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Profissão perigo: nova modalidade de roubos assusta motoristas de apps em Salvador

De janeiro até junho deste ano, 253 casos de crimes contra a categoria foram contabilizados pelo Sindicato

  • Foto do(a) author(a) Bruno Wendel
  • Bruno Wendel

Publicado em 14 de agosto de 2023 às 05:00

Motoristas de aplicativo são assaltados diariamente em Salvador
Motoristas de aplicativo são assaltados diariamente em Salvador Crédito: Divulgação

“Você podia colaborar com a minha segurança já estando no local de embarque na hora que eu chegar? ”. A mensagem que chega aos celulares dos clientes na hora que solicitam o serviço é de uma categoria que vive em risco iminente. E os números justificam o medo. De janeiro até junho deste ano, 253 casos de crimes contra a categoria foram contabilizados pelo próprio Sindicato dos Motoristas de Aplicativos, Condutores de Cooperativas e Trabalhadores Terceirizados em Geral da Bahia (Simattec). No caso de furtos e roubos foram 240 casos, uma média de 1,6 ocorrência diária em Salvador.

“Os bandidos estão cada vez mais espertos e por isso decidi colocar uma mensagem padrão para todos os passageiros avisando. Hoje, se eu chegar no lugar e a pessoa não estiver na porta, eu cancelo a corrida", disse um motorista de 35 anos, autor do comunicado que é enviado automaticamente ao solicitante da corrida.

Ele foi vítima da criminalidade quatro vezes. “Os passageiros demoraram de descer e os bandidos me abordaram”, disse o motorista de aplicativo, que roda há três anos, desde que ficou desempregado no início da pandemia. “A primeira situação aconteceu em Sete de Abril e levaram dois celulares e uns R$ 200 que tinha. Isso foi em junho (2022). Outros dois casos foram em julho - ambos na Pituba. Perdi dois celulares, um em cada. No último, que foi mês passado, em Pituaçu levaram meu carro e me deixaram no CIA. Só fui localizar o carro dois dias depois todo esbagaçado”, contou ele.

De acordo com o Sindicato dos Motoristas de Aplicativos, Condutores de Cooperativas e Trabalhadores Terceirizados em Geral da Bahia (Simattec), algumas dessas ações relacionadas ao tempo de espera foram emboscadas armadas pelos criminosos. “ Os próprios bandidos fazem a solicitação dessas corridas através de cadastros fakes, e os motoristas por aplicativo acabam sendo vítimas, porque muitos usuários não se preocupam com a segurança do trabalhador, que ficam aguardando num local inóspito e aí acontece o assalto”, declarou o presidente do Simattec, Átila do Congo.

Segundo ele, os falsos perfis já resultaram em tragédias. “A modalidade que mais aflige a categoria é justamente esta: a que eles solicitam pelo próprio aplicativo como se fosse uma corrida comum e o motorista acaba sendo vítima do furto, do roubo do seu veículo, do roubo dos seus bens e muitas vezes até de latrocínio”, disse Átila.

Em fevereiro deste ano, Marcos Paulo Pinheiro de Souza ficou internado no Hospital Geral do Estado (HGE) por dois dias, após ser esfaqueado durante assalto, mas não resistiu. Ele foi atacado por dois homens após um deles solicitar a corrida em Sussuarana. A dupla fugiu com o carro.

Já em novembro de 2022, o também motorista de aplicativo Luiz Henrique Ferreira da Silva, 29 anos, foi morto em Plataforma vítima de latrocínio. Ele bateu o carro após receber um tiro na nuca dos suspeitos que o abordaram no trânsito. Henrique trabalhava na função havia dois anos. “A maioria desses crimes poderia ser evitada se o cadastro do usuário tivesse paridade com o cadastro do motorista. As plataformas também são responsáveis pela insegurança, pois não basta só culpar o policiamento”, pontuou Átila.

Medo

Além do risco iminente de assaltos, os motoristas de aplicativo ainda precisam lidar com a ameaça do tráfico de drogas. “No Alto do Peru a gente está evitando ir porque rolou uma conversa de que os traficantes estavam abordando quem é de fora, porque policiais estão rodando com carro de aplicativo e também usando o nosso trabalho como disfarce. Em outros lugares, acham que estávamos ali para levantar informações e passar para a polícia”, contou um jovem, que há dois anos trabalha em uma das plataformas que prestam o serviço na capital.

Em janeiro deste ano, a facção Bonde do Maluco (BDM) impediu a entrada de motoristas de aplicativo no Alto da Pombas. De acordo com moradores, a ação teve o objetivo de impedir que integrantes do grupo rival Comando Vermelho (CV) se disfarcem de condutores para invadir e tomar o comando de pontos de venda de drogas. A mesma informação chegou aos motoristas de aplicativo após um condutor ser abordado por bandidos na entrada do bairro, quando desembarcava uma passageira.

Motoristas de aplicativo são proibidos por traficantes de entrar em alguns  bairros
Motoristas de aplicativo são proibidos por traficantes de entrar em alguns bairros de Salvador Crédito: Arisson Marinho

Para o especialista em segurança pública, o advogado Mateus Nogueira disse que os casos têm relação com o crescimento da violência no estado, em especial em Salvador. “É um estado de insegurança, pânico, que a gente percebe, que, até mesmo aqueles assaltos que aconteciam nos ônibus estão sendo direcionados aos motoristas de aplicativo, porque têm muitas coisas de interesse dos criminosos, que vão de um celular, do golpe do Pix, até o roubo do veículo.”

Polícia Civil

Questionada se os números apresentados pelo sindicato divergem das informações oficiais, a Polícia Civil disse que não dispõe de “dados com esse recorte”. “As estatísticas oficiais são referentes a roubos de veículos, sem especificar crimes contra motoristas de transporte por aplicativo”, informou, em nota enviada ao CORREIO.

A PC informou ainda que o Departamento Especializado de Investigações Criminais, atua no combate aos crimes contra o patrimônio, por meio das especializadas como a Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos de Veículos.

Em relação às ameaças do tráfico de drogas aos motoristas de aplicativo descritas nos bairros do Ato do Peru e no Alto de Coutos, a PC não respondeu, bem como a Polícia Militar.

Plataformas

Em Salvador, três empresas disponibilizam o serviço de transporte por aplicativo: a Uber, a 99 e In Drive. De acordo com o Simattec, essas empresas exigem diversos procedimentos, inclusive a apresentação de documentos, para o cadastramento de motoristas, mas não há o mesmo rigor para utilização dos usuários. Segundo o sindicato, as plataformas, como são chamadas as empresas, não exigem foto do usuário (é facultativo), nem documento de identificação. “Basta o uso de uma rede social ou com e-mail ou telefone. Assim, os motoristas ficam vulneráveis. Tudo isso facilita para que aqueles que têm más intenções possam ter acesso ao serviço”, declarou Átila.

O CORREIO procurou as três empresas, para questionar as denúncias do Simattec. A 99 informou que “prioriza a segurança e realiza escuta ativa com a comunidade de motoristas parceiros para investir em iniciativas que mais fazem diferença para eles.” “O app conta com mais de 50 funcionalidades de segurança, tais como: mapeamento colaborativo das zonas de risco, seguro, inteligências artificiais que analisam potenciais riscos e adicionam camadas de proteção, gravação de áudio, monitoramento da corrida via GPS, exibição da foto do passageiro e do número de corridas realizadas por ele, compartilhamento de rotas com contatos de confiança, botão para ligar direto para a polícia e uma central 24h”, diz a nota.

Já a Uber disse que “não foi fornecida à empresa qualquer informação para checar se as ocorrências mencionadas se deram em viagem com o aplicativo da Uber”, o que não é verdade. Além de enviar os dados do sindicato via e-mail, a reportagem ainda repassou os números para a assessoria de comunicação da Uber, através de aplicativo de mensagens WhatsApp.

A reportagem enviou e-mail para a In Drive, mas não houve resposta.