqui para ver o que está acontecendo”, diz aflita. Marilene conversou com a reportagem que esteve no local por telefone. O medo é tanto que ela preferiu não sair de casa.

A vizinha Dalviana Emiliana dos Santos, 38, por outro lado, já perdeu o receio de molhar as pernas na água suja e parada. “Tem três dias, pior que acostumei”, disse. Além da sujeira, é possível ver baratas boiando na superfície. A moradora precisou usar a criatividade para evitar que os filhos de 4, 8, 10 e 15 anos entrassem em contato com a água, que ultrapassa a altura do seu caçula. Dalviana coloca os filhos dentro de dois carrinhos de supermercado e os empurra para o início do beco, onde a água não se acumula.

“Tô colocando meus filhos dentro do carrinho de supermercado. Só assim para eles irem para a escola. Nessas casas têm idosos, cadeirantes, crianças, e estamos todos presos”, diz. A Defesa Civil de Salvador (Codesal) disse que não recebeu solicitação para inspeção no local através do Disque 199.

Entre a meia noite e as 15h30 desta terça-feira (9), o órgão registrou 406 solicitações por causa das chuvas em Salvador. As ocorrências mais frequentes foram: deslizamento de terra (124), avaliação de imóvel alagado (100) e ameaça de deslizamento (88).

Segundo os moradores da Av. Reis, a situação piorou depois que um prédio foi demolido no entrocamento da R. Potiguares e a Av. Juracy Magalhães Júnior. Um muro separa o terreno de 3 mil m², onde um novo edifício residencial será construído, e a travessa alagada.

Os moradores acreditam que a obra obstruiu a passagem da água, que escoava por debaixo do asfalto. “No outro lado do muro também está alagado. Moro aqui há 20 anos e nunca vi nada parecido. Desde domingo essa água fica parada, sem previsão para escoar”, contou Antônio Carlos Lopes, de 71 anos.

O novo empreendimento é de responsabilidade da Moura Dubeux. A empresa foi procurada, através da assessoria de imprensa, e afirmou que não vê relação entre a demolição do imóvel e o alagemento na Avenida Reis. 

"A Moura Dubeux informa que, antes mesmo de iniciar suas obras, segue todas as normas que são essenciais para garantir a segurança dos trabalhadores e do público envolvido, além de minimizar os impactos ambientais, assegurando a correta execução das atividades. Com as chuvas que têm caído na capital baiana, a empresa não vê relação do alagamento da rua Reis com a demolição do imóvel", disse a empresa. 

Moradores informaram à reportagem que, no final da tarde desta terça-feira (9), a construtora enviou uma equipe com retroescavadeira ao local e que, pouco tempo depois, a água começou a escoar. Por volta das 20h, uma moradora informou que a água havia sido completamente escoada.