Festival exalta baiana que foi matriarca do samba e leva vozes ilustres ao MAM

Evento em homenagem ao Dia das Mulheres reuniu artistas como Mariene de Castro, Ganhadeiras de Itapuã e Juliana Ribeiro

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  • Larissa Almeida

Publicado em 8 de março de 2024 às 22:01

Ganhadeiras de Itapuã se apresentaram no Festival Elas à Frente Crédito: Paula Fróes/CORREIO

Com vista para as águas da Baía de Todos os Santos, quem esteve no Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA) nesta sexta-feira (8) foi cumprimentado não só pela bela paisagem e pelo calor. Isso porque, qualquer que fosse a direção, a companhia da melodia de sambas clássicos entoados por vozes femininas seguiam o público. E a ocasião para isso era nobre: no Dia Internacional das Mulheres, o local recebeu o Festival Elas à Frente, levando mulheres do samba para fazer uma homenagem à baiana Tia Ciata, Matriarca do Samba.

Batizada como Hilária Batista de Almeida, foi como Tia Ciata que a sambista, curandeira e mãe de santo ficou conhecida. Natural de Santo Amaro, no Recôncavo Baiano, ela se mudou para o Rio de Janeiro em 1876, aos 22 anos, e para lá levou o samba baiano, que posteriormente foi disseminado por todo o Brasil.

Mariene de Castro, Juliana Ribeiro, DJ Libre Ana, Gal do Beco os grupos femininos As Ganhadeiras de Itapuã e Samba de Oyá foram responsáveis por reverenciar a homenageada com sua própria arte. Integrante das Ganhadeiras, Verônica Mucúna destacou a importância de Tia Ciata.

“Essa grande Matriarca do Samba e grande ancestral que saiu de Santo Amaro e chegou no Rio de Janeiro fazendo história e levando nosso samba, amadrinhou e protegeu estrategicamente esse estilo musical no quintal da sua casa, acolhendo sambistas e fazendo esse gênero tão necessário nas nossas vidas tornar-se também Patrimônio Imaterial da Humanidade. Tia Ciata hoje é um grande espírito ancestral que continua nos conduzindo nesse legado”, disse.

Verônica Mucúna apontou ainda que faz parte do trabalho das Ganhadeiras de Itapuã levar a história de mulheres que contribuíram para liberdade do povo negro durante o período da escravidão no Brasil, como foi o caso de Tia Ciata a partir do samba. “Trazemos histórias de mulheres de luta que não aceitaram serem colocadas no lugar de subalternas e, a partir das suas estratégias de ganho no comércio, conseguiram comprar várias alforrias. Então, representar as mulheres e contar a história das Ganhadeiras é uma honra neste dia que festejamos as mulheres”, ressaltou.

Ganhadeiras de Itapuã durante apresentação no Festival Elas à Frente Crédito: Paula Fróes/CORREIO

Com repertório repleto de ritmos diversificados como lundu, côco, jongo, maxixe, sembas angolanos, batuque e o samba de roda, Juliana Ribeiro levou a mescla de cadências para o palco, mas focou no samba. “Me apresentar aqui no MAM no Dia das Mulheres foi um presente. A ideia do festival é muito boa, até porque eu entendo que nós somos a continuidade de Tia Ciata. Foi uma homenagem necessária em um grande evento para celebrar a força e o poder feminino na poesia e na música brasileira”, frisou.

Para ela, o papel de Tia Ciata no samba é o de concepção. “O samba é gerado no ventre das tias baianas que saem daqui, já levam o samba e parem ele no Rio de Janeiro. Sem o lugar de ventre, ou seja, as casas dessas mulheres, seria impossível que o samba efetivamente acontecesse porque todas as manifestações negras no século XIX eram proibidas por lei. Então, casa de Tia Ciata é o grande ventre do samba no Brasil”, afirmou.

Consciente do legado deixado pelas mulheres sambistas, a aposentada Ana Preta, 75 anos, foi ao MAM tão somente para se jogar em uma roda de samba com as amigas. “Como eu sou muito alegre, tomei informações para saber como vir aproveitar o Dia das Mulheres em um lugar com show. E eu adoro samba, é a minha cara porque eu gosto de dançar. Vou sambar aqui hoje. Já estou esperando a hora”, declarou, animada.

Ana Preta Crédito: Paula Fróes/CORREIO

Além da programação musical, o festival recebeu 40 stands para expor os negócios de de 100 mulheres empreendedoras de diversos segmentos, como cosméticos, agricultura familiar e economia solidária, joias, cultura, literatura, oferta de serviços, dentre outros.

No stand do Ateliê José e Arcanja Vestuário, era possível encontrar vestidos customizados e acessórios feitos com matérias-primas extraídas da Bahia. Natural de Cachoeira, no Recôncavo Baiano, a artesã Duclécia Viana, de 61 anos, disse que viu a oportunidade de expor os produtos que customiza junto com outras cinco mulheres como um incentivo. “No Dia Internacional das Mulheres, eu enquanto mulher preta que vivo lutando por libertação, reconhecimento e valorização, só tenho a agradecer pela oportunidade de estar aqui exibindo meu trabalho”, comemorou.

Patrícia Amaral e Duclécia Viana, do Ateliê José e Arcanja Vestuário Crédito: Paula Fróes/CORREIO

Por sua vez, a artesã Josenete Cardeal, 48 anos, expôs no festival acessórios e objetos decorativos feitos com crochê, piaçaba e palha da Costa africana. No stand Meninas de Ouro Arte Ameríndia, ela e outras quatro mulheres viram a participação no evento como forma de construir uma rede. “Estamos aqui para esse leque de trocas de informações e formação de contatos. A expectativa é que a gente venda também, mas só de estar aqui é um ganho muito grande”, pontuou.

Josenete Cardeal, do stand Meninas de Ouro Crédito: Paula Fróes/CORREIO

O evento contou com a participação do governador Jerônimo Rodrigues, da secretaria de Promoção da Igualdade (Sepromi) Racial ngela Guimarães, da secretária de Política para Mulheres (SPM) Elisangela Araújo e outras autoridades. Na ocasião, o governador falou sobre a importância da data comemorativa.

“É fundamental que nesse dia a gente celebre as conquistas realizadas pelo movimento de mulheres, mas também é preciso reconhecer que precisamos fazer muita coisa. Só através da educação a gente muda. É mudar a cultura para o respeito das mulheres e o fortalecimento da sua autoestima”, disse Jerônimo Rodrigues.

Já a secretária da Sepromi Ângela Guimarães destacou a pertinência do evento. “É uma oportunidade da comercialização do empreendedorismo liderado por mulheres, do acesso ao crédito, assistência técnica e possibilidade desse entrelaçamento com a cultura com os shows do Elas à Frente do Samba. Então, consideramos essa data um marco”, finalizou.