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Gil Santos
Yasmin Oliveira
Publicado em 7 de outubro de 2023 às 16:00
Foram 11 horas despejando esgoto no mar do Rio Vermelho durante a operação de manutenção da Estação de Condicionamento Prévio do Lucaia, realizada na última terça-feira (3). Até a madrugada da quarta (4), uma água escura desceu pelo canal e desaguou ao lado da Vila Caramuru, antigo Mercado do Peixe. >
Com a paisagem irreconhecível, as reclamações pipocaram. Por conta da operação e da recomendação do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), pescadores não puderam trabalhar, comerciantes colecionaram prejuízos, enquanto especialistas listaram os impactos ambientais e para a saúde.>
Segundo o biólogo Gabriel de Souza, pesquisador e professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano (PPDRU) da Universidade de Salvador (UNIFACS), embora a dinâmica de marés permita a diluição do esgoto, os impactos avançam na perspectiva social, econômica e ambiental. >
Conforme o Inema informou em nota, as análises realizadas após a operação indicaram níveis próprios para banho mas o instituto recomendou que as praias próximas ao Largo da Mariquita não fossem frequentadas nas 48h seguintes à manutenção. >
“Recomendação esta que se estende a todos os trechos de desembocadura de rios, córregos e canais de drenagem de Salvador e outros centros urbanos, independente da obra em questão, de bairro e/ou cidade. Estas áreas, quando chovem, drenam as águas de chuva, que são fortemente contaminadas pelos resíduos/lixo deixados no solo. Os rios de maior porte também recebem muitos esgotos clandestinos ligados a rede de drenagem pluvial”, informou o Inema.>
A moradora Júlia Cardoso comentou que reluta em visitar a praia em frente à sua casa. “Estou evitando as praias do Rio Vermelho até domingo. Esse esgoto que foi jogado na água me deixou muito insegura para ir à praia diante da aparente falta de cuidado com os despejos”, disse. A preocupação dela, porém, não é compartilhada com todas as pessoas. “Vim pra praia com minhas amigas e não estamos ligando. É verão, a cidade está muito calor”, afirmou Beatriz Nunes, estudante do Bacharelado de Saúde da Ufba, aproveitando o Farol da Barra. Ela estava acompanhada das colegas Tayana Costa e Beatriz Matos, que também afirmaram não ter preocupação com as águas impróprias.>
O biólogo Gabriel de Souza ressaltou que a colônia de pesca do Rio Vermelho é constantemente afetada pelo lançamento de esgoto que chega ao mar através do Rio Lucaia: “Com esta situação, depois de 11h de despejo, os pescadores terão maior impedimento, pois os impactos podem se estender por mais de uma semana”. >
O diretor do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia, Francisco Kelmo, acredita que a estimativa do Inema tenha sido muito otimista: “Minha recomendação seria com 24 horas fazer as medições e, caso os valores ainda sejam altos, repeti-las com mais 24 horas”. Gabriel Barros ressalta ainda que a pesca no local deve sofrer um grande impacto devido ao desaparecimento temporário de algumas espécies.>
Conforme o Inema, este tipo de atividade sempre tem impacto ambiental. “Toda a operação foi devidamente planejada exatamente para mitigar/diminuir os impactos desta operação necessária, incluindo um acompanhamento do Inema e monitoramento das praias antes e depois da operação”, relatou.>
O modelo ideal de uma estação de tratamento de efluentes (ETE) deve ser composta por 4 etapas:>
De acordo com o biólogo Gabriel Barros, este modelo possui maior eficiência na remoção de poluentes, porém, também possui um custo maior se comparado com o atual modelo utilizada na capital baiana. E este é o problema da situação ocorrida no Rio Vermelho.>
“A estação de tratamento do Rio Vermelho compõe o Sistema de Disposição Oceânica (SDO) do Lucaia, sendo um sistema de tratamento que apenas cumpre a função de remover sólidos grosseiros e algumas partículas finas do esgoto coletado. Ou seja, a ETE praticamente só faz o tratamento preliminar do esgoto recebido (em partes o tratamento primário também) e o destina para o mar”, explicou Gabriel. “É um modelo que aposta na diluição marinha das águas cinzas. Embora este modelo de emissários submarinos seja utilizado por outras cidades litorâneas, a exemplo do Rio de Janeiro, tal modelo é ultrapassado e ambientalmente inadequado. O ideal é investir em mais etapas de tratamento nas ETEs, garantindo maior eficiência na remoção de poluentes e destinação de efluentes mais seguros para o ambiente”, completou.>
Por meio de nota, a Embasa relatou: “O condicionamento prévio de esgoto é o processo empregado nos sistemas de disposição oceânica (SDO) por emissário submarino em várias cidades litorâneas do mundo. O SDO do Lucaia, em Salvador, tem licença do Ibama para lançar efluente sanitário condicionado de acordo com legislação ambiental pertinente a 2,4 km da costa a 27 metros de profundidade. Esse modelo consiste no aproveitamento do oceano para dispersão do efluente condicionado por emissário submarino, a grande distância da costa. No oceano, com a movimentação das correntes, a exposição ao sol e aos microrganismos presentes na água, o efluente se depura e se integra novamente à natureza, conforme as diretrizes estabelecidas pela Resolução 357/05 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama)”.>
Além dos impactos ambientais, o despejo de esgoto no mar pode causar sérios danos à saúde. A dermatologista Patrícia Gutierrez da Clínica Sanjuan contou que os banhistas correm o risco de adquirir doenças infectocontagiosas pelo contado direto com a pele ou através da ingestão da água contaminada causada por vírus, bactérias e parasitas. >
O risco da contaminação de pele se torna maior se tiver uma lesão pré-existente como um simples arranhão ou pequena erosão. Estão na lista as micoses de pele superficiais; a leptospirose pela ingestão da água contaminada pela urina do rato ou pelo contato direto da pele, que é a via mais comum; hepatite A; cólera; e diarreia infecciosa, entre outras doenças. A dermatologista diz que é preciso ficar atento aos sintomas.>
“Sinais de pele que podem sugerir infecção pelo contato com água contaminada são placas ‘vermelhas’, ou descamativas, podendo coçar e pústulas. Outros sinais são diarreia, febre, cansaço, desidratação no caso da diarreia infecciosa; e dor muscular, vermelhidão nos olhos, tosse, calafrios, febre alta, dor de cabeça em caso de leptospirose”, explicou. >
A recomendação é assim que surgir as manifestações na pele ou sinais sistêmicos como febre, cansaço, calafrios e diarreia procurar um dermatologista, e evitar qualquer receita caseira pelo risco de dermatite de contato, a alergia. >
Segundo a médica infectologista, Clarissa Cerqueira, o ideal é saber as condições da água antes de entrar em contato com ela. Caso contrário, evitar entrar na água com qualquer ferida no corpo ou ingerir essa água. “Agora, uma vez que a pessoa tenha contato não tem o que a gente possa fazer, apenas observar se vai ter algum tipo de doença pra caso evolua aí a gente faça o tratamento a depender dos sintomas”, relatou a médica.>
Como foi o caso do pescador Almiro Santos, 50 anos, que estava com o corpo cheio de bolhas. O médico diagnosticou micose. “É da sujeira do mar. O contato com a água suja que é despejada no oceano, com as bactérias, me deixou assim. Estou usando a medicação que o médico passou, uma espécie de antialérgico, e a pomada. Trabalho na colônia do Rio Vermelho e peguei isso tem cerca de seis meses”, contou. >
Em comentário na rede social (Instagram), a Embasa informa que a operação foi previamente autorizada pelos órgãos ambientais envolvidos, Inema e Secretaria Municipal do Meio Ambiente. Na Prefeitura de Salvador não há uma Secretaria Municipal do Meio Ambiente dentro da gestão municipal. No entanto, foi questionado a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (Sedur) se houve algum pedido de autorização ou licença para a operação da Embasa.>
A Sedur informou que não foi localizada por eles nenhuma solicitação da Embasa para esse serviço e, portanto, não foi concedida uma licença. >
Foi perguntada a Embasa quais órgãos da Prefeitura de Salvador foram procurados para a autorização ou comunicação da ocorrência da operação. Por meio de nota, a Embasa afirma: “Não é praxe ou obrigatória a comunicação prévia à Sedur. A comunicação foi enviada a Sucop por conta da interferência com o BRT. Entretanto, salientamos que a Embasa, nas próximas manutenções programadas, irá manter contato direto com a Sedur, visando o alinhamento prévio entre todas as partes”.>
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a Secretaria de Meio Ambiente do Estado da Bahia (SEMA), o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e o Ministério Público da Bahia (MP/BA) foram contatados pela redação e não houve retorno.>