40% das pessoas internadas na Bahia são vítimas de acidentes de trânsito

Só este ano, 1.451 pessoas já morreram no estado e gastos públicos com saúde ultrapassaram R$ 500 mi nos últimos cinco anos

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  • Tailane Muniz

Publicado em 16 de outubro de 2019 às 05:50

- Atualizado há um ano

. Crédito: Betto Jr./CORREIO

De todas as internações hospitalares na Bahia, 40% é representado por pessoas vítimas de acidentes de trânsito, principalmente motociclistas. Cálculos da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) estimam que, por dia, acontecem 59 acidentes do tipo em municípios baianos. 

As informações foram divulgadas na manhã desta terça-feira (15), durante o Simpósio Internacional Trânsito Seguro, realizado na Assembleia Legislativa do Estado da Bahia (Alba). Na ocasião foi iniciada a criação de um plano estadual para reduzir, em pelo menos 20%, o que os especialistas chamam de “epidemia”.

Do primeiro dia do ano até 8 de outubro, 1.481 pessoas morreram vítimas de acidentes no trânsito, conforme dados da secretaria. Neste mesmo período, 16.822 pessoas foram vítimas de acidentes. De acordo com números do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), a maioria das vítimas são homens (75,1%) com idades entre 20 e 39 anos (57,1%).

Custos O secretário estadual de Saúde, Fábio Vilas-Boas, estima um gasto de R$ 500 milhões, nos últimos cinco anos, com despesas que envolvem internações nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), além de múltiplas cirurgias e previdência dos pacientes que acabam inválidos. 

As despesas hospitalares com internação hospitalar de vítimas de traumas como o dele consumiram uma fatia de R$ 50 milhões do Sistema Único de Saúde (SUS) entre janeiro de 2015 e outubro de 2019. Como o montante não contabiliza medicamentos, fisioterapias, órteses e próteses, a Sesab acredita que este valor pode aumentar em mais de dez vezes.

No Brasil, estimativas contabilizam que são gastos cerca de R$ 50 bilhões anualmente com acidentes, incluindo atendimento médico-hospitalar, seguros de veículos, danos à infraestruturas, perda ou roubo de cargas, entre outras despesas. Ao CORREIO, o secretário Fábio Vilas-Boas comentou que a reunião destes dados é possível porque, há um ano, todas as pessoas que sofrem acidentes, no estado, têm as informações repassadas para a Sesab, por meio de uma portaria que tornou o acidente de trânsito uma “doença de notificação compulsória”. 

Ou seja, é obrigatório o compartilhamento de informações entre os órgãos estaduais e municipais sempre que uma vítima dá entrada em qualquer unidade de saúde. Nos últimos dez anos, de 2009 a 2018, foram registradas 24.479 mortes pelos órgãos de trânsito. O dado pode ser ainda maior, destaca Vilas-Boas, ao explicar que as mortes não imediatas, que ocorrem após internação, não entram no cálculo.

“Nem sempre os óbitos refletem a real situação. Para cada morte, você tem de 15 a 20 outras pessoas com lesões graves, e 70% tem lesões menores. Algumas se internam e morrem em meses. Morrer é o evento mais grave”, explica.

Exames e cirurgias Um bom exemplo do alto custo que um paciente gera ao estado é o do servidor público Jorge Machado, 33 anos. Ele sofreu um acidente em São Francisco do Conde, na Região Metropolitana de Salvador, e está internado no Hospital Geral do Estado (HGE) há um mês e dois dias. 

O paciente conta que estava chovendo e era quase meia noite no dia em que ele, pilotando uma moto, sofreu uma batida lateral com um automóvel. “Eu fui arremessado e bati direto na pilastra do hospital da cidade”, lembra. 

Como acidentou-se próximo ao Hospital Municipal, o atendimento foi feito de imediato por profissionais do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Ele passou duas noites na unidade local, onde foram realizados exames de raio-x para detectar a necessidade de engessar as duas pernas. Nesse intervalo, foi diagnosticada ainda uma fratura no fêmur esquerdo e um inchaço no joelho, o que gerou a necessidade de mais exames, além de uma transferência de hospital. (Foto: Betto Jr/CORREIO) Levado para o HGE, em Salvador, o servidor público precisou de novos raio-x, que identificaram que não só o fêmur estava rompido, mas também a tíbia medial, outro osso da perna. Diante do cenário, os médicos precisaram fazer um procedimento de tração no fêmur - tratamento provisório para manter o osso alinhado com ferro até a cirurgia.

Depois, Jorge fez seu primeiro procedimento cirúrgico, no próprio fêmur. Mas foi só o começo, porque ele ainda precisou de um enxerto de pele na perna e outra de inserção de uma placa de ferro para alinhar a tíbia medial. Ele segue tomando medicamentos contra a dor, como tramadol e ibuprofeno. 

Pacientes são afastados do trabalho No Hospital do Subúrbio, em Salvador, dos 2.547 pacientes politraumatizados no último ano, 746 deles, ou 30%, deram entrada em decorrência de acidentes envolvendo automóveis, motos, bicicletas ou outros meios de transporte. De acordo com o cirurgião Divaldo Lopes, coordenador da linha cirúrgica da unidade, nestes acidentes as partes mais afetadas são as extremidades do corpo, como mãos e pernas, mas também são registrados traumas cranioencefálicos.

No hospital, os pacientes a bordo de motos são mesmo a maioria e costumam ter entre 20 e 40 anos. “Essas ocorrências acabam gerando um afastamento das pessoas quanto às suas atividades de trabalho. Como o paciente precisa de tempo de recuperação, fisioterapia para as limitações físicas e, em casos mais extremos, até mesmo amputações. Tudo isso impacta esses pacientes que estão em plena idade produtiva da vida”, detalha Lopes.

A média de permanência no hospital fica em torno de quatro a sete dias. Do total de pessoas que dão entrada, 20% necessita de internação para procedimentos cirúrgicos. Segundo o cirurgião, os períodos em que mais acontecem internações são a Semana Santa, o Dia das Mães e o fim de ano.

Plano de redução Ao menos no âmbito da Saúde, a pasta vislumbra - a curto, médio e longo prazo - três vertentes de diminuição dos acidentes da Bahia. Reprimir e fiscalizar são as primeiras medidas. Há a intenção também de reparar defeitos de infraestrutura e, depois, educar a população.

As zonas rurais do interior do estado são um exemplo, apontado por Fábio Vilas-Boas, de lugares onde sequer uma medida é atendida pela população. “O interior ainda concentra um número maior, tanto em quantidade quanto em gravidade dos acidentes. Nas zonas rurais as pessoas não usam capacete”, observa. O interior, no entanto, não domina os índices em números absolutos.

O plano de ação da Sesab, que entra vigor no início de 2020, conta com a colaboração das polícias Militar, Rodoviária e Federal, além das secretarias de Infraestrutura. A quantidade de blitzes de alcoolemia, a apreensão de veículos ilegais e de motoristas sem habilitação serão intensificados durante as ações do plano. O propósito é ver qual é o problema e direcionar ao setor específico, explica o diretor de Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do Ministério da Saúde (MS), Eduardo Macário. 

“O trânsito ainda mata muitas pessoas no Brasil, especialmente jovens. É importante o serviço integrado para reduzir essa verdadeira epidemia. A partir do momento que a gente qualifica a informação, a gente sabe exatamente onde agir de forma mais eficiente com esses recursos”, comentou Macário. Ele considera, contudo, que os acidentes com mortes diminuíram nos últimos anos. Simpósio Internacional Trânsito Seguro, na Assembleia Legislativa da Bahia (Foto: Marina Silva/CORREIO) Velocidade excessiva A principal busca dos órgãos envolvidos, salienta Eduardo Macário, é a proteção à vida. Dentre o rol de intervenções baseadas em evidências científicas, um corte de 5% na velocidade média de um veículo pode resultar em uma redução de 30% no número de acidentes de trânsito fatais.

Quanto maior a velocidade média do trânsito, maior a probabilidade de um acidente. Por exemplo: um aumento de 1 km/h na velocidade veicular média resulta em um aumento de 3% na incidência de colisões que resultam em lesões, e em um aumento de 4% a 5% na incidência de acidentes fatais.

A Sesab diz que funciona mais ou menos assim: quanto maior a velocidade, mais longa é a distância de frenagem e, em consequência, maior é o risco da perda do controle do carro ou moto. 

Homens jovens correm mais Com uma velocidade de 80 km/h em pista seca, são necessários em torno de 22 metros - a distância percorrida durante um tempo de reação de aproximadamente 1 segundo - para reagir e um total de 57 metros para conseguir parar o veículo completamente. 

Os jovens do sexo masculino, ainda conforme a pasta, são os mais assíduos da alta velocidade e, por isso, os que morrem mais. Outros fatores que podem influenciar a velocidade são o álcool, o traçado da via, a densidade do trânsito e as condições meteorológicas.

“A principal intenção é proteger os mais vulneráveis. Os pedestres, ciclistas e motociclistas, que superlotam as nossas unidades. Há evidências de que a velocidade é um fator de risco que provoca mais os acidentes. E há a utilização dos celulares, todos esses são fatores que podem ajudar a frear”.

Assessor em Segurança Viária da Organização Panamericana de Saúde (Opas) da Organização Mundial de Saúde (OMS), Victor Pavarino defende que a integração entre as áreas é determinante para a eficácia do plano. “A área da saúde tem a contribuir com a visão do trânsito na qualificação da informação epidemiológica”. Saber como, por que, e com quem acontece é o primeiro passo, diz ele, para endereçar o problema a quem é de direito.