'A aliança Brasil-Estados Unidos continuará forte e madura', diz cônsul

Cônsul de Relações Públicas dos EUA no Rio de Janeiro, Paco Pérez fala sobre as mudanças no governo Biden

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  • Thais Borges

Publicado em 30 de janeiro de 2021 às 16:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Para o cônsul de RP dos EUA no Rio de Janeiro, Paco Pérez, a posse de Biden e Harris foi um dia histórico (Fotos: Divulgação/Consulado e Shutterstock)

A posse de Joe Biden e Kamala Harris como presidente e vice-presidente dos Estados Unidos, respectivamente, no último dia 20, foi histórica para o mundo e pode fortalecer a relação com o Brasil. Quem diz isso é o cônsul de Relações Públicas do Consulado Geral dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, Francisco 'Paco' Pérez. 

Em entrevista ao CORREIO, ele falou sobre temas como o futuro da relação entre Brasil e Estados Unidos, após a saída do ex-presidente Donald Trump. Ainda que cada nova administração possa trazer mudanças, para Pérez, a parceria entre os dois países deve ficar ainda mais forte. “Queria destacar que a aliança dos Estados Unidos e do Brasil é muito forte. Ela não muda, no sentido negativo, e só vai se fazer mais importante. Quero destacar que nós estávamos aqui antes e vamos estar aqui depois desse período. Essa relação é forte e madura”, explica. Projetos de intercâmbio e de ensino de inglês no Brasil, como os promovidos pelo Consulado dos EUA no Rio de Janeiro, devem continuar e até ser ampliados. Na avaliação do cônsul, significa que os laços entre os dois países continuam fortes, independente de quem esteja na presidência. "Vamos continuar com todos os programas de antes e vamos chegar a fazer até mais juntos", afirmou.

Uma das oportunidades de intercâmbio, inclusive, está com inscrições abertas: é o programa de bolsas Iniciativa Jovens Líderes das Américas (YLAI, na sigla em inglês), que seleciona jovens empreendedores e líderes da sociedade civil do Brasil para participar de um programa de seis semanas focado na área de empreendedorismo comercial e social, nos Estados Unidos. As inscrições serão aceitas até 14h do dia 25 de fevereiro.

Na conversa, Pérez comentou, ainda, temas como a Amazônia e as restrições de entrada para brasileiros nos EUA devido à pandemia da covid-19.

O mundo acabou de assistir à posse do presidente Joe Biden e da vice-presidente Kamala Harris na semana passada. O que aquela cerimônia representa? O que esse novo capítulo significa para os Estados Unidos e para o mundo? 

Para o mundo, foi um dia histórico. O presidente Biden voltando para a Casa Branca depois de ter sido vice do presidente (Barack) Obama é uma grande conquista. Mas a posse da vice-presidenta Harris como primeira mulher a ser vice-presidenta rompe barreiras muito grandes, também sendo a primeira afro-americana a chegar neste posto. É uma coisa que acho que vai ser sentida por anos, décadas. 

Foi um dia muito especial para a gente. A entrada de uma nova administração sempre gera mudanças, mas neste dia vimos pessoas como Amanda Gorman, uma jovem poeta de 22 anos. O que ela falou nesse dia me impactou muito, pessoalmente. Acho que impactou também muitos americanos e pessoas ao redor do mundo. A mensagem dela foi muito clara. Como nós sempre estamos olhando para o futuro, a história está olhando para a gente. Como oficial do governo dos Estados Unidos, me inspira muito a seguir trabalhando e seguir fazendo mudanças. 

Nós temos algumas diferenças no nosso sistema eleitoral em relação ao sistema americano. A própria questão da contagem dos votos, bem como a certificação só agora em janeiro, são coisas distantes para nós. O senhor poderia explicar melhor como funcionam essas diferenças? 

Realmente é um sistema super complicado. Para qualquer um, é difícil. Mas a coisa que pode ser muito estranha para alguém que não conhece é que o nosso sistema na eleição para presidente não se baseia somente no voto popular. É uma coisa estranha, porque mesmo há quatro anos, quando (Donald) Trump ganhou, ele tinha perdido contra Hillary Clinton no voto popular, porque temos muitas pessoas nos estados da Califórnia e Nova York que são democratas. Mas esses estados só ganham certos pontos eleitorais no colégio eleitoral. 

Esse é o sistema que foi inventado pelos primeiros americanos na Constituição, dizendo que tem que ser por estado. Até hoje em dia seguimos com esse sistema. Nesta eleição, Biden ganhou popular mas também ganhou por muito no sistema eleitoral. Tem vários estados que nós chamamos de ‘swing states’ (estados pendulares) como Flórida, Geórgia, que quase nunca era incluído, mas dessa vez virou; Nevada, Michigan e Pensilvânia. 

Na verdade, Biden ganhou em todos esses estados. Nós ouvimos muitas alegações de fraude, essas coisas, mas é muito certo que a posse de Biden foi uma prova da legitimidade das eleições. A democracia prevaleceu. 

Uma coisa que particularmente chama atenção é o papel dos estados, que têm uma autonomia maior na administração, se compararmos ao que acontece no Brasil. Como isso funciona? 

Eu estudei Direito nos Estados Unidos, no estado do Novo México. Lá, é mais complicado ainda. Lá, os estados têm que ter autonomia. Os representantes estaduais podem fazer muitas mudanças, podem governar todas as leis que têm a ver com o comércio de seu estado. A diferença é que a Constituição dos Estados Unidos têm uma seção que diz que quando tem comércio entre estados, tipo Novo México e Texas ou Novo México e Arizona, é quando o Congresso pode ter essa autoridade. 

Mas é o comércio apenas de um estado, esse estado pode regulá-lo. Pode ser um pouco mais complicado em certas maneiras, mas por outros lados, é mais simples. Só para dar o exemplo do Novo México, nós temos muitos povos indígenas, como o Brasil. Temos 43 tribos registradas dentro do estado. Uma coisa muito interessante é que cada reserva tem suas próprias regras também, elas têm autoridade nesse lugar e é ainda mais complicado. 

Os Estados Unidos tiveram um recorde de participação popular nessa eleição, o que é uma coisa positiva, especialmente tendo em vista que estamos em meio a uma pandemia e que muitas pessoas têm evitado sair de casa. Que interpretações podemos fazer disso?

Eu gostaria também de comparar Estados Unidos e Brasil porque muitos americanos não sabem que no Brasil é obrigatório votar. Porque nos Estados Unidos não é. Desafortunadamente, a participação não chega a 60% muitas vezes. Se lembro bem, tivemos 73% este ano. É um novo recorde de participação. E nós estamos vendo uma participação de pessoas que antes não participavam, não faziam parte do povo que olhava para as eleições, mesmo presidencial ou para o Congresso. Mas eu tenho grande esperança que isso está mudando, que nós despertamos no povo, em geral, mais interesse e uma atitude que diz que, se realmente queremos mudança, cada um tem que participar.É como disse Michael Jackson, temos que começar com a pessoa no espelho (na música Man in The Mirror). E realmente acho que estamos vendo isso nos Estados Unidos e isso é uma coisa que eu espero que continue. 

Muito tem se falado sobre como vão ser as relações entre Brasil e Estados Unidos agora, já que havia um alinhamento do presidente brasileiro com o ex-presidente Donald Trump. Mas agora que de fato o presidente Biden já assumiu, o que podemos esperar? 

Essa é uma coisa que nós sempre vemos em uma mudança de administração. Certamente vão ter mudanças, mas, ao mesmo tempo, o que mais me impacta, que já tenho 11 anos como oficial do serviço exterior, é que as coisas em grande parte continuam. Os mesmos projetos que nós tínhamos antes, por exemplo, no Consulado do Rio de Janeiro, como o ensino de inglês, as bolsas para estudantes do Brasil virem para os Estados Unidos, as oportunidades de empreendimento, tudo vai continuar. 

Eu espero que venha a se ampliar. Só para dar também outro exemplo concreto é que os secretários dos Estados Unidos vão continuar trabalhando com as instituições do Brasil. Isso não vai mudar. Na semana passada, por exemplo, nós tivemos uma visita de um navio da Guarda Costeira dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, depois da posse. Esse mesmo navio vai continuar em direção ao Sul, acho que vai para Argentina e Uruguai e depois volta para Salvador. Ele vai visitar Salvador, na Bahia, no dia 10 de fevereiro. Então, para mim, isso significa que os laços continuam fortes. Vamos continuar com todos os programas de antes e vamos chegar a fazer até mais juntos. Os Estados Unidos são um exemplo de democracia para o mundo e o que acontece lá acaba tendo reflexos em outros países. Como o senhor acha que é possível fazer com o que aconteceu na invasão ao Capitólio, no início do mês, não seja um incentivo para outros lugares do mundo? Ou que lições podem ser passadas a partir disso?

O mundo é menor hoje. O que acontece nos Estados Unidos pode ser compartilhado no telefone de alguém em Porto Seguro, no Rio de Janeiro, em qualquer parte do mundo. As pessoas estão vendo, estão compartilhando mais, estão sabendo o que está acontecendo. De certa maneira, você tem razão porque isso tem um efeito, porque pode influenciar outras pessoas. 

Mas os Estados Unidos estão levando muito a sério o que aconteceu no dia 6 de janeiro. O FBI, por exemplo, sei que já tem prendido muitas pessoas e está processando essas pessoas. Acho que vão fazer todo o possível dentro da lei para mostrar que um acontecimento como esse não pode acontecer. Esse não é o modelo de democracia que nós valorizamos tanto. Para mim, esse foi um momento chave onde muitos americanos vão acordar e dizer: ‘o mundo tem que mudar’. Eu espero que nós possamos aprender com esse evento e realmente ter mais consciência no futuro. 

Que postura podemos esperar dos EUA a partir de agora com relação à Amazônia?

É difícil dizer exatamente porque ainda não temos muito concreto do governo Biden. Eu mencionei que eu sou do Novo México. Nossa congressista do Novo México, que foi a primeira mulher indígena a ser representante do Novo México no governo dos Estados Unidos (Deb Haaland), foi nomeada secretária do interior. Isso significa que ela vai trabalhar com o Brasil. Ela já falou muito sobre a Amazônia.Acho que com certeza podemos esperar um governo Biden muito interessado na Amazônia, mas acho que devemos ver isso como uma oportunidade. Realmente acho que nós já tínhamos laços estreitos falando desse assunto. Eu já participei de vários fóruns sobre a Amazônia e temos um escritório nos Estados Unidos que trata quase completamente desse assunto, doando milhões de dólares por ano para projetos na Amazônia e com pessoas indígenas. Isso já estava acontecendo e com certeza vai continuar. 

Para mim, vamos ter que ter uma maneira de trabalhar juntos e vamos encontrar essa maneira. 

Uma das notícias dessa semana é a manutenção da restrição de entrada de brasileiros ou pessoas que passaram pelo Brasil nos últimos 14 dias, nos Estados Unidos por conta da pandemia. Essa é certamente uma questão que gera uma certa expectativa dos brasileiros, mas também é uma questão de saúde pública. É possível ter uma noção de quando essas medidas devem ser reavaliadas?  

É muito difícil de dizer, mas uma coisa que eu gostaria de mencionar referente a esse anúncio é que certos meios não entenderam bem ou interpretaram um pouquinho mal. Porque o que foi anunciado essa semana é uma continuação do que já estava sendo feito. Não mudou nada dentro desse período. 

Mas o que mudou, no meu ponto de vista, é que o presidente Biden vai levar muito a sério as questões sobre a covid-19. Uma das primeiras regras que ele apresentou é que a máscara agora é obrigatória em compartimentos federais, nos aviões, nos trens. Mas isso, para mim, é no curto prazo. Isso vai nos ajudar a combater a pandemia. 

Nós já estamos vendo muitas pessoas vacinadas no Brasil, nos Estados Unidos, no mundo inteiro. Então, estamos vendo um avanço em relação à pandemia, mas ainda não estamos fora de perigo. Além de uma continuação, é uma mensagem clara de que ainda devemos ter a pandemia como uma prioridade número 1. 

Pessoalmente, estou louco para voltar a Salvador, para que cada vez mais o Acbeu possa fazer aulas de inglês e para retomar todas as ações que tivemos antes. Mas, no momento, é melhor esperar um pouco mais para passar esse período, porque ainda é muito sério. 

Um dos pontos muito importantes da relação Brasil-Estados Unidos são os programas de intercâmbio cultural que o consulado promove, e as iniciativas de ensino de inglês. Mas a gente está no meio da pandemia. Como estão essas iniciativas atualmente e quais são as perspectivas, projetos para o futuro? 

As pessoas, com essa pandemia, começaram a estudar muito mais online, aproveitando todos esses recursos disponíveis online. Mesmo o Acbeu, nosso maior parceiro em Salvador, ofereceu tantas oportunidades online que foi impressionante. Uma delas foram os MOOCs (Massive Open Online Courses, que pode ser entendido como cursos onlines abertos massivos), que estão disponíveis em nossos sites online para milhões de pessoas estudarem ao mesmo tempo. 

Outra coisa que sei que está funcionando em Salvador é o ChatClass, que é tipo o Duolingo, que você pode aprender inglês online, mas pelo Whatsapp. É muito avançado.  E para os que aprenderam inglês ou se interessam por empreendedorismo, temos um projeto que a data limite de inscrição é no dia 25 de fevereiro, chamado YLAI. É para jovens empreendedores irem para os  Estados Unidos fazerem um intercâmbio lá. Seria muito legal ter mais participantes da Bahia no próximo ano. 

Como é a participação dos baianos?

Estamos muito felizes com a parceria que temos com os grupos da Bahia, seja de estudantes de inglês ou do Acbeu. Nós vemos muitos resultados. O grupo de alumni da Bahia é o mais ativo. Com certeza, nós estamos muito felizes vendo que a participação da Bahia é muito forte. 

Mas uma coisa que limita não só baianos, mas brasileiros de forma geral, é o inglês. E o inglês é primordial para alguns programas. O YLAI precisa de um bom nível de inglês. Então, essa seria minha maior dica para alguém que quer estudar nos Estados Unidos ou participar de um projeto de intercâmbio: trabalhar esse nível de inglês usando os recursos disponíveis online, mesmo durante a pandemia. É uma época boa para isso, o Acbeu está dando muitas aulas online nesse período e é uma boa oportunidade. 

Queria destacar que a aliança dos Estados Unidos e do Brasil é muito forte. Ela não muda, no sentido negativo, e só vai se fazer mais importante. Quero destacar que nós estávamos aqui antes e vamos estar aqui depois desse período. Essa relação é forte e madura.