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Larissa Almeida
Publicado em 2 de janeiro de 2025 às 19:25
Um desmatamento na Fazenda Grande IV, em Salvador, deixou os espaços físicos de 17 terreiros sob risco de desabamento na reta final de 2024. Segundo a Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro Ameríndia (AFA), que registrou queixa junto à Polícia Civil e ao Ministério Público no dia 18 de dezembro, máquinas pesadas passaram a escavar uma grande área de terra. Supostamente, o intuito era de construir imóveis no local, o que afetou os terreiros que usam o lugar como espaço sagrado. >
De acordo com a Polícia Civil, a 13ª Delegacia Territorial de Cajazeiras acolheu a denúncia de discriminação, invasão de propriedade e dano contra os terreiros afetados. Ainda informou que, além das ameaças, destruição de assentamentos e objetos sagrados, os terreiros correm risco de desabamento. >
O documento em que consta a denúncia da AFA, ao qual o CORREIO teve acesso, detalha que tratores e escavadeiras foram utilizados para desmatar a área verde na Rua Heráclito, no bairro de Fazenda Grande IV, realizando “severos cortes em todo o terreno ao entorno, deixando o espaço físico de diversos Terreiros pendurados na beira de verdadeiros abismos de barro”, conforme diz a entidade em trecho. >
Leonel Monteiro, presidente da AFA, conta nunca houve no local alguma placa que identificasse a obra. O desmatamento teve início em 2019, mas foi interrompido por intervenção da comunidade. Em novembro, no entanto, as obras foram retomadas com maior intensidade. Para ele, essa retomada é um exemplo claro da discriminação racial ainda persistente na sociedade. >
“Vejo essa situação como exemplo do racismo estrutural e religioso que ainda existe [...] e que causa danos, às vezes irreversíveis, às Comunidades Tradicionais de Terreiro, que historicamente enfrentam, no seu dia a dia, situações que ameaçam a sua própria existência enquanto espaços sagrados da cultura e religiosidade afro-brasileira [...] e a integridade física dos adeptos das matrizes religiosas afro-indígenas", afirma Leonel. >
A mãe de santo Paula Pantaleão, 33 anos, que comanda o terreiro Unzo Kassanguanje Mukongo, conta que o espaço religioso foi um dos afetados. “Escavaram por volta de um metro e meio próximo à alvenaria do meu terreiro, deixando um desfiladeiro e correndo risco de desabar quando vierem as fortes chuvas. Estou muito abalada, com medo de perder minha casa e medo de acontecer uma tragédia. Fiquei em uma zona de perigo”, enfatiza. >
No terreiro Unzo Kya Zumba, os danos foram ainda maiores. Segundo a mãe de santo Bernadete Espírito Santo, 52, houve perda de 50 metros do terreno. Ainda, houve impacto para o desempenho das atividades religiosas. “Esse espaço verde utilizávamos para arriar oferendas para os orixás, pedir licença e colher folhas de fundamento. Com o desmatamento, perdemos esse acesso que nos ajudava bastante”, lamenta. >
Para além do povo de santo, os moradores do entorno da Rua Heráclito – que não necessariamente são praticantes da religião de matriz africana – também têm sofrido prejuízos causados pelas obras. Por conta das escavações, a diarista Elenildes Couto, 52, relata que a casa em que vive está a apenas 20 metros de uma ribanceira. Ela também diz que foi avisada de que isso iria acontecer, mas em forma de ameaça. >
Segundo Elenildes, em novembro de 2022, homens que disseram ser responsáveis por uma obra apareceram na casa em que mora quando ela não estava em casa e deixaram um recado com os vizinhos de que tinham intenção de indenizá-la. No dia seguinte, eles retornaram pedindo o preço da casa da diarista. >
“Eles vieram, tiraram foto da casa e disseram que dariam o preço apenas dela, já que era um terreno só. Acontece que no terreno tem a minha casa e a de meus filhos. Eles me disseram para dar o preço só da minha, mas eu disse que a casa não estava à venda. Quando eu coloquei preço, um deles disse ‘aí já não é comigo, é com o chefão’. Ninguém sabe quem é o chefão. Ele ainda acrescentou: ‘quem não aceitar a indenização, vai ficar com a casa pendurada’. Isso me machucou muito”, conta. >
Quando constatou que a ameaça estava sendo cumprida, Elenildes afirma que se sentiu desprotegida. “Eles cavaram junto da coluna da casa da minha amiga. Ela me contou que quando eles passaram com a máquina a casa tremeu toda. Outra vizinha ficou com a casa rachada. Eu fiquei em pânico. Quando vi esse calor abafado, só pensei que corremos o risco de uma chuva cair e irmos junto”, fala. >
Ao ser procurada pela reportagem, a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado (Conder), que é responsável pela execução de projetos e obras nas áreas de mobilidade urbana, habitação, qualificação urbanística e edificações de prédios públicos, disse que não há nenhuma intervenção do órgão na Rua Heráclito e que desconhece a obra em questão. >
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (Sedur), que é responsável pela concessão de alvará de autorização de obras em Salvador, informou que enviará uma equipe de fiscalização ao local para verificar a situação e adotar as medidas necessárias. >
Já o Ministério Público da Bahia, que foi destinatário da denúncia enviada pela AFA, disse que só tomou conhecimento da situação nesta quinta-feira (2), mas pontuou que irá instaurar procedimento para apurar o caso. “Todas as medidas cabíveis serão adotadas e eventuais autores responsabilizados”, garantiu. >
A Defesa Civil de Salvador foi procurada para saber se acompanha o caso e se há parecer disponível sobre o risco de desabamento. Em resposta, disse que não foi identificada chamada de vistoria no referido endereço. >
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