A cadeira elétrica do Judas

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  • Nelson Cadena

Publicado em 14 de abril de 2022 às 05:00

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Na Semana Santa de 1948, a diretoria do Clube Fantoches de Euterpe, da qual fazia parte o  jornalista Adroaldo Ribeiro Costa, inventou de alterar o ritual da tradição da queima do Judas no Sábado de Aleluia. Judas não seria queimado e sim eletrocutado, o espantalho sentado numa cadeira. Um “experiente” eletricista foi convocado para provocar o curto circuito nas entranhas do boneco. A brincadeira não ocorreu como previsto, pura maluquice, correu-se risco de incêndio no local. Mas o jazz de Netinho e sua banda encarregou-se de desanuviar o ambiente, era Micareme, e a animação correu solta madrugada adentro.

Judas sempre foi um personagem popular, dos mais populares da história. Por séculos, um dos mais cultuados, no sentido de lembrado, no mundo ocidental. Encarregaram-se disso os  pintores renascentistas e outros contemporâneos, muitos, que lhe deram rostos diversos, doces parecendo um Fauno, circunspectos, de olhar sisudo; rostos de fartas barba e bigode, outros carecas de testa saliente para enfatizar rudeza. Centenas deles espalhados em afrescos de Igrejas italianas, portuguesas, espanholas e por toda América e outras bandas para além de onde Judas perdeu as botas, ou do cafundó do Judas; os ditados, exemplos de sua abusiva popularidade. 

A Igreja que tanto se esmerou em popularizar o personagem através da arte, escondeu-lhe o rosto na tradicional Procissão de Fogaréus da Quinta Feira Santa de Endoenças. Em Salvador, durante os séculos XVII a XIX, o Judas foi representado pelo temido Gato da Misericórdia com seu miau assustador e a matraca que pontuava as suas performances teatrais. O sinistro personagem, supostamente um Negro de Intendência (encarregado de ascender os lampiões de rua pelo seu porte físico avantajado), vestindo grosso camisolão e capuz roxo apanhava durante todo o percurso, levava beliscões, sopapos, pedradas do populacho enfurecido.

Os rostos do Iscariote, tão presentes em todos os templos sumiram. Rostos tantos e tão diversos que o tempo apagou, nenhum deles, em particular, ficou como referência para o povo. Para os nascidos do século vinte em diante, Judas é apenas um boneco e apenas isso. Na Bahia, carnavalizado a partir de 1913, durante a Micareta, no centro da cidade e nos bairros de tradição festeira. O ponto alto do Carnaval fora de época, por anos, foi o desfile do Judas em carro sem capota para ser queimado em alto estilo na Praça Castro Alves. 

Nos bairros, pirotécnicos exibiam seus talentos e versejadores, os profissionais e os improvisados, declamavam os testamentos, na Rua do Corta Braço, atual Pero Vaz, no Tororó; Largo da Madragoa; no Uruguai; Cruz de Cosme; Periperi; Largo de Santo Antônio; Brotas; Rua Lasca do fogo; Padre Eloy; Alto do Saldanha; Garcia... O Judas inflamado fazia a alegria de crianças e adultos. E no interior, amarrado num jegue, era alvo da molecada que armada de chicotes de cipós e paus corria atrás do animal espavorido que apanhava tanto quanto o boneco. 

Jorge Amado simpatizava com o Judas original, o personagem, não o boneco: “Um católico exaltado me falara certa vez, ai na Bahia, de Judas Isgogorota, confundindo-o com o outro. Falou-me, como é natural, muito mal. Mas, eu mesmo, na província, nunca adorei Ruy Barbosa, nem li Benjamim Costallat. Por isso simpatizei com o nome. Mesmo, porque eu sempre tive simpatia por Judas Iscariote”, escreveu certa feita na revista E.T.C, exaltando o talento do célebre poeta Alagoano, o Judas Isgogorota, pseudônimo de Agnelo de Melo.