Maternidade da Ufba lança caderneta para acompanhamento da gestação de homens trans no SUS

Apresentação aconteceu na tarde desta quinta-feira (2)

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  • Raquel Brito

Publicado em 2 de maio de 2024 às 22:09

Cartilha foi lançada nesta quinta-feira (2)
Cartilha foi lançada nesta quinta-feira (2) Crédito: Ana Albuquerque

A primeira caderneta de acompanhamento gestacional de homens transexuais do Brasil foi lançada nesta quinta-feira (2). Idealizada pela Maternidade Climério de Oliveira (MCO), da Universidade Federal da Bahia (Ufba), vinculada à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), a cartilha foi desenvolvida de forma a garantir maior atenção às especificidades de uma gestação transexual pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

A caderneta de pré-natal para homens trans foi desenvolvida de forma multidisciplinar e com a presença desses homens, com o objetivo de levar para o papel o trabalho de assistência voltada a esse público que a maternidade já faz desde 2021 através do Programa Transgesta.

A cartilha é essencial no decorrer da gravidez. Entretanto, o padrão do SUS tem como base a gravidez de mulheres cisgênero, referindo-se à pessoa gestante no feminino e sem considerar os cuidados especiais da gravidez transmasculina. Dois dos principais exemplos dessas particularidades são como o uso de hormônios pode afetar a gravidez e como será a fase de aleitamento.

“Nós não podemos deixar de falar que existe todo um investimento hormonal, toda uma alteração que ocorre antes do gestar e que são fundamentais para o desenvolvimento de uma criança saudável e para a saúde da pessoa que gesta também. Às vezes existe todo um processo de alteração corporal que pode ocorrer durante esse processo, que não impede de gestar e parir, mas que precisam de cuidados de um olhar especializado, multidisciplinar e que dê um cuidado seguro a essa população”, explicou a superintendente da MCO, Sinaide Coelho. Segundo ela, o uso da caderneta poderá gerar também dados que contribuam para a criação de políticas públicas voltadas para as pessoas trans.

O projeto foi pensado em três volumes: o primeiro é a cartilha, voltada para o cuidado da gestante e do seu companheiro ou companheira; o segundo, ainda em desenvolvimento, orientará sobre os cuidados com recém-nascidos; e o terceiro abordará os direitos do gestante e da criança.

Bernardo Costa, barbeiro de 24 anos, está no final da gravidez e é um dos homens que defenderam a criação do documento. Hoje, para oficializar o lançamento, ele recebeu a primeira cópia da caderneta. “A cartilha veio para mudar os espaços, para trazer dignidade e fazer com que a população mude um pouco o seu conceito sobre as pessoas trans que estão gestando, sobre o conceito de gestão. A gente ouve falar muito da família tradicional e não existe mais isso. O Brasil não é tradicional, é uma pluralidade, uma diversidade”, disse.

O jovem sempre teve o sonho de ser pai, mas não considerava gestar. Foi só ao conhecer seu parceiro que a possibilidade de ter um filho biológico se tornou viável para Bernardo.

“Quando eu me entendi como homem trans, ainda tinha uma certa relutância sobre muitas coisas, porque eu ainda tinha um pensamento enraizado de ‘sou homem, tenho que agir que nem homem’, como fala nossa sociedade”, conta. “Sempre pensei em adotar ou algo do tipo, mas quando conheci meu companheiro, eu me senti seguro para passar por uma gestação, porque sabia que ele me daria apoio e carinho e que ia passar por toda a fase comigo”.

A caderneta foi apresentada aos presentes por Fanny Barral, chefe da Unidade de Atendimento à Saúde da Mulher. Com 14 páginas, o documento traz espaço para questões como se a pessoa é mastectomizada, se usa binder – tecido elástico que aperta os seios – e algum hormônio. Como a cartilha trabalha com a lógica de que o pré-natal não é só da pessoa gestante, mas da família, há perguntas voltadas também para as vacinas e exames laboratoriais da parceria.

Além da superintendente da maternidade, a mesa de lançamento contou com o superintendente do Sistema de Saúde da Ufba, Roberto José Meyer, representando o reitor Paulo Miguez; José Santos, assessor de Conformidade, Controle Interno e Gerenciamento de Riscos, representando o presidente Arthur Chioro; o promotor de Justiça Carlos Martheo, a defensora pública e mulher trans Yuna Vitória, que atua na Casa da Mulher Brasileira; e o coordenador regional do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrat) na Bahia, Guilherme Bernardo Nascimento.

Segundo Yuna, o lançamento é extremamente importante para a inclusão das pessoas transexuais. “O nosso discurso era inteligível para os profissionais. O corpo masculino gestando não era compreendido, a demanda era sempre identificada como uma questão sistêmica, estrutural, e nunca como uma resistência a se quebrar o hábito e passar da página dois no projeto de inclusão”, disse.

*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.