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Estadão
Publicado em 12 de agosto de 2024 às 08:35
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender uma solução pacífica para Venezuela após a reeleição de Nicolás Maduro, denunciada pela oposição como fraude. O chavismo, no entanto, não abre espaço para uma saída negociada e resiste à pressão internacional para comprovar a sua vitória.>
O governo brasileiro cobra a divulgação das atas de votação, que até agora não foram apresentadas pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), dominado pelo chavismo. A resistência de Caracas complica a posição de Lula, que tenta liderar o diálogo com apoio dos presidentes da Colômbia, Gustavo Petro, e do México, Andrés Manuel López Obrador - todos de esquerda e próximos de Maduro.>
Alto risco>
A posição do governo de pedir por transparência e esperar as instituições venezuelanas antes de reconhecer os resultados divide analistas ouvidos pelo Estadão. Há quem defenda que a cautela está correta e há quem diga que o País deveria ser mais firme com a ditadura.>
"A posição do Itamaraty tem sido correta. Há muitos indícios de fraude, mas a posição de um País que respeita a soberania é de esperar que as provas apareçam para se posicionar", avalia Daniel Buarque, editor da revista Interesse Nacional. Ele pondera, no entanto, que o Brasil precisa impor limites.>
Lula já disse que, apresentadas as atas, a oposição deve contestar os resultados na Justiça (também controlada pelo chavismo) e a decisão deverá ser acatada. "Essa atitude de Lula criou uma armadilha contra o próprio governo. E se as atas não forem apresentadas?", questiona o ex-embaixador Rubens Barbosa, em artigo publicado no Estadão.>
Dúvidas>
"Está claro que Maduro não vai apresentar atas contra si mesmo, se incriminando ou dizendo que ele perdeu", afirma Hussein Kalout, cientista político, professor de relações internacionais e ex-secretário especial de assuntos estratégicos da Presidência>
"Ainda que apresente essas atas, elas já perderam credibilidade. Quem garante que não serão falsificadas ou fraudadas? E quem vai auditar essas atas é o próprio governo", continua. Ele reconhece o quão delicada é a posição brasileira, mas afirma que o País deveria ter se preparado para o cenário de convulsão social e política da Venezuela.>
Desde que voltou ao Planalto, Lula demonstrou dificuldade em criticar o aliado de longa data. Na mesma entrevista em que defendeu a saída pela Justiça, ele disse que não via nada de "anormal" no processo venezuelano. O PT foi além e reconheceu a vitória de Maduro.>
"Existe essa proximidade histórica e ideológica", afirma Buarque ao fazer paralelos com o caso da Nicarágua. "Lula e o PT têm dificuldade (em romper com antigas alianças). É uma visão de mundo antiga, desconectada da realidade.">
Essa proximidade foi vista várias vezes desde o ano passado, quando Lula voltou à presidência. O petista tentou resgatar o chavista do isolamento internacional, que se intensificou depois das eleições de 2018, também contestadas. O Brasil participou das discussões dos acordos de Barbados, que deveriam garantir a lisura do processo deste ano, mas que têm sido desrespeitados por Maduro desde o início.>
Vetos>
De saída, o regime inabilitou a líder opositora María Corina Machado e impediu o registro da candidatura de Corina Yoris, opção inicial para substituí-la. Em resposta, os EUA reimpuseram sanções que haviam sido relaxadas e governos mais simpáticos ao chavismo, como Lula e Petro, fizeram críticas inéditas.>
A pressão se intensificou na reta final da campanha, quando Maduro ameaçou com "banho de sangue" e "guerra civil" em caso de derrota. Lula se disse assustado com a declaração e rebateu: "Maduro tem de aprender. Quando você ganha, você fica, e quando você perde, você vai embora".>
Sem citá-lo diretamente, Maduro respondeu que quem tivesse se assustado deveria tomar um chá de camomila. No dia seguinte, ele disse, sem provas, que as urnas brasileiras não são auditadas. O ataque levou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a cancelar o envio de técnicos a Caracas.>
Ainda assim, o Planalto mandou o assessor especial para assuntos internacionais, Celso Amorim, destacado para ser os "olhos e ouvidos" de Lula. A decisão foi considerada um erro por alguns analistas. "Essa missão, por mais que seja bem intencionada, não tem como avaliar a lisura", afirma Kalout.>