A árvore do tempo sombreia o passeio no parque

Linha Fina Lorem ipsum dolor sit amet consectetur adipisicing elit. Dolorum ipsa voluptatum enim voluptatem dignissimos.

  • Foto do(a) author(a) Kátia Borges
  • Kátia Borges

Publicado em 11 de janeiro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

Você anda no seu ritmo, vence alguns metros sem pressa. Você escuta a música de uma banda que poucos conhecem. Você veste uma roupa confortável. A tarde parece tranquila. Há uma árvore, após a curva, oferecendo alguma sombra. Você pode sentar por ali, apertar o pause, ficar em silêncio. Você pode simplesmente seguir e bater a meta. Dez mil passos diários. É possível completar o percurso antes que o sol desapareça.

Mais adiante, há um rapaz puxando um cachorro pela coleira com brutalidade. Você adianta o passo e para perto, finge ajeitar o cadarço, ensaia um alongamento. O bicho resiste aos apelos do dono, mantendo as patas traseiras travadas, os fundilhos arrastados, quase riscando a pista ocre do parque. Você imagina como seria a história da humanidade contada por um animal. Quem sabe, aquele.

Um cão onisciente segreda a história de resistência da espécie, enquanto deixa rastros de sua passagem nos postes. A infalibilidade de seus métodos de subserviência. Recuperar objetos atirados longe, implorar afagos, fingir-se de bobo alegre, abanar o rabo. Você não interfere, embora a violência da cena o incomode. Respeita o fato de os cães serem descendentes dos lobos – e os lobos sempre sabem o que fazem.

Porém, já distante, ainda carrega consigo aquela digressão. Pensa em Anúbis, o deus egípcio canídeo, enquanto atravessa a alameda com a estátua chinesa. “O silêncio é um amigo que nunca trai”, dizia Confúcio aos seus discípulos sabe-se lá em qual século. Há quem ganhe dinheiro compilando coisas que as pessoas nunca disseram. Ah, mas isso você bem sabe. Lembra da frase dita por Glauber Rocha a Rogério Duarte?

"Inventaria-te antes que os outros te transformem em um mal-entendido". Grave, gravíssimo. Desde que se dê muita importância. Essa brisa suave, esse som de pássaros, nem parece que, do outro lado do muro, centenas de carros passam velozes nesse exato momento. Para onde vai tanta gente? Drummond fez um poema sobre as muitas pernas nos bondes. Pernas brancas, pretas, amarelas. Acerta sempre, o itabirano.

Você anda no seu ritmo, cumpre a meta dos dez mil passos. Vale mais o processo que o pódio. Ah, só você que pensa deste modo. É como se você estivesse prestes a descobrir o significado de algo valioso. “Poema nenhum, nunca mais será um acontecimento: escrevemos cada vez mais para um mundo cada vez menos”, diz o verso de Alberto da Cunha Melo. Sob a árvore do Tempo, segue o baile.