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O choro de Dadá e o encontro pós-morte de Corisco com o mar

A caganceira Dadá realizou a vontade de encontrar parte do corpo do seu amado no sertão baiano

  • N
  • Nilson Marinho

Publicado em 9 de setembro de 2024 às 05:00

A cangaceira Dadá ao lado do seu amado, Corisco Crédito: Acervo pessoal

Dadá se debruçava em lágrimas. Não queria deixar este mundo sem ter acesso aos restos mortais daquele homem que ainda amava: Corisco, braço direito de Lampião no grupo de bandoleiros. Em sua casa na Rua dos Perdões, no Barbalho, em Salvador, ainda podia sentir a presença do marido. Por vezes, ele se materializava à sua frente.

“O sonho da minha avó desde que me entendo por gente era esse. Eu a ouvia chorar muito. Ela moveu o mundo para isso”, conta Indaiá Santos, neta de Dadá, em entrevista ao CORREIO. Quando não conseguia vê-lo, podia sentir o cheiro do seu suor, como naqueles dias escaldantes em que viveu na companhia do amado em um deserto arbustivo que não tinha fim.

Não era espanto para ninguém quando Dadá anunciava a chegada de Corisco naquele casarão onde vivia com os netos. Clarividente, o perigo lhe era anunciado em sonhos. Por vezes, a bandoleira salvou o grupo de cangaceiros de furiosos e furtivos ataques das autoridades policiais ao ser avisada com antecedência da chegada da morte.

Em 28 de julho de 1938, Corisco e Dadá não estavam presentes na Grota do Angico, em Sergipe, quando as forças volantes chegaram com os primeiros raios de sol e fuzilaram os 12 cangaceiros, provocando suas mortes quase que de forma instantânea. Entre eles estavam Lampião e Maria Bonita. Por sorte, o casal integrava outra frente do cangaço e, naquele momento, não experimentou a fúria das autoridades policiais.

O infortúnio de Corisco e Dadá aconteceu em 25 de maio de 1940. Naquele dia, os dois estavam acampados numa fazenda em Barra dos Mendes, onde descansavam na companhia de uma afilhada de 11 anos e outros dois amigos cangaceiros, antes de partir em direção a Bom Jesus da Lapa. Para conseguirem o rancho, disseram ao dono da morada que eram penitentes rumando para a “capital baiana da fé”.

Na verdade, de lá, o grupo tomaria uma embarcação às margens do Rio São Francisco para viver uma vida nova, longe do arsenal bélico e gozando da pequena fortuna, em jóias, acumulada durante o tempo de cangaço. Permanecer fora da lei não fazia mais sentido para o casal, já que dois anos antes o rei dos bandoleiros havia sucumbido em Sergipe e parte dos outros cangaceiros se entregaram às forças policiais.

À tarde, enquanto os dois repousavam, já pensando na rota de partida, Dadá escutou ao longe o som de um caminhão que se aproximava. Eram as volantes policiais, comandadas pelo Coronel José Rufino, conhecido como o “matador de cangaceiros”. A tropa disparou assim que viu Corisco correr em meio a um descampado, na tentativa de se esconder em algum arbusto da caatinga.

Dadá, que o seguia, foi a primeira a ser baleada. Atingida na altura do tornozelo, seu pé ficou preso à perna apenas pela carne. O marido, um pouco mais adiante, foi alvejado nas costas e no ventre, em frente a um umbuzeiro. Tombou com as vísceras expostas ao sereno. Os dois feridos foram levados para a cidade mais próxima com maiores recursos: Miguel Calmon.

Dadá na maca de um hospital após ter a perna amputada
Dadá na maca de um hospital após ter a perna amputada Crédito: Acervo pessoal

Lá, a perna de Dadá foi amputada abaixo do joelho por três médicos. Já Corisco, que chegou morto, foi sepultado no cemitério municipal. As bactérias e os fungos já haviam cumprido seus papéis, não deixando um pedaço de carne sequer do falecido, quando, 12 dias depois, autoridades policiais de Salvador mandaram exumar o corpo de Corisco.

Do cadáver, tiraram a cabeça e um dos braços. A intenção era que fossem expostos no Museu Nina Rodrigues, na capital baiana, ao lado das cabeças de Lampião e Maria Bonita. Assim o fizeram. Dadá não aceitava tamanho horror. Sofria ao saber que a cabeça do seu amado estava em um pote submerso em formol à mostra para quem quisesse ver.

Parte da sua angústia teve fim quando, em 1969, após três décadas de exposição, os familiares tiveram a oportunidade de realizar o sepultamento dos seus entes. A cabeça e um dos braços de Corisco foram sepultados em um domingo de Carnaval daquele ano no Cemitério Quinta dos Lázaros, em Salvador.

Em 1972, Dadá retornou a Miguel Calmon para buscar os restos mortais do marido, na companhia da neta, Indaiá. No local, com a ajuda de um homem que disse estar presente no dia do sepultamento do cangaceiro, o túmulo foi localizado e revirado. “Tivemos a certeza de que eram os restos mortais do meu avô porque, quando o túmulo foi aberto, estavam todos os ossos, menos aqueles que compunham o braço e o crânio”, relembra Indaiá.

Indaiá ao lado da avó
Indaiá aos 13 anos ao lado da sua avó, em Miguel Calmon Crédito: Acervo pessoal

Os restos mortais foram depositados por Dadá em uma caixa de madeira que ela encomendou em Salvador. Os ossos permaneceram em cima do guarda-roupa do quarto dela, até junho de 1977, quando finalmente a cabeça e o restante do corpo foram reunidos para mais uma cerimônia fúnebre na Quinta dos Lázaros. A sugestão de unir a cabeça à ossada em um novo evento lúgubre partiu do escritor Jorge Amado, grande amigo da cangaceira. Foi ele, inclusive, que pagou por todo o processo.

Dadá encontra parte dos restos mortais de Corisco
Dadá encontra parte dos restos mortais de Corisco Crédito: Acervo

Os restos mortais de Corisco permaneceram na capital baiana até 2012, quando um dos filhos dele, Silvio Bulhões, que morava em Maceió, em Alagoas, resolveu cremá-los, sem consultar o restante da imensa família. Em 26 de maio de 2013, 73 anos após a morte do cangaceiro, as cinzas foram lançadas ao mar, embora, em vida, o bandoleiro jamais tenha visto o Atlântico. Bulhões morreu em março deste ano. Dadá faleceu em fevereiro de 1997 e seus restos mortais estão no ossuário da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, em Salvador.