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Millena Marques
Publicado em 11 de abril de 2024 às 05:00
O Sistema Único de Saúde (SUS) gastou R$ 17,5 milhões para atendimentos hospitalares a pessoas feridas por bala na Bahia em cinco anos, entre 2019 e dezembro de 2023. No mesmo período, quase R$ 61 mil foram destinados para atendimentos ambulatoriais. O valor que custeou os atendimentos de vítimas de arma de fogo é o equivalente ao orçamento de cerca de doze requalificações de Unidades de Terapia Intensiva UTIs no Hospital Geral de Camaçari (HGC). >
De acordo com dados divulgados no portal oficial da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), o governo desembolsou mais de R$ 1,5 milhão para a readequação de 10 leitos da UTI do HGC. Em maio de 2023, o órgão entregou a estrutura da unidade reformulada. O projeto incluiu o isolamento de um dos leitos, a inclusão de pontos de hemodiálise em todos eles e a requalificação de copa, vestiários, recepção para visitante e postos de enfermagem.>
O custo para atender vítimas de arma de fogo costuma ser maior do que o tratamento de outras enfermidades, segundo o presidente do Conselho Estadual de Saúde, Marcos Gemeos. "Os custos do tratamento de ferimentos por arma de fogo podem sobrecarregar os serviços de assistência hospitalar e ambulatorial, o que implica na destinação da verba para esses atendimentos", afirma.>
Com o valor gasto em atendimentos hospitalares a pessoas feridas no estado no período citado acima, seria possível realizar 400.115 mamografias ou 4.252.072 hemogramas completos. Em 2022, a média dos procedimentos custavam, respectivamente, R$ 43,89 e R$ 4 ,13, de acordo com informações do Instituto Sou da Paz, baseadas em dados de produção ambulatorial do Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA). >
Ainda conforme o Sou da Paz, os custos de uma internação por ferimento de arma de fogo custava, em média, R$ 1.889 e R$ 1.886, nos anos de 2021 e 2022, respectivamente. Esses valores custam 3,2 vezes mais do que o gasto federal com saúde per capita. Em casos mais graves, o custo pode chegar a 5,2 vezes mais do que o gasto federal com saúde per capita. O Instituto é uma organização não-governamental que fomenta a efetivação de políticas públicas de segurança e prevenção da violência. >
De acordo com a coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, Cristina Nema, a maior parte dos pacientes internados para tratamento de arma de fogo na Bahia em 2022 é composta por homens (86%), com destaque para adultos de 15 a 29 anos (52%). “O perfil de faixa etária da Bahia é o mesmo do país, um pouco mais da metade dos internados são esses jovcns”, diz. Dados de raça/cor não foram tão precisos em 2022, ano em que houve 60% de informação não-preenchida. >
A Bahia está entre os estados com maiores taxas de internações por ferimentos provocados por armas de fogo em 2022, ocupando a oitava colocação, com 12,4% dos casos nacionais. Foram 1865 internações registradas no ano passado.>
Essa posição implica na destinação de mais verba para atender as vítimas desses casos. "Faz-se necessária a elaboração e implementação de políticas públicas envolvendo os diversos segmentos da sociedade civil e organizada para o enfrentamento deste problema de saúde pública com vistas à adoção de estratégias de prevenção e redução dos índices de morbimortalidade", afirma Marcos Gêmeos.>
A Sesab e a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) foram procuradas pela reportagem, mas não retornaram até o fechamento desta matéria. Foram solicitadas entrevistas com fontes oficiais das pastas para repercussão dos dados. O CORREIO também questionou à Sesab e ao Ministério da Saúde qual valor é repassado anualmente para investimentos no setor da saúde no estado, mas também não obtivemos retorno.>
No âmbito nacional, a pesquisa do Sou da Paz indicou que R$41 milhões do Sistema Único de Saúde (SUS) foram destinados a internações de vítimas de arma de fogo em 2022. Foram mais de 17 mil internações do tipo no país. Norte e Nordeste lideram o ranking de regiões com maior carga nos hospitais, com destaque para Acre e Amazonas, que representaram, respectivamente, 6,8% e 5,7% dos números nacionais.>
Homens, jovens e negros foram o perfil da maioria dos internados. 89,6% são homens, 52,5% são jovens (entre 15 a 29 anos) e 57% são pessoas negras. Ainda conforme o levantamento, pacientes negros permanecem mais tempo internados e sua diária custa 22% menos.>
Foram 1.783 baleados em Salvador e Região Metropolitana em 2023. Desse total, 56 pessoas foram baleadas quando estavam dentro de casa, 54 estavam em automóveis e 30 foram atingidas em barbearias. A maior parte dos baleados foram adultos (1.666), seguido de adolescentes (58), idosos (21) e crianças (17). Deste número, 1.334 adultos, 45 adolescentes, 13 idosos e quatro crianças morreram. Os dados são do Instituto Fogo Cruzado.>
Dos 1.804 tiroteios mapeados pela organização em 2023, a motivação de 93% dos casos foi identificada. Os principais motivos dos disparos de arma de fogo na RMS foram: Ação/Operação policial (659); Homicídio/Tentativa de homicídio (847); Roubo/Tentativa de roubo (200); Disputa entre grupos armados (165); e Sequestro/Cárcere privado (47). >
A letalidade policial é um dos principais fatores responsáveis por esse aumento, segundo a diretora executiva do instituto, Cecília Olliveira. Em Salvador e Região Metropolitana houve 33 chacinas policiais, com 133 mortos. >
"Este ano houve várias operações contra grupos de extermínio liderados por policiais civis e militares, investigados também por forjar provas contra suas vítimas. O debate sobre letalidade policial é urgente na Bahia, que não por acaso tomou do Rio o posto de estado com mais mortos pela polícia", pontua.>
O estado passou a liderar o ranking dos estados que mais matam por ação policial em 2022, ultrapassando o Rio de Janeiro, que ocupava o primeiro lugar desde 2016. Ainda, segundo a Rede de Observatórios da Segurança, que acompanha indicadores de segurança em oito estados brasileiros, a polícia baiana mata quatro pessoas a cada 24h.>
Neste ano, de 1° de janeiro a 9 de abril, o Fogo Cruzado mapeou 516 tiroteios, com 394 mortos e 108 feridos. Do total de casos de troca de bala, 204 ocorreram em ações e operações policiais, que deixaram 145 mortos e 34 feridos. >
*Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro >