A arte como antídoto contra a barbárie

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  • Paulo Sales

Publicado em 10 de junho de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Essa história, ocorrida durante a Segunda Guerra, é bem conhecida. Numa revista de soldados nazistas ao apartamento de Pablo Picasso em Paris, um deles observa uma reprodução do quadro Guernica num painel e pergunta ao artista: “Foi você que fez isso?” Picasso responde: “Não, foram vocês”. Explica-se: antes de se tornar um dos testemunhos artísticos mais incisivos contra a barbárie, Guernica era apenas o nome de uma pequena cidade do País Basco, no norte da Espanha. Em 1937, durante a Guerra Civil Espanhola, ela foi bombardeada por aviões nazifascistas a serviço da aliança entre Adolf Hitler e Francisco Franco, o futuro ditador espanhol. Morreram centenas de civis.

Guernica, o quadro, reproduz em tom monocromático o horror desse dia, com seus corpos destroçados de pessoas e animais. Está exposto no Museu Reina Sofia, em Madri, depois de décadas no exílio, enquanto o fascismo se espalhava como uma metástase pelo território espanhol. Tanto quanto a obra, a resposta de Picasso ao oficial nazista diz muito sobre como a arte pode e deve ser um espelho da sua época, capaz de capturar o zeitgeist, expressão alemã que significa espírito do tempo. Ela absorve a sujeira em toda a sua dimensão catastrófica e expele de volta indignação, inconformismo e, o mais importante, beleza. 

Artistas - sejam eles pintores, escritores, poetas, músicos, dramaturgos ou cineastas - são, portanto, antenas. Captam e decodificam o sinal dos tempos para convertê-lo em algo totalmente novo. Não falo aqui, obviamente, dos artistas que se tornam escravos de uma causa. Estou me referindo aos homens e mulheres que, ao longo dos séculos, ajudaram a edificar o que chamamos civilização e a compreender as contradições do mundo em todo o seu tenebroso esplendor. Não necessariamente falando de guerras ou conflitos, mas reverberando a náusea, o mal-estar soprando no vento. 

Como disse Faulkner sobre a literatura: “É o mesmo que acender um fósforo no campo no meio da noite. Um fósforo não ilumina quase nada, mas nos permite ver quanta escuridão existe ao redor.” Lá se vão 400 anos desde que Shakespeare desvelou essa escuridão, definindo a vida como uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria e sem qualquer sentido. Já no século 19, Dostoiévski foi essa espécie de farol, tanto que os dilemas morais, éticos e existenciais contidos em romances grandiosos como Os Irmãos Karamazov ainda encontram eco 140 anos depois.

Viajando de novo no tempo e pousando em 1963: quando Bob Dylan compõe uma canção premonitória e antibelicista como A Hard Rain’s A-Gonna Fall, ele está dando prosseguimento a essa tradição. Manifestações artísticas desse porte - e citei tão poucas por falta de espaço - são poderosos antídotos contra a estupidez e a brutalidade. Não perdem a atualidade e serão eternas. Precisamos delas, sobretudo quando o mundo volta a sentir o bafejo de tempos sombrios.