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Moyses Suzart
Publicado em 29 de outubro de 2025 às 06:00
Uma noite estrelada perfeita para relaxar na varanda de casa. De repente, um clarão toma conta do céu. Uns acreditam se tratar de uma estrela cadente e fazem logo um pedido. Outros mais cismados creem no fim do mundo ou algum disco voador caindo na terra. Na verdade, aquele corpo luminoso caindo do alto não passa de lixo. Lixo espacial. Na madrugada da última segunda-feira, um objeto incandescente pôde ser visto em diversas cidades baianas e parte de Sergipe. Em vídeos na internet, muita gente ficou assustada e uma criança chegou a gritar que era o fim do mundo. O dito cujo era um foguete chinês lançado em 2024. >
Municípios como Ibotirama, Serra Dourada, Angical e Barreiras, além de outras localidades das regiões Sul, Sudeste e Extremo-Sul tiveram registros deste lixo luminoso. Apesar de bonito e assustador, este fenômeno é mais comum do que pensamos. estima-se que existam mais de 130 milhões de lixos espaciais rondando nosso planetinha. >
Tudo bem que a maioria não chega nem a 10 centímetros de tamanho, mas também existem satélites inteiros que podem cair a qualquer momento e fazer estrago. Pior: eles estão mudando a cara do planeta. Estudos revelam que a Terra pode ganhar num futuro não muito distante anéis como Saturno, mas de dejetos deixados na nossa órbita. Um lixão, literalmente. Alguns, como foram vistos aqui, acabam invadindo nossa atmosfera, mas poucos atingem o chão. O problema é saber onde vão cair. >
“O meteoro é o corpo celeste que passa no espaço. Quando ele entra na atmosfera da Terra, atravessando camadas como a mesosfera, ionosfera e estratosfera, ele recebe o nome de meteorito. Tanto meteoros quanto meteoritos, assim como o lixo espacial, entram de forma aleatória, não há um ponto fixo de queda”, explica o professor matemático e astrônomo, Augusto Cezar Orrico, coordenador científico do Planetário da Ufba. >
Segundo o astrônomo, o lixo espacial é mais fácil de monitorar porque orbita mais próximo da Terra, mas ainda representa risco. “Esses objetos, quando são grandes, se fragmentam ao entrar na atmosfera. À noite, o atrito com o ar provoca fogo e brilho, o que faz muita gente confundir com meteoros. No interior do estado é mais visível, porque há menos poluição luminosa. Na capital, o brilho, que dura uma fração de segundo, é ofuscado pela luz artificial”, diz.>
A maior parte desse lixo, diz Orrico, se desintegra antes de atingir o solo. São milhares de fragmentos que caem, quase diariamente, mas a maioria é tão pequena que incandesce e desaparece. Outros caem em oceanos ou em lugares como o deserto. Mesmo assim, se um pedaço pequeno entra na atmosfera a altíssima velocidade, entre 900 ou 1000 km por hora, pode causar um estrago comparável a uma pequena explosão. O que importa, na verdade, não é o tamanho, mas a velocidade e o ângulo de entrada.>
Orrico lembra que o acúmulo de sucata espacial é um desafio crescente. “Hoje, se você acessar o site da NASA e pesquisar por ‘lixo espacial’, verá algo impressionante. Só Elon Musk tem mais de 10 mil satélites orbitando a Terra. Todos eles têm vida útil de cerca de cinco anos e precisam ser substituídos. Mesmo desativados, continuam lá em cima, sujeitos a colisões com outros detritos. Imagine este acúmulo. É por isso que as empresas lançam constantemente novos satélites, para manter suas constelações operando”.>
Apesar do monitoramento, ele ressalta que não há tecnologia capaz de impedir completamente a queda de fragmentos. “Se um lixo espacial cai em uma área habitada, não há como evitar. Mas, como a órbita é baixa, as agências conseguem prever o momento e a região aproximada do impacto. Quando o risco é real, é possível evacuar o local com antecedência”, conta. >
Com mais de cinco décadas dedicadas à astronomia, Orrico também comenta a mudança no olhar do público. “Antigamente, as pessoas viam um meteoro cair e ligavam para rádios e jornais. Hoje, com as redes sociais e o valor comercial dessas pedras, muita gente prefere ficar em silêncio e procurar sozinha. Um meteorito chegou a ser vendido por 29 milhões de reais, então virou objeto de desejo”. >
“Eu vivi essa transição. Quando montei o Observatório Antares, em Feira de Santana, as pessoas vinham de carro nos buscar para mostrar onde um meteorito tinha caído. Hoje, elas mesmas procuram, sabendo que pode ter valor”, recorda.>
Já o lixo espacial, diz o astrônomo, tem destino menos glamouroso. “Ele chega em pedaços pequenos, geralmente feitos de alumínio ou titânio. Às vezes sobrevivem tanques de combustível ou parafusos, mas sem grande importância científica. É diferente de um meteorito, que traz registros de outros corpos do sistema solar”, completa. A beleza dos clarões no céu pode até fascinar, mas é também um lembrete incômodo de que o lixo humano já ultrapassou os limites do planeta. Que raça esta nossa, em?>
O que é lixo espacial e por que ele pode se tornar o “anel de Saturno” da Terra