A bênção, mestre Caymmi

Documentário de Henrique Dantas retrata relação do compositor com sua negritude e o candomblé

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  • Ronaldo Jacobina

Publicado em 10 de outubro de 2020 às 16:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação

A grandeza da obra musical de Dorival Caymmi, que há décadas influencia gerações de músicos brasileiros, tem sido objeto de exaltação do cinema desde a sua morte, em agosto de 2008.

Somente nos últimos três anos, três documentaristas passearam pela vida e obra do artista baiano, lançando no mercado filmes que têm feito carreira nos festivais de cinema do Brasil e do mundo e se tornado registros importantes da história da música brasileira.

Em 2018, os irmãos Fabio e Thiago Di Fiore lançaram Dê Lembranças a Todos, filme que se propõe a mostrar a influência da natureza e das coisas simples da vida na construção de suas canções. No ano passado, foi a vez da paulista Daniela Broitman lançar Dorival Caymmi - Um Homem de Afetos, um retrato íntimo do autor de Dora, com depoimentos dos filhos Dori, Danilo e Nana e de amigos.

Agora, é o baiano Henrique Dantas que apresenta sua versão da história musical e pessoal do artista considerado um dos grandes gênios da música popular brasileira.

Dorivando Saravá O Preto Que Virou Mar, que segue fazendo carreira em festivais brasileiros e estrangeiros e tem estreia prevista para novembro no Canal Curta!, navega num mar pouco explorado por pesquisadores: o Caymmi como artista negro, devotado às suas origens, às tradições e ao candomblé. Dorival Caymmi em cena de Um Homem de Afetos (Divulgação)  O filme, que começou a ser rodado em 2018, reúne depoimentos de vários artistas – a maioria baianos – sobre a importância da obra de Caymmi para a história da MPB e revela passagens do cantor e compositor por mares pouco antes explorados, como o encontro com Mick Jagger e as relações de amizade profundas com ícones da cena baiana da época, como Carybé e Jorge Amado.

O roteiro assinado por Dantas foca ainda na relação do artista com sua negritude e com o candomblé, religião que praticava e que o fez obá do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, revelado através de depoimentos de ialorixás que conviveram com o homem Caymmi.“Descobri que precisava falar de um Caymmi que eu não via nos filmes que assisti. Baiano, negro e com uma relação profunda com o mar, com a religião, com a sua origem e com suas crenças”, explica o diretor.A obra navega ainda pela história do personagem através de suas composições e revela passagens pouco conhecidas de sua biografia como as viagens à Europa em companhia da fotógrafa Arlete Soares, que conta histórias engraçadas vividas com ele ao lado de amigos em comum como Jorge Amado e Pierre Verger.

Ao longo de 86 minutos, o filme apresenta depoimentos, por vezes em forma de análises das composições, o que, em alguns momentos, torna a narrativa um pouco cansativa pelo tom de tese acadêmica dado por alguns dos entrevistados.

Tom Zé e Gil Mas isso não tira a beleza da obra que, mesmo nestes momentos, se suaviza quando o tom analítico vem nos depoimentos bem humorados de Tom Zé, profundos e reflexivos de Gil, e divertidos e embasados de Letieres Leite, conhecedores profundos da musicalidade do conterrâneo. Adriana Calcanhoto está no elenco de O Preto Que Virou Mar (Divulgação) Embora o elenco conte com grandes nomes da cena musical como Gilberto Gil, Tom Zé, Matheus Aleluia, BNegão, João Donato, Lucas Santana, Jussara Silveira, Adriana Calcanhoto e Tiganá Santana, a ausência dos filhos de Caymmi – todos músicos – é sentida pelo espectador.

O diretor conta que sua intenção era tê-los no filme, mas Danilo Caymmi, que foi seu interlocutor junto à família, não quis participar. Apesar da negativa do herdeiro, segundo Dantas, este se tornou um importante parceiro do projeto.

“Embora ele não tenha participado com depoimento, deu a autorização para o filme e abriu mão dos direitos autorais das canções para nos ajudar a realizar o projeto. Foi de grande valia, porque trabalhamos com o orçamento curto”, diz.

Henrique Dantas dirigiu Filhos de João: O Admirável Mundo Novo Baiano, que em 2009 venceu o Prêmio Especial do Júri e Prêmio do Júri Popular no Festival de Brasília. Agora, se prepara para rodar seu primeiro longa de ficção, em 2021, com Fabricio Boliveira e Antonio Pitanga.

Segundo ele, o curioso deste seu próximo filme é que a história gira em torno da morte, temática, que, coincidentemente, sempre esteve presente na vida de Caymmi, conforme Gil relembra, lindamente, no seu depoimento para o documentário.