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Emilly Oliveira
Publicado em 15 de outubro de 2023 às 16:00
Na ONG Dendê de Aro Amarelo, a capoeira é jogada com o berimbau, os pés e a palavra. Prova disso é o I Festival da Primavera - Flores do Dendê, promovido pela instituição, onde os seus jovens capoeiristas se reúnem em rodas de conversa para aprender sobre a ancestralidade negra soteropolitana, à partir das histórias das mulheres negras que as protagonizaram. No primeiro dia do evento, ocorrido na sede do Ilê Aiyê, no bairro do Curuzu, em Salvador, na manhã deste domingo (15), a homenageada foi a Ialorixá Mãe Hilda Jitolu, matriarca do bloco e grande contribuinte para a educação dos moradores do bairro. >
Ao longo dos seus 86 anos de vida, Mãe Hilda fundou o bloco afro Ilê Ayê, o terreiro Ilê Axé Jitolu, de tradição Jeje, e escola Mãe Hilda - para crianças sem registro que não podiam estudar em outro lugar. Tudo isso a consagrou como uma importante líder religiosa e incentivadora da educação do povo negro e periférico. Em 2023, comemora-se o centenário de nascimento da matriarca. Por esse legado, o projeto, que vai passar pelos quatro núcleos do Dendê de Aro Amarelo, em Salvador, escolheu o Curuzu de Mãe Hilda, para abrir o festival, que é aberto ao público [confira programação]. >
Os capoeiristas do núcleo Curuzu, que conta com o apoio da ONG Um Movimento Só, ouviram as história de mãe Hilda e do Ilê Ayê contadas por duas dos seis filhos da matriarca: mãe Hildelice, filha mais nova que assumiu a posição na liderança do terreiro, e Mirinha ou Tia Rainha, como é conhecida na comunidade, primeira deusa do ébano do Ilê Ayê. As duas são irmãs de Vovô do Ilê, presidente fundador do bloco.>
Mãe Hildelice contou que o Ilê Ayê nasceu no terreiro Ilê Axé Jitolu, na ladeira da Liberdade, sendo transferido para Senzala do Barro Preto apenas em 2003. A escola passou pelo mesmo processo. A instituição de ensino fechou durante a pandemia, mas os filhos de mãe Hilda planejam reabri-la em breve. >
Ao falar sobre mãe Hilda, mãe Hildelice também destacou o quanto a matriarca inspirava, acolhia as pessoas da comunidade, do terreiro, e do quanto foi desafiador assumir a posição que ela ocupava para dar continuidade ao legado. “Nunca passou pela minha cabeça [ser ialorixá], eu precisei aprender para louvar os caminhos dela”, contou a sucessora. >
Já Mirinha, tinha 15 anos quando se tornou rainha do Ilê. Ela conta que participou da última etapa para substituir uma concorrente que havia faltado, mas acabou se destacando e sendo escolhida para representar o bloco no Carnaval de 1976. A deusa do ébano também deu um show de autoestima para as crianças e adolescentes que a ouviam. “Eu quero ver vocês formandos, contando sobre as suas conquistas e sabendo que são homens e mulheres lindos por dentro e por fora”, destacou.>
Os capoeiristas com olhos e ouvidos atentos não conseguiram conter a satisfação de ver e ouvir uma história viva refletida nas duas mulheres. Do canto esquerdo da roda, o pequeno Lucas Gabriel Bessa, 7 anos, pediu para falar e surpreendeu a todos ao não poupar elogios a religiosidade que cerca o legado de mãe Hilda. “Minha avó também é do candomblé e eu acho normal. O candomblé é lindo”, elogiou Lucas, que está há um ano no Dendê de Aro Amarelo. >
Para Carla Santos, mais conhecida como Espoleta, 14 anos, o encontro promovido pelo Festival da Primavera se assemelhou a um espaço de acolhimento, que ela não pretende faltar. “Aqui eu me senti acolhida, livre para ser eu mesma, por mim poderia acontecer todos os dias. Eu amo sentar para ouvir as pessoas mais velhas, porque fortalece a gente”, contou.>
Para o mestre de capoeira fundador da ONG, Mobá Dadá explica que o nome Flores do Dendê foi pensado para representar os sonhos das jovens capoeiristas como Carla e o legado das mulheres negras que contribuíram e continuam contribuindo para o fortalecimento das pessoas negras. “A nossa função é motivar e juntar as peças que estão próximas, fazendo com que elas acreditem nelas mesmas e sigam uma vida plena, sendo respeitadas”, destacou.>
Responsável pela organização do festival ao lado de Mobá Dadá, a Omo Orixá de Ogum, filha do Ilê Axé Ogunjá Omin Inâ, contadora de histórias afro-brasileiras, Carla Pita destaca a importância de fortalecer a noção de identidade nas crianças e adolescentes. >
“Existe um movimento de neopentecostais tentando dissociar a capoeira das religiões de matrizes africanas. As pessoas que fazem parte da corrente neopentecostal têm o direito de praticar a capoeira, mas essa dissociação é preocupante porque capoeira e candomblé sempre andaram de mãos dadas. Por isso, fazemos uma celebração à primavera, mas sobretudo em homenagear as grandes matriarcas e terreiros na Bahia”, ressaltou Carla.>
Programação>
2ª Parte do evento>
DATA - Domingo - 22/10>
HORÁRIO: 9hs>
ONDE: Sede - Terreiro Casa Branca + Núcleo Tororó>
ATIVIDADE Cultural: Roda de Conversa com Mãe Neuza de Xangô e Mãe Sinhá. Ao final da conversa, entrega de Bouquet de Flores a Mãe Neuza e a Mãe Sinhá.>
Ao final da conversa, entrega de Bouquet de Flores a representante do terreiro. >
10hs - Roda de Capoeira Flor da Casa Branca >
3ª Parte>
DATA - Domingo - 29/10>
HORÁRIO: 9hs>
ONDE: Núcleo Vale do Matatu >
ATIVIDADE Cultural: Roda de Conversa com representante do terreiro, falando para as crianças sobre a importância da magnânima sacerdotisa Olga do Alaketu, para o candomblé da Bahia. >
Ao final da conversa, entrega de Bouquet de Flores a representante do terreiro. >
10hs - Roda de Capoeira Flor do Alaketu >
4ª parte - Encerramento do evento>
DATA - Domingo - 05/11>
HORÁRIO: 9hs>
ONDE: Dique do Tororó>
ATIVIDADE cultural: A Sede na Casa Branca, mais os núcleo do Vale do Matatu, da Liberdade e do Tororó, farão uma roda de musicalidade com cânticos e depois Flores para todos, inclusive para as águas do Dique Tororo>
Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo>