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Músico, compositor e pesquisador é considerado uma referência na cultura afro-brasileira
Gil Santos
Publicado em 30 de novembro de 2023 às 15:34
Quando o violão deu as primeiras notas da canção ‘Cordeiro de Nanã’ o auditório da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (Ufba) acompanhou em coro essa que é uma das letras mais conhecidas da cultura baiana. O autor do clássico, Mateus Aleluia, 80 anos, estava sentado no palco e acompanhou tudo com atenção. Nesta quinta-feira (30), ele foi homenageado com a comenda Ubiratan Castro, sendo a primeira personalidade a receber a honraria.
Mestre Mateus Aleluia é cantor, compositor, instrumentista, pesquisador, remanescente do grupo Tincoãs e considerado uma referência para a cultura, sobretudo para as discussões de raça, ancestralidade e produção afro-brasileira. Representantes de diversos movimentos sociais, lideranças religiosas e autoridades públicas compareceram à cerimônia. A homenagem foi proposta pela Associação dos Professores Universitários da Bahia (Apub). O diretor da instituição e professor de Direito, Ponciano Carvalho, explica.
“É o momento em que a Apub, no Novembro Negro, traz o entrelaçamento entre duas figuras, o professor Ubiratan Castro e o griô Mateus Aleluia, que tem em suas histórias a denúncia de uma sociedade marcada pela desigualdade econômica e também racial. A proposta é que a comenda seja anual, entregue sempre em novembro, e os critérios passam necessariamente pela história de luta antirracista das personalidades”, disse.
Carvalho frisou que apesar de a comenda ser uma iniciativa da Apub, a proposta é que a honraria não fique restrita aos professores e ex-professores de ensino superior. Seu Mateus Aleluia ou griô da ancestralidade, como ele se identifica, é natural de Cachoeira, no Recôncavo. Em 2022, ele recebeu o título de doutor honoris causa pela Ufba e também foi indicado ao Grammy Latino pelo trabalho Afrocanto das Nações.
Foi ao som dos atabaques que Seu Mateus recebeu a comenda das mãos do diretor Ponciano Carvalho e da presidente da Apub Marta Lícia. Depois de segurar a honraria, um troféu que lembra a forma de uma figura humana, o homem de 80 anos voltou para a mesa dançando, fez uma reverência aos orixás e antes de sentar estendeu o presente ao público em um gesto de agradecimento.
“Eu me sinto pleno. Ser homenageado juntamente com a viúva de Bira, nosso Bira Gordo, me deixa sem palavras. O troféu é uma coisa magnifica, porque dá vida a uma pessoa que sempre teve prazer em viver, que foi Ubiratan Castro. Ele não foi somente um intelectual, um militante, foi uma pessoa de vida. Saiu da nossa dimensão energética, está em outro plano, mas continua atuando”, afirmou.
Ubiratan foi professor doutor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Ufba, um dos fundadores do Centro de Estudos Afro Orientais (Ceao) e ferrenho combatente do racismo. Ele morreu em 2013, aos 64 anos. Nesta quinta-feira, a esposa Maria da Glória Araújo e a filha Bárbara Araújo participaram da cerimônia e receberam uma homenagem.
“Estou muito satisfeito porque isso mostra que Bira continua vivo. Os ideais dele da luta contra o racismo continuam vivos. Um dia nós vamos vencer. A escolha de Mateus Aleluia para ser o primeiro a receber a comenda foi perfeita porque a música, a arte, sempre falou alto com Bira”, contou a viúva.
O grupo Tincoãs, do qual Mateus Aleluia fez parte, foi destaque nacional entre os anos de 1960 e 1980. Ele também exerceu a atividade de pesquisador durante as duas décadas em que viveu em Angola, onde realizou pesquisas antropológicas e culturais. Após o retorno ao Brasil, lançou os álbuns Cinco Sentidos (2010), Fogueira Doce (2017), Olorum (2020) e o trabalho mais recente Afrocanto das Nações (2022).
Depois que a cerimônia foi encerrada, o público formou uma fila no auditório para parabenizar o músico. Com o tom de voz grave já conhecido, os cabelos brancos e apoiado em uma bengala, Mateus recebeu os abraços e pedidos de foto com um sorriso. O vice-reitor da Ufba Penildon Silva Filho e a professora doutora do Programa de Pós-Graduação em História Wlamyra Albuquerque também participaram da mesa e fizeram homenagens ao músico.