A cada dois meses, bandidos invadem casas e fazem reféns no Nordeste de Amaralina

Caso mais recente aconteceu na quinta-feira (15), quando família foi feita refém

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  • Bruno Wendel

Publicado em 17 de agosto de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO

Em oito meses, já foram quatro casos de perseguições policiais em que os bandidos invadem os imóveis e fazem reféns os próprios moradores no Complexo do Nordeste de Amaralina. De lá para cá, dá uma média de um caso a casa dois meses. Em todas as situações, a rendição só aconteceu diante da presença da imprensa. Uma fonte da polícia disse ao CORREIO que a ação se tornou uma tática do Comando da Paz (CP), facção que atua na região, para evitar o combate direto com a polícia.

O caso mais recente aconteceu no final de linha de Santa Cruz, na tarde de quinta-feira (15), quando cinco homens ligados ao CP invadiram uma casa e mantiveram sob a mira de armas três pessoas de uma mesma família – um idoso, o filho e o neto dele, de 8 anos. 

De acordo com a Polícia Militar, uma viatura da 40ª Companhia Independente (CIPM/ Nordeste de Amaralina) fazia rondas pela região do Largo do Areal quando encontrou o grupo de homens armados. Houve troca de tiros, e os criminosos invadiram uma casa, que estava com a porta aberta, e fizeram os reféns.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA), durante o confronto, um PM acabou ferido na perna e foi socorrido para o Hospital Geral do Estado (HGE). Ele já teve alta. Após duas horas de negociações, os bandidos libertaram os reféns e se entregaram.  Algemados, eles foram levados para o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). 

Na manhã dessa sexta-feira (16), o CORREIO circulou pela Santa Cruz e encontrou o policiamento reforçado por unidades da 40ª CIPM, Rondas Especiais (Rondesp) Esquadrão Águia e o Batalhão de Operações Especiais (Bope).

Durante abordagem, um dos policiais que faziam o patrulhamento no final de linha disse que a invasão de quatro dos imóveis com reféns em oito meses é uma estratégia da CP.“Eles adotaram essa agora. Já perceberam que dá certo. As famílias têm que deixar as portas abertas para facilitar o acesso deles”, disse um soldado da 40ª CIMP. “Há casos que eles obrigam as crianças a circularem pela rua para servirem de escudo quando sabem que a polícia está por perto”, disse outro soldado da unidade.  Quinteto foi apresentado nessa sexta-feira (16), no DHPP (Foto: Marina Silva/CORREIO) As declarações dos oficiais foram reforçadas pelo major Edmundo Assemany, da Rondesp Atlântico, unidade da PM que atende a região dos bairros no entorno da orla de Salvador. “Já ouvi falar sobre isso. É possível que aconteça, mas não com todos os moradores”, disse o major ao CORREIO, durante a apresentação dos presos na Santa Cruz.

“É a melhor forma que eles encontraram para evitar um combate, para ter desfecho satisfatório para eles”, disse o capitão Edmundo, da 40ª CIPM (Nordeste de Amaralina), responsável por mediar o resgate dos reféns na Santa Cruz.

O delegado Odair Carneiro, da Delegacia de Homicídio Múltiplos (DHM), também comentou as quatros invasões em oito meses. “Todas os casos foram resultado de ações mais efetivas da polícia. Nós intensificamos as ações no Nordeste de Amaralina e tivemos uma redução de 70% dos homicídios. Todos os líderes foram presos ou mortos em confronto com a polícia. O complexo (Nordeste) precisa de uma atenção maior da polícia, ainda sim com três bases comunitárias”, disse Carneiro. Apesar de estar responsável pela DHM, ele foi designado para investigar os crimes no complexo pelo secretário de Segurança Púbica, Maurício Barbosa. 

Perguntado se o porquê de tanta atenção é pelo fato de o complexo ser o reduto da facção Comando da Paz (CP), uma das maiores do estado, Carneiro respondeu: “É por que é uma região central de Salvador. Mas já tivemos situações do tipo em bairros como Liberdade e o Engenho Velho da Federação”. 

Para o comandante da Região Integrada de Segurança Pública (Risp) Atlântico, coronel Manoel Xavier, existe outro fator preponderante. “É a topografia. O local é um sobe e desce de ladeiras, cheio de becos e vielas, o que facilita o acesso em qualquer casa”, declarou. 

Antecedentes Os cinco criminosos capturados pela Polícia Militar, no Nordeste de Amaralina, possuíam passagens por tráfico de drogas, homicídio e roubo e respondiam aos processos em liberdade. A quadrilha foi apresentada à imprensa, na manhã dessa sexta (16), no (DHPP). 

Segundo a polícia, todos fazem parte do Comando da Paz (CP). Cristiano Sodré Felicíssimo, 24, o 'Zoi', se destaca no grupo por ser um dos líderes. Com mandado de prisão em aberto, ele responde a inquéritos por homicídios, roubos, porte ilegal de arma de fogo e sequestro.

Outro preso relevante e também com status de liderança é Franklin Moraes Costa Neres dos Santos, 20. Com passagens por roubos quando adolescente e adulto, 'Frank', como é conhecido, gerenciava o funcionamento do bando.

Completam a lista de presos Mateus Oliveira da Silva, 18, e Everton Conceição Neves Rosas, 18, ambos com passagens por roubos quando adolescentes, e Lucas de Jesus Nascimento, 18, também com participação em assaltos.

"As forças de segurança fazem a sua parte. Mais uma vez a PM prende, nós indiciamos e ficamos esperando quando reencontraremos esses jovens praticando novos crimes. É uma triste realidade e a cobrança recai apenas na polícia", desabafou o delegado Odair Carneiro. 

Ele acrescentou que os cinco serão indiciados pelos crimes de porte ilegal de arma de fogo, homicídio tentado contra o PM, sequestro, associação criminosa e tráfico de drogas. Criminosos invadiram casa na Santa Cruz (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Medo “A gente vive com medo, medo até de falar. Mas a gente não tem como dizer ‘não’. Eles [criminosos] vivem armados. A gente deixa porta aberta, não vai à delegacia, não traz estranhos para cá. Tudo para não contrariar”, disse uma dona de casa, mãe de três filhos – um deles foi ameaçado de morte após brigar com um rapaz e deixou o bairro.

Um senhor disse que o perigo cresceu dentro da comunidade. “As pessoas vivem encurraladas, pois todos que escolheram o outro lado cresceram aqui. Antes, a gente reclamava e eles baixavam a cabeça. Hoje, a gente vê e finge que não vê as coisas que fazem. Todos envolvidos com esse negócio de facção”, afirmou ele.

Por conta da violência, os rodoviários não circularam por algumas horas desde a ação de quinta-feira (15) com os reféns na Santa Cruz, mas voltaram ao bairro por volta das 10h30 dessa sexta.

“São meninos que carregam armas maiores que eles. Quando digo maiores, falo de fuzis. Meninos de 15 anos que chegam a andar encurvados do peso da arma. Eles dizem, e a gente obedece. Ninguém é maluco de fazer o contrário”, completou o morador.

Uma mulher disse ao CORREIO que a população vive um dilema. “A rotina daqui é pesada. A gente sofre por conta da bandidagem que quer que a gente abrigue eles. Do outro lado, a polícia só falta nos matar pra obrigar a dedurar os caras. Chegam batendo, revirando tudo, como se a gente compactuasse com tudo isso. Pelo contrário, mas não há o que fazer”, disse ela.

Outros casos No último dia 28 de maio cinco homens invadiram uma casa no bairro de Santa Cruz e mantiveram uma família refém por cerca de três horas. À época, seis pessoas foram feitas refém na casa, que fica na Rua da Floresta -  duas mulheres, duas crianças e dois homens. Participaram das negociações a Rondesp e o Bope, além da 40º CIPM. A negociação durou de 18h30 até 23h40.

Já em dezembro do ano passado, quatro homens invadiram o Centro de Saúde Osvaldo Caldas Campos, também no bairro de Santa Cruz, e fizeram 16 reféns por mais de três horas. Caíque Silva Cerqueira, 19 anos, Danilo Santos Nascimento, 28, Jeferson Oliveira Silvany e Erick dos Santos Batista trocaram tiros com militares das Rondesp antes de renderem funcionários e pacientes da unidade, incluindo um adolescente de 12 anos. 

No dia da ação, Erick e Jeferson não tiveram os nomes divulgados pela pasta. Os suspeitos só liberaram as vítimas após negociação do Bope, com intermédio das mães de Danilo e Caíque. A imprensa também acompanhou toda negociação - a pedido dos quatro suspeitos.

Em abril deste ano, outro caso similar aconteceu na localidade de Serra Verde, no Vale das Pedrinhas, também no Complexo do Nordeste de Amaralina. Eric dos Santos Batista estava novamente envolvido - com outros cinco homens, ele invadiu uma casa durante uma fuga e fez novos reféns. Eric ficou apenas um mês no presídio. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP), ele foi solto por ordem judicial.