Fatiado por facções e palco de confrontos: entenda registros de violência no IAPI

Bairro registrou morte do policial militar Guilherme Alves na última terça-feira (2)

  • Foto do(a) author(a) Wendel de Novais
  • Wendel de Novais

Publicado em 4 de janeiro de 2024 às 07:30

Entrada da localidade do Bem Amado, no bairro do IAPI Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

A morte do policial militar Guilherme Alves Pinheiro, 25 anos, em confronto com suspeitos na tarde de terça-feira (2) não é um caso pontual de violência no IAPI. Antes que o PM fosse morto com um tiro na cabeça, um jovem foi executado na avenida principal do bairro [Rua Conde de Porto Alegre], no segundo semestre do ano passado, à luz do dia e até toque de recolher foi dado após mortes de traficantes.

Por conta de registros como esses, a localidade do Bem Amado, onde o PM Alves foi morto, acordou com ruas vazias na manhã dessa quarta-feira (3). "Quem pode está em casa trancado. Quando soube que o PM foi morto aqui, até avisei minha esposa para não voltar para casa. Ela dormiu na casa da irmã e não voltou ontem. Eu mesmo estou saindo de casa porque preciso trabalhar. Se não fosse isso, estaria longe da rua", diz um morador, que preferiu não se identificar.

Uma outra moradora, que também não quis dizer o nome por medo, afirma que passou a noite preocupada com a possibilidade de confrontos. "Na luz do dia, durante a tarde, ouvi uns pipocos e só depois fui saber que tinham matado o policial. Não foi muito tempo de tiroteio, a coisa foi rápida. Mas só de saber que ele tinha morrido, achei que teria mais problemas na hora de procurar quem foi", conta a moradora do Bem Amado.

Ainda segundo ela, confrontos entre suspeitos e policiais no local são recorrentes pela presença contínua de traficantes nas ruas. "Aqui é CV, mas do outro lado [localidade de Nova Divineia] já é outro. Então, direto tem ataque de cá para lá e vice-versa. Para não serem pagos de surpresa, os meninos ficam nas ruas de guarda e, de vez em quando, acabam encontrando com a polícia", afirma.

Um exemplo dos ataques citados pela moradora foi a morte de um homem identificado apenas como Felipe na Rua Conde de Porto Alegre, no fim de linha do bairro, no dia 30 de agosto de 2023. A vítima trabalhava como funcionário terceirizado do Hospital Ernesto Simões e não tinha envolvimento com o crime, segundo moradores. No entanto, ele era nascido e criado na localidade de Nova Divineia, que tem a atuação do BDM e é alvo recorrente de ataques de membros do CV, que domina a localidade do Bem Amado, do Brongo e do Milho no IAPI.

Antes, em 17 de agosto de 2023, homens do Comando Vermelho (CV) e do Bonde do Maluco (BDM) protagonizaram uma madrugada violenta em uma tentativa de tomada da localidade de Nova Divineia. No dia 10 de agosto, integrantes do CV decretaram um toque de recolher de quatro dias no bairro. A ordem veio após dois integrantes do grupo serem mortos em uma ação policial em Salinas de Margarida, sendo um deles a liderança 'Cris do Murão'.

Confrontos são recorrentes no IAPI pela presença de homens armados no local Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Antônio Jorge Melo, especialista em segurança pública e coordenador do curso de Direito da Estácio, acrescenta o perigo para policiais em um bairro como o IAPI. "O risco para policiais é inerente à profissão. Porém, é ainda mais forte em localidades dominadas por facções que, com a associação a grupos criminosos nacionais, têm mais acesso a armamento e são ainda mais perigosas. Quanto maior o controle e a presença das facções, maior é o risco de confronto com agentes de segurança", afirma Melo, que é coronel reformado da PM.

O especialista diz ainda que os agentes das forças de segurança estão sempre em desvantagem em relação aos criminosos. "Quando as facções agridem os policiais, não estão preocupadas com moradores. O oposto, porém, não é verdadeiro. Por se situarem em áreas de alta densidade demográfica e difícil acesso, há uma facilitação para a ação dos criminosos, já que a polícia cuida de se proteger e também evitar que pessoas inocentes sejam impactadas", completa.

A reincidência de casos fez o IAPI registrar números altos de violência armada. O Instituto Fogo Cruzado informou que o bairro teve 26 tiroteios, 21 mortos e cinco feridos no último semestre de 2023. Em relação aos números de agentes de segurança baleados em toda Salvador e Região Metropolitana (RMS) em 2023, o Fogo Cruzado notificou 37 registros, com 22 mortos e 15 feridos.

A reportagem procurou também o IBGE para obter dados populacionais do bairro pelo Censo 2022. No entanto, o instituto afirmou que só tem dados sobre a cidade de Salvador como um todo, sem números específicos dos bairros. No Censo de 2010, o IAPI tinha cerca de 25 mil moradores.