A ciência da positividade tóxica

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  • Kátia Borges

Publicado em 24 de novembro de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Admito que criei certo ranço de positividade em extremo. E, talvez, o seu radar de pessoas tóxicas já esteja apitando (é que brinquei com mercúrio na infância). No futuro, bebês nascerão com um detector Geiger Muller implantado em seus cérebros. Antes mesmo de aprenderem a andar, iniciarão seus cancelamentos táticos nas redes, praticantes convictos da filosofia havaiana contra a mágoa.

Na adolescência, serão clientes preferenciais em coaching de relacionamento e, na vida adulta, reféns do fetiche de uma felicidade peso pluma. Alegria tão frágil que só sobrevive numa bolha de desejos satisfeitos batizada com um neologismo: happycracia. O termo está contido no título de um livro, best-seller na França, escrito a quatro mãos por uma socióloga israelense e um psicólogo espanhol.

Happycracia não é o único conceito novo nessa história, diga-se. Também a Vigorexia, ou Síndrome de Adônis, foi ressignificada entre as quatro cordas da busca obsessiva pelo equilíbrio emocional. Cabe como uma luva de boxe no ringue das boas vibrações “only”. Afinal, permanecer à salvo da loucura alheia costuma ser uma luta de vida ou morte, já que implica no combate às próprias neuroses.

O negócio – literalmente falando – é parecer feliz e ponto. Sigamos então no reforço da bolha, mentalizando palavras capazes de atrair o sucesso. Chega a dar dó tanto esforço. Sensível ao ambiente em torno, essa entidade chamada sucesso pode ser afugentada pela mínima alteração na frequência cardíaca de quem respira ao lado. Palavra é força, dizem. Imagine ter que aplicar boca a boca num náufrago?

Danos nas antenas que captam o invisível pódio serão a consequência inevitável desse tipo de contato próximo. Trágico como quebrar um espelho, lembram-se? E nem sete anos inteiros de cuidados de si remendarão tal estrago. “Felicidade se acha é em horinhas de descuido”, já dizia o velho Guimarães Rosa. Não se parece com nada que desconhecemos. Na verdade, pequenas alegrias não têm ciência alguma. Tristezas é que são diferentes. E, definitivamente, elas não são contagiosas.