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Maysa Polcri
Publicado em 15 de dezembro de 2025 às 05:30
A rua enladeirada que liga as praças Municipal e Castro Alves, no Centro antigo de Salvador, era ponto de encontro de toda a gente importante da cidade. Não por acaso, Jorge Amado, um dos maiores escritores de todos os tempos, apelidou a Rua Chile de coração da capital baiana. Aqueles 400 metros representam a primeira rua do Brasil e, ao longo do século XX, foram os mais importantes da Bahia. >
Construída em 1549 por Tomé de Souza, junto com o próprio nascimento da cidade, ela já foi chamada de Rua Direita dos Mercadores e Rua Direita do Palácio, pela proximidade do Palácio Rio Branco. O nome de hoje só foi oficializado em 1902, como forma de homenagem ao governo chileno, após a morte de oficiais daquele país, que adoeceram em Salvador.>
Veja curiosidades sobre a primeira rua do Brasil
O historiador Murilo Mello lembra que o ápice da Rua Chile como símbolo da modernidade e do capitalismo foi, sobretudo, no século XX. "Ela começa como algo para conectar os edifícios da cidade de Salvador. O tempo que vai passando, vira uma rua comercial, já no início dos primeiros séculos de Salvador. Ali, se estabeleceram as lojas mais importantes da cidade. As pessoas iam passear na Rua Chile, ver as vitrines, serem vistos", conta. >
O auge do movimento acontecia por volta das 17 horas, quando as pessoas deixavam os escritórios e se misturavam no vai e vem de quem subia e descia a ladeira. Em 'Bahia de Todos os Santos', livro em que Jorge Amado apresenta um guia de Salvador, a rua ganha um capítulo especial. O baiano escreveu, inclusive, que haviam pessoas que não podiam ficar um dia sequer sem ir à rua mais badalada da cidade. >
"Ali estão os ricos sem o que fazer, os desocupados, os literatos, os aventureiros, os turistas, gente que sobe e desce a rua, ali as mulheres mostram seus novos vestidos, exibem as bolsas caras, em passeio diário", escreveu Jorge. Um dos principais pontos comerciais era o Adamastor, loja de roupas masculinas de Adamastor Bráulio Silva Rocha, pai do cineasta Glauber Rocha. >
A rua que marca o início da urbanização brasileira também foi palco de diversas 'primeiras vezes'. Na Rua Chile foi inaugurada a primeira sorveteria do Brasil, a Cubana, e a primeira escada rolante. Além, é claro, do primeiro hotel, o Meridional, os primeiros postes de luz e a primeira linha de bonde. >
Os ineditismos da história não blindaram a primeira rua do Brasil das amarguras do tempo. A partir da década de 1970, com o deslocamento do centro comercial da cidade, a Rua Chile foi perdendo o brilho. "A decadência se dá quando Salvador começa a crescer sobretudo a partir do seu Portão Sul que terminava no final da Rua Chile. A cidade se desenvolve pelo lado da Avenida Carlos Gomes, vai ser construída Avenida 7, por J.J. Seabra, a Barra vai se desenvolver e a Pituba também, como um bairro planejado", contextualiza Murilo Mello. >
As lojas de rua perdem ainda mais adeptos com a inauguração do primeiro shopping center da cidade, em 1975, na região do Iguatemi. "A Rua Chile vai perder o seu glamour, a sua importância para os shoppings, para novas avenidas que estão surgindo. A classe média vai frequentar e comprar em novos lugares", emenda o historiador. >
De uns anos para cá, diferentes entes públicos têm se unido com o objetivo de recuperar e restaurar a importância da Rua Chile. Obras foram entregues e há um interesse de empresários em retomar o aquecimento do comércio na localidade. Hotéis de luxo e as recentes lojas e obras residenciais indicam que há potencial para que a rua volte a ser reconhecida como o coração da cidade.>