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Larissa Almeida
Publicado em 9 de janeiro de 2024 às 05:00
Sentado ao lado de duas crianças, quem vê Davi Luís dos Santos na Praça Deodoro, no Comércio, percebe a liderança de longe. É ele quem coordena as brincadeiras, cuida dos mais novos e delimita até onde podem ir. Mesmo desempenhando o papel de ‘gente grande’ para os menores, Davi também é uma criança. A diferença é que ele não tem casa, assim como mais de 370 crianças e adolescentes em situação de rua em Salvador, conforme aponta dados do Censo das Pessoas em Situação de Rua de Salvador. O estudo é fruto de uma parceria entre a Prefeitura e o Projeto Axé, com cooperação técnica da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Movimento População de Rua (MNPR) e a Rede Cata Bahia. >
Aos nove anos de idade, Davi ocupa as ruas do Comércio com a sua família há pelo menos um ano. A mãe, que permitiu que o filho falasse embora não quisesse se identificar, trabalha como ambulante na praça e diz que o menino ajuda como pode. Ele, um pouco tímido, conta o que faz. “Eu peço ajuda na rua e ajudo a vender chocolate. A gente fica aqui na praça, depois vai para a ocupação e brinca”, relata. “Meu sonho é viajar e ajudar as pessoas necessitadas”, completa. >
O sonho de Davi se soma ao do seu amigo, que aos 8 anos também deseja viajar. Ambos, contudo, sequer têm acesso à educação, uma realidade na vida de jovens nessa condição de vulnerabilidade, segundo aponta Rossimara Cunha, diretora do Projeto Axé. “Muitas crianças dessas, justamente por irem para as ruas, deixam de ir para as escolas e de ter acesso à educação, que é um direito assegurado para elas. Com isso, a gente tem os dados da pesquisa sobre educação [que apontam] gargalos da quinta série, no final do Ensino Fundamental e do Ensino Médio. Sem conseguir acessar o direito à educação, elas continuam precarizadas na relação de trabalho”, constata. >
Em Salvador, o Censo revela que há 275 crianças, de 0 a 11 anos, e 98 adolescentes, de 12 a 18 anos, em situação de rua. Enquanto os adolescentes foram entrevistados individualmente, as crianças só participaram do estudo ao lado dos responsáveis. >
Dentre os fatores que contribuem para a ida dos jovens às ruas, está a exploração do trabalho infantil. Com a família inteira nessa situação, trabalhar para ajudar a ter o que comer é a única saída encontrada por muitas delas, que são submetidas a trabalhos diversos, de vendedores a pedintes. >
Outro fator são os maus tratos vivenciados em seus antigos lares. “Vemos muitas crianças que moram com a mãe e um padrasto, e muitas vezes esse padrasto não trata de forma devida, maltrata essas crianças, fazendo com que elas se vejam numa situação muito delicada e acabem fugindo para as ruas para poder tentar algo de melhor”, pontua Rossimara.>
*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo>